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Emilia Pérez | Teste Arte Aberta no Oscar 2025

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Chegou a hora de falar de Emilia Pérez, musical franco-belga dirigido por Jacques Audiard, com 13 indicações no Oscar 2025 (o maior número de indicações desta edição e, também, o maior número de indicações para uma obra que não é falada em inglês). Confesso que evitei ao máximo ler qualquer coisa a respeito do filme antes de assistir, mas mesmo assim foi impossível me desvencilhar das inúmeras notícias, posicionamentos e críticas ao filme.

Emilia Pérez foi indicado em 13 categorias no Oscar 2025: Filme, Filme Internacional, Atriz Principal (Karla Sofía Gascón), Atriz Coadjuvante (Zoe Saldaña), Fotografia, Direção (Jacques Audiard), Edição, Cabelo e Maquiagem, Trilha Sonora, Música (El Mal e Mi Camino – conta como duas indicações), Som e Roteiro adaptado.

A obra foi inicialmente escrita para ser uma ópera em quatro atos, inspirada livremente em uma das personagem do romance “Écoute”, de Boris Razon (2018). Emilia Pérez conta a história da advogada Rita Mora (Zoe Saldaña), que se sente insatisfeita e subutilizada em sua firma de advocacia, até que é contratada pelo chefe de cartel Manitas (Karla Sofía Gascón) para organizar seu sumiço e transição de gênero, culminando em uma cirurgia de redesignação sexual, assumindo a nova identidade de Emilia Pérez (Karla Sofía Gascón). 

Apesar do número recorde de indicações e as inúmeras premiações que vem recebendo, o filme peca em alguns aspectos diretamente relacionados com questões de representações e representatividades (o arroz com feijão do Coletivo Arte Aberta) – a representação/representatividade trans e a representação/representatividade da cultura mexicana.

A seguir, vamos analisar Emilia Pérez com o nosso Teste Arte Aberta! 
Para saber mais sobre o teste, confira o texto introdutório.

Sinopse

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Rita Mora Castro (Zoe Saldaña) é apresentada como uma brilhante advogada no México, essencial para a firma em que trabalha, porém, ao mesmo tempo, extremamente subutilizada e insatisfeita com o papel que desenvolve. Após uma importante (e moralmente duvidosa) vitória em um caso de grande publicidade, Rita é contatada pelo chefe de cartel Juan “Manitas” Del Monte (Karla Sofía Gascón), que solicita sua ajuda no seu processo de transição para viver como uma mulher. Rita aceita e inicia sua jornada em busca de um médico que aceite fazer a cirurgia de redesignação sexual. Após a cirurgia, em que Manitas agora se identifica como Emilia Pérez, Rita acaba auxiliando-a também na garantia da segurança da família de Emilia, sua esposa Jessi (Selena Gomez) e seus dois filhos, que desconhecem o processo de transição de Emilia.

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD 

As duas principais protagonistas da obra são mulheres: Rita Mora (Zoe Saldaña) e Emilia Pérez (Karla Sofía Gascón). Rita é apresentada como uma advogada brilhante que reconhece que não consegue subir na carreira por conta de sua cor e de seu gênero. Emilia, por sua vez, após sua transição, se afasta do mundo do crime e passa a desenvolver uma ONG focada em direitos humanos, no México. 

Rita e Emilia Pérez desenvolvem uma profunda amizade e uma relação profissional muito profícua ao longo da narrativa, sendo que Rita é constantemente elogiada por Emilia, inclusive associando-a ao seu sucesso. 

Além das duas principais, outras duas personagens secundárias possuem participações especiais no enredo: Jessi (Selena Gomez), esposa de Manitas, e Epifanía Flores (Adriana Paz), interesse romântico de Emilia. 

A narrativa peca um pouco, no entanto, ao cair em alguns estereótipos de narrativas trans que poderiam ter sido evitados, ainda mais considerando que a obra se propõe a ser inovadora enquanto linguagem e gênero musical. Este artigo da GLAAD, em inglês, faz um apanhado interessante de análises feitas por críticos trans, mas que podem resumir os estereótipos negativos em: 

1) Violência enquanto linguagem (para parafrasear a Pesquisa do Arte Aberta). Ou seja, a naturalização da violência como performance da masculinidade. A maior parte das narrativas problemáticas de personagens mulheres trans as associa a práticas violentas “de homens”. No caso de Emilia Pérez, existe uma pequena subversão desse tropo, uma vez que a personagem transiciona justamente porque deseja parar com seus atos de violência. Ao mesmo tempo, fica explícito na obra que o personagem de “Manitas”, o chefe de cartel, se utiliza da violência de forma exagerada ao tentar performar essa masculinidade, e que fica constantemente preso entre seu “eu verdadeiro e o animal que o segue como uma sombra”.

2) Representação médico-cirúrgica da transexualidade. Outro aspecto estereotipicamente representado em obras protagonizadas por pessoas trans é a “redução do processo de emancipação de gênero à definição médico-cirúrgica da transexualidade, com a necessidade da suposta ‘troca de sexo’ como condição de possibilidade deste processo” (Artigo de Paul B. Preciado, aqui). Uma das cenas mais lamentáveis do filme, neste sentido, e que virou meme e que muitas de vocês podem ter visto, é a performance da canção “La vaginoplastia”, cantada por médicos e pacientes vestidos para cirurgia. 

Por fim, e talvez seja spoiler para alguns:

3) O final trágico para personagens trans, normalmente terminando em uma morte dramática e violenta.

Do ponto de vista da raça, a personagem Rita Mora, em um único momento, logo na primeira canção, questiona se ela não faz mais sucesso na firma de advocacia em que trabalha só porque é negra. 

Embora não se relacione diretamente à questão racial, um outro ponto polêmico do filme é o excesso de estereótipos na representação da cultura mexicana por parte do filme. Em uma determinada cena, um dos filhos de Emilia se recorda dos cheiros do pai, mencionando que o mesmo possuía cheiro de “comida picante”, de “hortelã, Mezcal e guacamole”.  

Além disso, o filme notadamente não emprega muitos atores mexicanos no elenco principal (a única exceção é Adriana Paz) e nem mesmo foi filmado no México. Isso se torna um problema uma vez que o fato de o filme se passar no México não é um detalhe irrelevante para a narrativa, mas representa um importante fator histórico e cultural que não recebeu a atenção devida por parte da produção do filme.

Quanto à representação LGBTQIA+, para além da representação trans no filme, a personagem de Emilia Pérez se relaciona romanticamente com uma outra mulher, Epitáfia (Adriana Paz). 

Não há representação de pessoas com deficiência (PcD) no filme.

Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD

Direção e Roteiro*

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

A direção do filme é de Jacques Audiard, um homem branco. O roteiro fica a cargo de Jacques Audiard, novamente, Thomas Bidegain (homem, branco) e Léa Mysius (mulher, branca). Não há informações se algum deles é LGBTQIA+ e PcD. 

Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta 0% por pessoas não brancas, 25% por mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.

Elenco principal*

Créditos iniciais/finais

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

Conforme os créditos finais do filme, o elenco principal é composto por seis atores. Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón, Adriana Paz, Selena Gomez, Edgar Ramirez e Mark Ivanir. 

Dessa forma, o elenco é composto por 66,6 % de mulheres (Zoe Saldaña, Karla Sofía Gascón, Adriana Paz, Selena Gomez), 33,3 % de não brancos (Zoe Saldaña e Adriana Paz), 16,6 % LGBTQIA+ (Karla Sofía Gascón) e 0 % de PcD.

Representação

Mulheres

Presença (Bechdel-Wallace)

As mulheres têm nome? 

Se falam por mais de 60 segundos?

Sobre outro assunto que não seja homens? 

Aprovado.

Todas as personagens mulheres do filme possuem nome e conversam entre si. Rita Mora e Emilia Pérez conversam sobre trabalho, dinheiro, filhos, etc.

Arco Dramático (Mako-Mori) 

Tem mulher? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?

Aprovado.

A personagem Rita Mora possui, ao menos, dois arcos dramáticos (considerando o primeiro e o segundo ato da obra). Em um primeiro momento, a personagem busca condições melhores de vida utilizando seus conhecimentos enquanto advogada, o que faz com que se aproxime de “Manitas” que, apesar de ser, então, um homem, funciona apenas como empregador. Nesse primeiro arco, Rita é bastante assertiva e consegue cumprir a sua “missão”. 

No segundo ato, quatro anos depois, Rita já aparece gozando de uma carreira de sucesso, em Londres, e aparenta ter tido sucesso nos seus sonhos e aspirações. Quando Emilia aparece novamente em sua vida e a “motiva” a retornar ao México, o seu arco dramático parece se tornar um pouco mais de apoio para as aspirações e pretensões profissionais de Emilia Pérez, embora a mesma reconheça que seu sucesso depende da atuação conjunta com a amiga.

Emilia Pérez, apesar de dar título ao filme, possui um arco um pouco mais problemático, apoiado em alguns estereótipos de gênero, como mencionado mais acima.

A personagem Jessi (Selena Gomez) também possui um “mini arco”, totalmente apoiado em outros homens (primeiro o marido, depois o namorado).

Competência (Tauriel)

Houve mulher(es) com atividade profissional definida? 

Ela é competente na atividade?

Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo  1 – pouco competente e 5 – muito competente) 

Houve reconhecimento dessa competência?

Aprovado. 

Nota: 5

Rita Mora é uma advogada muito competente e uma excelente negociadora. Emilia Pérez também consegue muito reconhecimento e sucesso através de seu trabalho.

Qualidade da representação – mulheres

Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 2

A personagem “secundária” (aos olhos do Oscar) vivida por Zoe Saldaña é muito bem construída e representada, com poucos estereótipos. A atuação brilhante de Zoe Saldaña pode contribuir um pouco nesse quesito. A personagem principal, no entanto, possui poucos estereótipos de gênero.

Raça

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem não branco? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?

Aprovado.

Rita Mora é uma mulher negra, com arco dramático próprio e não se apoia nos estereótipos de raça.

Qualidade da representação – raça

Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

Rita Mora é uma personagem secundária muito bem representada e com pouquíssimos estereótipos.

LGBTQIA+

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem LGBTQIA+? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?

Reprovado. 

A personagem principal do filme é trans, com arco dramático próprio, porém apoiado essencialmente em alguns estereótipos de personagens trans. 

Qualidade da representação – LGBTQIA+

Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 2

Emilia Pérez possui poucos estereótipos de personagens trans.

PcD 

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?

Reprovado. 

Não há representação de pessoas com deficiência.

Qualidade da representação – PcD

Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação de pessoas com deficiência.

Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade

Representação

Estrelas Arte Aberta: 2

Por Rafael Maximiniano

Historiador por formação, ainda não encontrou o trabalho perfeito em que só precise ler e assistir obras de ficção científica e fantasia durante o dia todo. Gamer nas horas vagas e viciado em café, bem antes de surgirem aqueles memes ridículos de minions no facebook falando “Não converse comigo antes do meu café”.

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