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Jessica Jones: traumas tóxicos e machismo explícito

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Imagine uma mulher com superpoderes, com uma força extraordinária, pulos inimagináveis e uma rápida cicatrização. Pensei em ser esta mulher em um mundo em que há – em nós – um medo da violência machista; verbal e física. Com esses poderes, viveríamos mais livres? Poderíamos sair nas ruas, à noite, sem olhar para trás ou para a próxima esquina, verificando se estamos seguras? Acredito que sim, mas – neste mundo onde superpoderes são possibilidades – surge um vilão que pode dominar sua mente, e daí suas ações. E toda aquela segurança se esvai. A sua força física não conta mais – ou conta contra você mesma.

Foram esses os pensamentos após o contato inicial com a primeira temporada da série Jessica Jones, da Marvel/Netflix, lançada no final de 2015. Já naquela temporada, os exemplos, explicações e metáforas sobre a cultura do estupro eram tão explícitas que me chamou a atenção para esta (anti) super-heroína.

O mundo dos super-heróis constrói fábulas que nos apresentam possibilidades de catarse e redenção. E Jessica é a super-heroína que encarna as tensões e as diversas formas de violência da cultura machista. Mas ela também nos mostra força e empoderamento – já partindo do óbvio: ser uma mulher super-heroína. É fundamental destacar, porém, que a sua força vem carregada de um peso emocional tóxico, principalmente, para ela mesma. Ela é a justiceira solitária, uma Defensora – para usar os termos do universo Marvel. Jones vive para apontar os mais sombrios segredos dos outros, mas não consegue lidar com os seus próprios traumas, desde aqueles da juventude, que conhecemos mais nesta segunda temporada, como os que viveu com Kilgrave na primeira.

jessica jones e kilgrave
Jessica Jones e Kilgrave

Kilgrave (David Tennant), que literalmente controla mentes, é um vilão assustador, exatamente por representar o abusador que nós mulheres tememos, aquele que nos envolve, nos domina e confunde a nossa mente em relação às nossas próprias ideias do que de fato está acontecendo. Jessica (Krysten Ritter) traz, porém, de forma explícita, o que ele fez com ela. Sim, foi estupro.

Após o sucesso da primeira temporada, a série, que tem uma showrunner mulher – Melissa Rosenberg, retoma com boas notícias para nós que lutamos pela representatividade e pela representação das mulheres no audiovisual: todos os 13 episódios da nova temporada seriam dirigidos por mulheres – o que, de fato, aconteceu. Os episódios foram todos liberados no dia 8 de março deste ano, Dia Internacional da Mulher.

A detetive particular volta na segunda temporada em um mergulho no seu passado, nas suas origens, na sua família. Continuamos encarando nas telas questões sobre a cultura machista – pelos pontos de vista não só de Jessica, mas também, especialmente,  de Trish Walker e Jeri Hogarth. As três estão enfrentando momentos difíceis, tentando superar essas questões ao mesmo tempo em que olham para o passado e planejam o futuro.

Acompanhamos as dificuldades e desenlaces de cada uma, querendo, inclusive, que elas trocassem mais informações e se apoiassem mais. É como se cada uma entrasse nesta jornada de autossuperação acreditando que só poderia resolver seus problemas sozinha.

Neste retorno ao passado, Jessica vai ter que refazer a sua história e, a partir daí, encarar seus demônios – o lado sombrio dos experimentos que passou, a raiva que carrega e o fardo que é, para ela, ter todos esses superpoderes – por mais que desejados por outras pessoas, como a sua irmã Trish.

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Trish Walker

Trish Walker (Rachael Taylor) está em um relacionamento amoroso feliz, mas, ao contrário do que é esperado por sua mãe, este ponto de sua vida não é o suficiente para satisfazê-la como pessoa – e é assim que tem que ser. A relação com o jornalista de sucesso, na verdade, coloca em foco o desejo da personagem de seguir esta carreira – para ela. Trish também continua com um desejo de ter superpoderes, como a irmã.

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Jeri Hogarth

A personagem de Jeri Hogarth (Carrie-Anne Moss) ganha complexidade nesta temporada e nós agradecemos por isso. Conhecemos mais a sua história e acompanhamos o seu dia a dia – para além dos seus contatos com Jessica. Ela é uma mulher forte, lésbica e extremamente bem sucedida profissionalmente, porém, está enfrentando um problema de forma solitária. A relação do que ela está passando com a necessidade de ter controle que envolve a personagem é interessante.

Esta temporada, que ganha força em apresentar as histórias de mais personagens, perde em concisão da narrativa. Diferente da primeira, que tinha em Jessica e Kilgrave tese e antítese bem delineadas, nesta há uma dispersão de temas e personagens e, assim, ficamos querendo aprofundar cada uma das histórias de forma mais esmiuçada. A empatia (ou a falta dessa) da personagem de Janet McTeer não corresponde com a sua importância na narrativa – o que fica melhor no final da temporada.

Mesmo assim, o seriado Jessica Jones ainda encanta, trazendo a força de uma sobrevivente da morte da família e de um relacionamento abusivo, uma mulher que tenta amenizar seus traumas com muitas doses de uísque, uma heroína com força bruta e um coração “que se importa”.

Esperamos as próximas temporadas.

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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