O Geena Davis Institute on Gender in Media publicou em 2022 o relatório “This is us: how TV does and doesn’t get men’s caregiving”, que buscou analisar as maneiras em que a mídia retrata homens e mulheres enquanto trabalhadores domésticos e responsáveis pelos cuidados familiares.
Nos dias de hoje, as mulheres estão inseridas no mercado de trabalho em mesmo número que os homens, porém a maior parte dos trabalhos domésticos e de cuidados com crianças e idosos ainda está sob sua responsabilidade. Esses números só pioraram devido à pandemia do COVID-19, exacerbando ainda mais as diferenças na divisão do trabalho e no cuidado.
O estudo publicado pelo Instituto Geena Davis visa analisar, principalmente, a maneira como 225 programas de TV e de streaming, entre 2013 e 2020, mostram homens exercendo trabalhos domésticos e cuidados familiares em casa, o quanto que os programas atuais validam ou reforçam modelos rígidos de cuidados masculinos, ou vão pelo lado contrário e mostram aos homens modelos da “nova paternidade”, com divisões mais igualitárias com os parceiros e relações positivas com os seus dependentes.
O estudo analisou quase 1000 personagens identificados como trabalhadores domésticos e cuidadores, e a maior descoberta foi que os homens são, de fato, demonstrados nas obras exercendo mais funções de trabalhos domésticos e cuidados familiares do que no passado, porém, na maior parte das vezes eles são representados como abusivos, incompetentes e/ou distantes emocionalmente.
Seguem abaixo as principais descobertas do estudo, traduzido livremente pelo Arte Aberta.
Importante destacar que o estudo utiliza a palavra caregiver, traduzido como cuidador, englobando todos os aspectos do trabalho doméstico e dos cuidados familiares. Existe uma discussão acerca da utilização do termo, uma vez que a dissociação da palavra “cuidado” em relação a palavra “trabalho” pode talvez diminuir a importância e o grau de complexidade exigido para seu desempenho. Optamos, portanto, pela tradução de “cuidador” no texto abaixo.
Quem são os cuidadores?
- Em anos recentes, homens e mulheres são representados como cuidadores em uma proporção similar nos programas de TV.
- A maior parte dos cuidadores em programas populares escritos para a TV foram retratados por atores brancos. Porém, cuidadores retratados por pessoas racializadas estão se tornando cada vez mais comuns. De 2013 a 2020, a representação de cuidadores por pessoas racializadas aumentou de 21% para 42%.
- Mulheres cuidadoras faziam um terço a mais de trabalhos domésticos e de cuidado (como cozinhar, limpar, lavar roupa, brincar) do que os homens nas mesmas posições.
- Nas obras mais recentes, os homens fazem mais trabalhos domésticos, porém são trabalhos estereotipicamente associados aos homens (como consertar uma pia, fazer um churrasco ou pintar) e não trabalhos associados a afazeres domésticos (como limpar, cozinhar ou lavar as roupas)
Tropos: Abusivo, aprendiz e pais ausentes?
- Homens cuidadores têm o dobro de chances de serem mostrados como incompetentes, comparados às cuidadoras mulheres – perpetuando o tropo de “pais aprendizes”.
- Homens cuidadores têm 1,5 mais chances de serem representados como emocionalmente abusivos do que mulheres, e quatro vezes mais chances de serem fisicamente abusivos – perpetuando o tropo do “pai abusivo”.
- Homens cuidadores têm menos chances de serem representados como afetivos, solidários e de oferecer cuidados emocionais.
- Do mesmo modo que a representação importa, as palavras também. Foi feita a escolha de usar a palavra “cuidadores” com uma definição mais ampla das formas de cuidados que os homens podem ser responsáveis, incluindo, mas não se limitando a serem pais. Isso inclui cuidados com os pais idosos, com irmãos, com outros membros da família, crianças adotadas e toda a diversidade de paternidades.
Recomendações:
- Acabar com os estereótipos de gênero associados aos trabalhos domésticos: Mostre homens fazendo tarefas estereotipicamente associadas ao feminino, como cozinhar e limpar, e mostre mulheres fazendo tarefas estereotipicamente associadas ao masculino, como cortar a grama e consertar a pia. Esse estudo verificou que há uma divisão por gênero na forma como a maior parte dos programas de TV e de streaming representam o trabalho doméstico.
- Quebrar o modelo do homem como ganha-pão: Mostre modelos familiares eficazes, em que ambas as partes tenham participação igual e em rede. Famílias com duas fontes de renda são a norma nos dias de hoje, e a representação desse tipo de família foi relativamente rara nos programas analisados.
- Ajudar os cuidadores homens quando eles são derrubados: Centre as histórias na vulnerabilidade dos cuidadores homens, mostrando-os conversando com outros homens sobre suas emoções e/ou buscando ajuda profissional. Esse estudo mostrou que os homens como cuidadores têm menos chances de exibir suas emoções e afetos, comparados às mulheres.
- Demonstrar a responsabilização dos homens: Evite histórias com uma narrativa simplista de reconciliação familiar, onde o homem é perdoado simplesmente porque “família é família”, sem haver um esforço de sua parte – ou da parte de qualquer um dos cuidadores – de reconhecer o mal que foi feito ou de mudar esse comportamento.
- Diversificar os exemplos de homens como cuidadores: Subverta ou evite estereótipos raciais na representação de homens como cuidadores. Busque um time diverso de escritores e roteiristas para criar retratos complexos de homens como cuidadores. Esse estudo verificou que homens brancos como cuidadores são representados quase que o dobro de vezes que homens racializados
- Contar mais histórias sobre cuidado e cuidadores: Conte mais histórias que são inspiradas pelos altos e baixos das experiências reais de cuidados familiares. A audiência responde de forma positiva à histórias mais complexas de cuidado, e por conta da pandemia de COVID-19, cuidados domésticos e familiares nunca foram tão centrais nas nossas vidas – e a televisão tem um papel importante em afirmar isso para os espectadores.