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O olhar delas: Democracia em vertigem e os outros documentários concorrentes ao Oscar 2020

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cartaz em preto e branco de Democracia em vertigem (The edge of democracy)

Este ano a cerimônia de premiação do Oscar foi antecipada para o início de fevereiro, no dia 9, ocorrendo mais cedo do que estamos acostumados. O anúncio final dos indicados ocorreu no dia 13 de janeiro e ainda dá tempo de maratonar e pesquisar sobre os profissionais que concorrem à estatueta.

Recebida com críticas, a lista deste ano não conta com nenhuma diretora indicada, apesar de 2019 ter sido marcado por um recorde de filmes dirigidos por mulheres dentre as 100 maiores bilheterias dos Estados Unidos, comprovando sua rentabilidade e sucesso junto ao público.

Além disso, o ano foi marcado por elogios ao trabalho de Lulu Wang (A despedida), Kasi Lemmons (Harriet), Alma Har’el (Honey Boy), Céline Sciamma (Retrato de uma jovem em chamas), Olivia Wilde (Fora de série), Lorene Scafaria (As golpistas), Marielle Heller (Um lindo dia na vizinhança) e Greta Gerwig (Adoráveis mulheres, que inclusive recebeu seis indicações ao Oscar: Melhor Filme, Atriz, Atriz Coadjuvante, Roteiro Adaptado, Figurino e Trilha Sonora, mas não Melhor Direção). Todas ficaram fora das indicações.

Kasi Lemmons dirigindo o filme Harriet
Diretora Kasi Lemmons no set do filme Harriet. Credit: Glen Wilson / Focus Features

Nos 92 anos em que a premiação acontece, apenas cinco mulheres foram indicadas ao Oscar de Melhor Direção e apenas uma venceu (Kathryn Bigelow, em 2010, pelo filme Guerra ao terror). A Academia não demonstra nenhum interesse em alterar esse quadro, apesar da quantidade de diretoras que se destacam ano após ano. Como ironizou a atriz e cineasta Issa Rae ao anunciar os indicados de 2020: “parabéns a esses homens”.

Apesar disso e apesar da opção brasileira, A vida invisível, ter ficado fora da categoria de Melhor Filme Internacional (até o ano passado essa categoria chamava-se Melhor Filme de Língua Estrangeira), há uma ótima notícia para o Brasil.

Democracia em vertigem, da diretora brasileira Petra Costa, concorre a Melhor Documentário em Longa-Metragem.

Distribuído pela Netflix, o longa retrata o cenário político brasileiro dos últimos anos, analisando como os diversos eventos (impeachment da ex presidenta Dilma, prisão do ex presidente Lula, eleições de 2019) se relacionam e traçando um paralelo entre a conturbada situação política do país e a história da família da diretora/narradora.

cena de Democracia em Vertigem - Congresso Nacional
Cena do documentário Democracia em vertigem, de Petra Costa

A família, inclusive, é presença quase constante nas obras de Petra Costa. A diretora, que foi elencada pela revista Variety como uma das 10 documentaristas para serem assistidas em 2019, fez sucesso internacional em 2012 com o seu primeiro longa-metragem, Elena. O documentário retrata a viagem de sua irmã mais velha para os Estados Unidos atrás do sonho de se tornar atriz, as dificuldades que encontrou por lá e a busca de Petra vinte anos depois para compreender o que aconteceu com a irmã.

Cabe destacar que Democracia em vertigem é o único indicado na categoria de Melhor Documentário em Longa-Metragem dirigido somente por uma mulher, sem co-direção com homens. 

E, se vencer, Petra Costa se tornará a primeira brasileira a receber um Oscar por um filme exclusivamente brasileiro (o país recebeu o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro em 1960 pelo filme Orfeu negro, uma co-produção entre Brasil, França e Itália dirigida pelo francês Marcel Camus).  

Diretora Petra Costa
Diretora brasileira Petra Costa

Dentre os concorrentes de 2020, The cave é o único dirigido por um homem (Firas Fayyad). Se ganhar, as produtoras do filme, Sigrid Dyekjær e Kirstine Barfod, também receberão a estatueta e subirão ao palco.

Todos os outros documentários que concorrem ao prêmio foram dirigidos por mulheres.

Dentre os concorrentes de Democracia em vertigem, está o longa For Sama, uma espécie de carta de amor de uma mãe para sua filha em formato de vídeo diário. A diretora Waad al-Kateab relata os acontecimentos de sua vida ao longo de cinco anos em Alepo, na Síria, em meio a uma guerra civil. Cercada por bombas, perseguição política e ditadura, a jornalista e cineasta se casou e teve uma filha, Sama. Por ela, deve decidir se foge da Síria em busca de proteção ou se permanece no país lutando por sua recuperação e melhoria. Decide então fazer um filme para que a filha possa compreender no futuro o contexto de seu nascimento e a história de sua mãe e de seu povo.

For Sama, de Waad al-Kateab
For Sama, de Waad al-Kateab

American Factory é o único documentário estadunidense dentre os indicados e foi dirigido por Julia Reichert e Steven Bognar. Muito elogiado, o longa é uma parceria entre a Netflix e a Higher Ground, produtora fundada no ano passado por Barack e Michelle Obama. American Factory tem como tema central uma fábrica abandonada no subúrbio de Ohio, que foi comprada, anos depois de fechar, por uma empresa chinesa. Os diretores acompanham a rotina e os conflitos de seus trabalhadores americanos e chineses e os impactos da globalização no mercado de trabalho.

Honeyland venceu o Critics’ Choice Documentary Awards de 2019 e foi dirigido por Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov (a dupla já havia trabalhado junta em 2017 no filme Lake of apples). Honeyland traz como protagonista a apicultora Hatidze Muratova, que, em uma vila rural na Macedônia, exerce seu trabalho de forma harmoniosa com a natureza. Seu universo se altera quando novos apicultores chegam na região comprometendo o equilíbrio e a segurança das abelhas.

Honeylande, dirigido por Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov
Honeylande, dirigido por Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov

Lembramos que, no Oscar 2019, ambos os vencedores de melhor documentário (curta e longa-metragem) foram dirigidos por mulheres. Foram eles, respectivamente, Absorvendo o tabu, de Rayka Zehtabchi, e Free Solo, de Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin.

Absorvendo o tabu (que, assim como Democracia em Vertigem e American Factory, também é uma produção da Netflix), além de ser dirigido por uma mulher, retrata uma questão que não é discutida com a devida atenção: a menstruação. O documentário indiano acompanha um vilarejo rural onde a menstruação é um tabu tão grande que até muito recentemente ainda não existiam absorventes. Por falta de produtos de higiene adequados, as mulheres eram obrigadas a utilizar quaisquer outros materiais para conter o sangramento, sofrendo constantemente de sérias infecções. Além disso, as meninas eram forçadas a se isolar quando menstruavam, gerando, dentre outras consequências, o abandono dos estudos. O curta acompanha o início de uma pequena cooperativa organizada por mulheres para aprender a produzir absorventes biodegradáveis e comercializá-los no vilarejo, alterando para sempre a vida daquela comunidade.

Ficamos na torcida pelo filme brasileiro, mas já contentes pela força das diretoras nessa categoria.

Seja qual for o resultado, sabemos que a premiação lançará um holofote sobre o filme de Petra Costa, chamando atenção para a situação política do país, e também para os cinemas, olhares e diretoras dos outros documentários envolvidos. 

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

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