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Carta para Ash | Sing – quem canta seus males espanta

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Ash em Sing

Ash,

Você tinha noção do seu poder, da sua força e da sua voz? Não é fácil, porém, nos desvincular de relacionamentos abusivos, não é? Forte falar isso. Eu sei! Mas é importante dar nome ao que vivemos e ao que sentimos.

Ash, seu relacionamento com o porco-espinho Lance não era bom para você. Não vale a pena ficar com alguém que quer você só para reforçar o próprio ego e – ao mesmo tempo e na mesma proporção – rebaixar as suas qualidades. Escuta o que diz bell hooks (1): “O amor jamais poderá se enraizar em uma relação fundamentada em dominação e coerção“. Amor, Ash, é justiça e igualdade.

Quando Lance coloca você para baixo, ele tira o equilíbrio da relação e tenta exercer poder sobre você. O cara que precisa rebaixar a mulher para se sentir poderoso, desvalorizando o que você faz e o seu talento, não está certo, Ash. Quando vocês cantam juntos, Lance insiste em deixar você como backing vocal, mas você sabe que quer – e merece – mais. Você tem brilho e talento.

Então, quando o koala Buster Moon escolhe apenas você para o show de talentos, Lance – ao invés de ficar feliz por você – quer que você desista do seu sonho. Afinal, para ele, a sua função é apenas ser um instrumento para o sucesso dele. Vocês vão juntos ao teste, mas quando você é escolhida, ele quer convencer você que foi você quem traiu o acordo do casal e vendeu-se ao sistema. Mas você ainda tenta convencê-lo do contrário, não é? Você até então acredita que pode ganhar dinheiro e trazer a fama para vocês dois, gravar o álbum de vocês dois, com as músicas dele, ainda por cima!

Caras que fazem isso, Ash, querem destruir a sua autoestima, porque assim, as minas não vão deixá-los.

O relacionamento abusivo é mais uma camada do machismo, que coloca a mulher como objeto, que reduz o que é considerado feminino e engrandece o que é considerado masculino. A mulher é encarada como um artefato. Ah, Ash, mas você não vai ceder a esse tipo de comportamento!

E seus voos são ainda maiores do que você mesma imaginava.

Sua confiança vai crescendo e você começa a pensar em escrever suas próprias músicas! E o que Lance faz? Infelizmente, o esperado: na hora, sem pestanejar, destrói essa possibilidade, mais uma vez, coloca você para baixo, como se só ele fosse capaz desse feito. É tão evidente e tão absurdo que é difícil de assistir. Mas, ao mesmo tempo, é tão bom saber que meninas e mulheres – ao verem você nas telas – podem identificar essa situação nas suas próprias vidas e tomar decisões importantes – e tornarem-se independentes e livres de relacionamentos que não as fazem bem!

Até o Mr. Moon tenta encaixar você em um perfil do que é ser mulher e do que é ser adolescente, mas agora você sabe quem você é! E você não gosta de rosa e nem de música pop. Você é roqueira, com voz e talento para a música – a sua música! E quando você abraça tudo isso, surpreende a todos.

Sabe, Ash, fiquei pensando na suas parceiras de show, a Rosita e a Meena.

Duas mulheres com vozes também maravilhosas, mas soterradas por afazeres domésticos e por uma timidez e falta de autoconfiança – respectivamente.  Dá uma vontade de juntar vocês três para uma conversa. Afinal, sororidade é o caminho.

Rosita cuida dos seus 25 porquinhos, enquanto o marido vai trabalhar. Quando vai para os ensaios, Rosita, que nem consegue explicar para o marido o momento que está passando, prepara uma engrenagem mecânica para cuidar dos filhos e marido – que só percebem a sua ausência quando a máquina emperra! Mais uma vez – a mulher vista e representada como um artefato. A relação dela e do marido, porém, parece evoluir. Ele começa a “enxergar” Rosita quando ela se apresenta no palco. Mas seria necessário tudo isso para ser ouvida, compreendida e valorizada? Deveria uma mulher ter que passar por tudo isso para ter seus feitos e seus sonhos reconhecidos como válidos?

Meena – apesar de ter uma família que a apoia – não consegue ter coragem para tentar fazer parte do show, mesmo sabendo que seu sonho é cantar. Ela se torna assistente de direção de Buster Moon, acompanhando todos os treinos dos colegas para o grande espetáculo. É quando ela está sozinha, no topo dos escombros do antigo teatro de Moon, que Meena se liberta e solta toda a sua voz.

O caminho não foi fácil, Ash. Não é. Mas saiba que acompanhar o seu processo de libertação desse relacionamento abusivo e poder conhecer todo o seu talento e sua força foi empoderador. E que sirva de exemplo para tantas outras mulheres – de todas as idades.


Sing – Quem canta seus males espanta, de Garth Jennings

Ash e seus companheiros de palco do filme Sing - quem canta seus males espanta
Ash e seus companheiros de palco

Carta para Ash (Scarlett Johansson) do filme Sing – Quem canta seus males espanta.


Buster Moon (Matthew McConaughey) é um Coala que comanda um antigo grande teatro que hoje tem passado por tempos difíceis. Buster é um eterno otimista que ama seu trabalho acima de tudo e fará qualquer coisa para preservá-lo. Agora, enfrentando a falência de seu teatro, ele terá uma última chance para restaurar sua joia produzindo a maior competição de canto do mundo. Entram para o show:

  • a porca Rosita (Reese Witherspoon), que é uma talentosa cantora, mas abandonou seus sonhos para criar seus 25 porquinhos e é constantemente negligenciada por seu marido, o workaholic Norman (Nick Offerman);
  • a elefante Meena (Tori Kelly), que possui uma linda voz, mas tem muito medo de se apresentar em público;
  • o rato Mike (Seth MacFarlane), que é um músico de rua com talento de Frank Sinatra;
  • o gorila Johnny (Taron Egerton), que é filho de um bandido que quer que ele siga seus passos no mundo do crime; e
  • Ash (Scarlett Johansson), uma porca-espinho adolescente que faz dupla com seu namorado Lance (Beck Bennett).

Referência:

(1) O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras, de bell hooks

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Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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