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Deus salve o rei | Novela | #MulheresEmSérie

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2018 chegou e trouxe com ele a nova “novela das sete” da Rede Globo, Deus salve o rei. A obra traz um universo medieval e fantástico, com lindas paisagens e uma trilha sonora maravilhosa.

No programa, que muitos dizem ser inspirado na série da HBO Game of Thrones, o mundo é dividido em reinos, cada um com seus reis, rainhas, súditos e leis próprias. Um deles é Montemor, governado pela sábia e justa rainha Crisélia e que sofre com a escassez de água. Por esse motivo, o reino mantém uma acordo pacífico com Artena, trocando minério por água, que este reino possui em abundância graças a décadas de conscientização, cuidado e visão de futuro.

Crisélia conta com o apoio de seu neto Afonso, que foi preparado desde a infância para assumir o trono quando chegar o momento. Um dia, em uma expedição que buscava fontes de água, Afonso é atacado por ladrões e fica gravemente ferido, se separando de seu exército e correndo risco de morte. É resgatado por dois irmãos que colhiam legumes na floresta e que não conheciam a sua real identidade.

Levado para a casa dos jovens, Afonso recebe os cuidados de Amália e os dois se aproximam. Deus salve o rei possui todos os elementos previsíveis de uma telenovela e uma das histórias mais antigas de todas: príncipe e plebeia se apaixonam; ele esconde quem é e o segredo quase os separa; o relacionamento não é aceito e o rapaz fica dividido entre o amor e o dever com seu reino.

Apesar da premissa e da narrativa pouco criativas, a novela conta com muitos efeitos especiais, tendo uma produção cuidadosa e muito bonita esteticamente. Deus salve o rei está sendo inteiramente filmada em galpões da Globo, mas possui cenários deslumbrantes em castelos, florestas e montanhas, com muitas cenas de batalha. As imagens foram captadas previamente na França e na Irlanda e diversas cenas possuem inserção gráfica.

Amália

Além dos efeitos especiais estarem sendo muito comentados, um dos tópicos que mais têm chamado a atenção do público é o desenvolvimento da protagonista Amália. A típica mocinha é honesta, batalhadora e de personalidade forte, nada de novo. Mas tem despertado interesse com algumas falas feministas e empoderadoras.

O discurso de Amália não é aprofundado e também não traz grandes novidades, mas tem gerado repercussão na internet, o que mostra mais uma vez o alcance das novelas e a importância de usar sua capacidade de direcionar atenções para tópicos positivos e necessários.

Amália trabalha em uma feira vendendo caldos e, antes de conhecer Afonso, namorava com Virgílio, um comerciante bem sucedido e arrogante. Em sua primeira aparição na novela, a personagem está trabalhando quando é visitada pelo namorado, que se oferece para comprar a barraca dela para que ela não precise mais trabalhar.

“Eu compro tudo. Eu coloco aqui alguém para trabalhar no seu lugar. Você fica administrando seu negócio e fica com mais tempo para…”; “para você…”, ela completa chateada, “Virgílio, essa conversa de novo não. Esse é o meu trabalho, é o que eu gosto de fazer e, principalmente, é como eu ajudo os meus pais. Eu tenho o meu trabalho porque eu não quero ter um patrão”. O namorado rebate: “Mas eu não vou ser seu patrão, vou ser seu marido”. Perguntado sobre qual era a diferença para ele entre patrão e marido, ele a acusa de complicar muito as coisas. “Pelo contrário, eu estou tentando descomplicar”, ela conclui, “você continua com a sua loja de tecidos ganhando o seu dinheiro e eu ganho o meu. Pronto”.

Amalia (Marina Ruy Barbosa) na novela Deus Salve o Rei

Após encerrar seu relacionamento com Virgílio e se envolver com Afonso, Amália ouve de uma amiga que ela tem muita sorte com os homens. A personagem argumenta que não acha que se trata de sorte, mas das escolhas que fazemos, e completa: “Além disso, eu não acho que o Virgílio seja exatamente o que a gente possa chamar de sorte”. A amiga Diana, que está triste por não ter um namorado, defende que o moço é educado e trabalhador. Quando Amália afirma que ele é muito ciumento e orgulhoso, Diana garante que a maioria dos homens é assim, ao que a amiga responde “e é exatamente por isso que eu não me interesso pela maioria deles”.

Não satisfeita, Diana continua: “Você fala que não acredita em sorte, mas a forma como Afonso entrou na sua vida foi o que se não um golpe da sorte?”. Preocupada, Amália afirma: “Diana, você pode chamar do que quiser. Eu só espero que pelo fato de ainda não ter encontrado um companheiro, você não se considere uma mulher sem sorte na vida”.

A inserção de falas como essas, de forma repetida, em obras com o alcance das telenovelas da Globo é importante para o processo de compreensão e popularização de ideias feministas. Não se pode, no entanto, ser ingênuo a ponto de acreditar que é suficiente e que é uma mudança profunda dentro das estruturas narrativas da emissora.

Apesar das falas de Amália, seu romance com Afonso é marcado por cenas típicas de romances antiquados e repletos de estereótipos, do tipo “donzela em apuros”, como a mocinha em perigo em um cavalo desgovernado, salva pelo príncipe antes de cair de um penhasco, ou a mocinha que não pode pisar em uma poça de lama e é carregada no colo por seu “galante” companheiro. Esse tipo de cena marca o tom do relacionamento dos protagonistas e passa longe do discurso que está sendo percebido e elogiado.

Catarina e Selena

Como o público tem comparado a novela com Game of Thrones, Deus salve o rei tem suas próprias versões de Cersei e Arya.

O reino de Artena, onde Amália vive, é governado pelo rei Augusto, sempre acompanhado de sua filha Catarina. Ao contrário do pai, que defende cautela e paz (sem comparações com Tywin Lannister), a princesa tem planos perigosos para o reino, incentivando o armamento do exército e engatilhando uma possível guerra com os reinos vizinhos. Catarina é inteligente, dissimulada e sem escrúpulos, conhecida por sua frieza e austeridade.

Já Selena é uma jovem plebeia que trabalha inicialmente na cozinha do castelo de Montemor. A moça sente-se muito frustrada por não ter talento para a culinária e por se sentir deslocada na execução das tarefas que lhe são atribuídas. Ela sente muito interesse na escola militar do reino e sonha com uma vida de aventuras, lutas e atos heroicos. Descobre, então, que tem talento para o combate com espadas e para todas as exigências do exército. A partir disso, travará uma batalha para ser aceita no treinamento militar, lidando com o preconceito, a descrença e a rivalidade de seus colegas.

Selena treinando

Enquanto isso, Ulisses, filho do professor de armas, lida com o fato de que é o pior aluno da turma e não tem desejo algum de seguir seu treinamento. O rapaz tem talento para a gastronomia e adoraria se dedicar à culinária. Ao conhecer Selena, os dois se aproximam, unidos pela sensação de não se encaixarem em seus universos e desejando combater as expectativas e os estereótipos impostos a suas vidas.

Deus salve o rei tem apresentado baixa audiência desde o início e recebido críticas sobre algumas atuações. Além disso, tem sido discutida a ausência de atores negros no elenco, ainda mais acentuada que o comum da Rede Globo (apenas 2 personagens com papéis mínimos até agora).

Apesar das personagens femininas estarem roubando completamente a cena, para uma transformação real seria necessário, além dos discursos, que a própria emissora refletisse sobre suas estratégias.

Além das cenas desnecessárias de mocinha indefesa já mencionadas e da falta de diversidade no elenco, seria importante que os responsáveis pelo programa refletissem sobre o termo “ainda” na fala da protagonista (“Eu só espero que pelo fato de ainda não ter encontrado um companheiro, você não se considere uma mulher sem sorte na vida”) e modificasse o seu famoso último capítulo, no qual todos (sem exceção) encontram um par romântico – e é isso que é entendido como felicidade.

Assim, o discurso de sua protagonista deixaria de ser superficial e o debate sobre a não necessidade de um parceiro poderia assumir novo peso. O próximo passo seria, então, que a Rede Globo apresentasse mudanças mais estruturais e profundas na elaboração de suas narrativas.

Quem sabe, no futuro, não encontraremos uma protagonista que termina solteira e com seu final feliz?

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

0 resposta em “Deus salve o rei | Novela | #MulheresEmSérie”

Li, e li com atenção e relembrando de cada citação às cenas. E realmente há proposições excelentes das quais eu concordo e digo que pelo fato do telespectadores ainda não compreender as muitas propostas que eu percebo na telenovela, é uma excelente produção. Gostei a breve analise. Esperemos que os próximos capítulos nos deixe mais em paz com relação algumas mesmices de finais de novelas.

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