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Fleabag e uma ode a personagens mulheres imperfeitas | #MulheresEmSérie

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Phoebe Waller-Bridge em Fleabag

Pensei bastante em qual título escolher para este texto sobre a série Fleabag, criada, escrita e estrelada por Phoebe Waller-Bridge. Começo assim para fundamentar que talvez não haja um título perfeito que se encaixe na imperfeição da personagem chamada Fleabag, que denomina à série. Não sabemos o nome dela. Na verdade, durante a primeira temporada apenas alguns nomes são ditos, até mesmo de forma rápida e imprecisa.

Phoebe Waller-Bridge no papel de Fleabag tenta se relacionar com os outros, consigo mesma e com o mundo após um acontecimento traumático em sua vida. Corro o risco de dizer que o acontecimento não a faz ser quem ela é, mas modificou muitas questões internas, e talvez “ser uma pessoa melhor” já não estivesse dentro desse rol de possibilidades.

Sempre gostei de assistir a séries com protagonistas grosseiras, egocêntricas, ríspidas e que demonstram poucas emoções. Muito disso devo ao excesso de filmes e séries que trazem mulheres como pessoas sem defeitos, um cristal de feminilidade e de docilidade. Não é à toa que as vilãs sempre me chamaram atenção, desde Carminha da novela Avenida Brasil até Villanelle da série Killing Eve (que foi criada por ninguém menos que a própria Phoebe Waller-Bridge!).

Fleabag não é vilã, é apenas humana e quebra constantemente a quarta parede para conversar com quem está ali sentada ou sentado assistindo sua vida correr, cortando às vezes para um flashback nada animador. Até o final da primeira temporada não é possível saber o que realmente aconteceu, o porquê daquele café cheio de decorações de porquinhos da Índia estar sem ninguém, apenas Fleabag atrás da caixa registradora, que de tão entediada até arrisca tirar umas fotos da sua vagina enquanto espera a sorte de algum cliente entrar e comprar comida congelada nada atraente da sua vitrine.

Phoebe Waller-Bridge olhando para a tela e segurando um café em Flebag

As conversas e os olhares direcionados à câmera e a nós são um alívio para tentar entender quem são as pessoas ao redor de Fleabag e o que está acontecendo. Ainda assim, Fleabag não é totalmente honesta conosco, como em uma cena, durante o retiro silencioso e há um flashback! Pronto, agora vamos saber finalmente o que aconteceu, certo? Fleabag corta o flashback, nos olha e diz “agora não”. Entramos só até onde ela deixa, onde permite.

Gif de Phoebe Waller-Bridge em Fleabag

Suas relações amorosas com poucos sentimentos e seu desejo por sexo a fazem ser vista como uma mulher anormal. Será possível retratar uma mulher que faz sexo sem sentimentos sem que ela tenha algum tipo de condição psicológica? A relação que tem com a irmã é distante, ao mesmo tempo, é a única relação familiar que parece ser constante. Vamos combinar que constância não significa qualidade, mas há sim uma relação profunda entre as duas, mas que, assistindo à série, não consegui alcançar nem perto de sua real profundidade.

Retratar a humanidade de Fleabag e a possibilidade não só de defeitos, mas de características que não são pensadas em um primeiro momento como possíveis em personagens femininas, é uma marca certeira na complexidade e na dualidade existentes nas mulheres. É o tipo de personagem que você olha incrédula, mas também com uma paixão que me faz amar Fleabag. A compreensão do histórico dela, de suas relações humanas e de sua dificuldade em enfrentar a culpa faz a série ter uma genialidade incrível – isso tudo em menos de 30 minutos por episódio!

A série já tem uma nova temporada disponível na Amazon Prime e promete mais uma viagem-distante pela vida de Fleabag. Assim, espero que mais e mais mulheres imperfeitas estejam nas telas, para nos afirmar que a perfeição é inatingível e que podemos construir novas formas de se posicionar enquanto mulher. A aceitação do que achamos que são defeitos, para além de questões corporais, também é importante, seja para saber lidar com eles, seja para nos tornarmos pessoas melhores – de preferência, esses dois caminhos juntos.

Cartaz da série Fleabag

Por Risla Miranda

Brilha os olhos quando fala de direitos humanos e se vê um dia programando games. Discutir numa mesa de bar acompanhada de uma cerveja bem lupulada é o paraíso. Criatividade vai desde meme a criar estratégias de ação de projetos. Curtindo o rolê de contar histórias através de dados.

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