Passamos agora à análise do filme Judas e o Messias Negro, que estreou nos cinemas brasileiros (dizem que salas de cinema ainda fazem estreias né?) no dia 25 de fevereiro de 2021 e, até o momento, não está disponível em nenhuma plataforma de streaming.
O filme é o segundo longa-metragem do diretor Shaka King, que também escreveu o roteiro, junto com Will Berson e os irmãos Kenny e Keith Lucas.
Judas e o Messias Negro concorre a um total de seis estatuetas, em cinco categorias. São elas: Filme, Ator Coadjuvante (com Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield), Argumento/Roteiro Original, Canção Original e Fotografia.
Uma pequena aberração pode ser percebida nas indicações para Melhor Ator Coadjuvante, uma vez que os dois personagens principais do filme (do título, o próprio “Judas” e o “Messias Negro”) foram indicados como atores coadjuvantes. Ao que tudo indica, o estúdio indicou Lakeith Stanfied como Melhor Ator e Daniel Kaluuya como Melhor Ator Coadjuvante, porém, como pouco se sabe sobre o processo de votação da Academia, ambos os atores apareceram em posição de suporte (Dando suporte a quem? Ninguém sabe!).
Um ponto relevante é que o filme é o primeiro indicado a Melhor Filme com 100% de produtores negros. Além disso, embora não possua um elenco tão representativo em relação à gênero (como vamos ver mais abaixo), o elenco principal é composto por mais de 80% de atores e atrizes negras.
Sinopse geral do filme
De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers
O filme conta a história real de William O’Neal (Lakeith Stanfield), jovem que foi recrutado pelo FBI para infiltrar a filial de Chicago do Partido dos Panteras Negras e incriminar o seu presidente, Fred Hampton (Daniel Kaluuya). Conforme o diretor Shaka King, o filme lhe foi apresentado pelos irmãos Lucas (Keith e Kenny Lucas, que também assinam o roteiro do filme) como Os Infiltrados, mas no mundo do Programa de Contrainteligência (COINTELPRO), criado por J. Edgar Hoover para desestabilizar grupos de protesto, de esquerda, ativistas e dissidentes políticos dentro dos Estados Unidos entre os anos de 1956 e 1971.
A ótica das mulheres
É complicado fazer uma afirmação a respeito do Partido dos Panteras Negras pois, apesar de haver uma unidade, na forma de um escritório nacional localizado em Orkland, Califórnia, existiram, entre 1966 e 1982, mais de 40 escritórios regionais do Partido. Com isso dito, é comum afirmar que no início o movimento era majoritariamente um espaço de expressão da masculinidade negra e dos papéis tradicionais de gênero. Apesar disso, o exemplo do escritório regional de Illinois, o qual Fred Hampton presidia, desde 1969 condenava toda e qualquer forma de sexismo, considerando isso inclusive um ato contra revolucionário.
No filme, isso não se traduz de uma forma tão intensa. Há uma cena em que Fred Hampton está dando uma aula de ciências políticas para os revolucionários e O’Neal aparece flertando com umas das outras estudantes. Fred Hampton percebe isso e acaba punindo O’Neal. Além disso, o filme apresenta somente três mulheres militantes no elenco principal, embora somente uma delas, Deborah Johnson (Dominique Fishback) tenha sua história desenvolvida.
Em um primeiro momento, o desenvolvimento da história de Deborah Johnson, no filme, se inicia com ela sendo apresentada como uma mulher inteligente, independente, revolucionária e competente, uma poeta que vive um romance com Fred Hampton em uma posição de igualdade. Após engravidar, a personagem passa a questionar tanto seu papel como mãe quanto como revolucionária (culminando em uma das muitas cenas icônicas do filme, com a leitura de um poema – escrito pela própria atriz, Dominique Fishback!).
Embora, objetivamente, o arco dramático dessa personagem se desenvolve em função de um par romântico, orbitando a figura de Fred Hampton, e traga questões relacionadas à maternidade, isso não parece diminuir ou simplificar o desenvolvimento da personagem. Pelo contrário, ao se ver confrontando a maternidade com o espírito revolucionário, Deborah Johnson apresenta um dos contrapontos mais enriquecedores do filme.
Representatividade feminina na ficha técnica
Direção, Roteiro, Produção, Produção executiva, Direção de fotografia, Direção de arte, Figurino, Trilha sonora, Edição de som, Mixagem de som, Edição, Efeitos especiais e Maquiagem.
Tendo em vista as funções elencadas acima, restritas aos chefes de equipe e/ou pessoas que estão concorrendo ao Oscar, foram identificados nos créditos finais do filme 25 profissionais.
Destes, 18 são homens (alguns em mais de um cargo) e apenas sete mulheres. O filme conta então com 28% de representatividade feminina em cargos-chave.
São elas: A figurinista Charlese Antoinette Jones, na Produção Executiva temos Zinzi Coogler, Kim Roth, Poppy Hanks, Anikah McLaren e Niija Kuykendall, e como chefe do Departamento de Maquiagem, Sian Richards.
Representatividade feminina no elenco principal
Créditos iniciais
Com base nos créditos iniciais no filme, em destaque, foram identificados 16 nomes no elenco principal. Destes, três são mulheres e 13 homens. São elas Dominique Fishback, Dominique Thorne e Amber Chardae Robinson, contabilizando assim 18,75% de representatividade feminina no elenco principal.
Bechdel-Wallace
As mulheres têm nome? Se falam? É sobre homem?
Reprovado.
Há apenas um diálogo entre as personagens Deborah Johnson e Judy Harmon (Dominique Thorne), que dura aproximadamente 35 segundos, e a conversa gira em torno de Fred Hampton e de seu filho.
Dessa forma, neste filme o único diálogo entre duas mulheres é sobre homem, portanto o longa está reprovado no teste de Bechdel.
Mako-Mori
Tem mulher? Tem arco dramático? É apoiado no arco do homem?
Reprovado.
Apesar do filme possuir mulheres, e uma delas, Deborah Johnson, possuir um arco dramático definido, ele é apoiado sim no arco dramático de um homem.
Tauriel
Tem mulher? Ela só está na trama para ser par romântico/possui competência em algo?
Aprovado.
O filme possui duas militantes do Partido dos Panteras Negras que têm nome e falas no filme, além de Deborah Johnson. São elas “Judy Harmon” e “Betty Coachman” (Amber Chardae Robinson). Ao contrário de Deborah, as duas não são representações de personagens da vida real, embora para sua criação foram utilizadas experiências reais vividas por outras militantes do Partido. Nenhuma dessas três mulheres está na trama somente para ser par romântico, e todas são competentes no que fazem.
Barnett
Tanto homens quanto mulheres falam entre si só sobre o sexo oposto? Os personagens masculinos têm comportamento atrelado à violência que trate como humor/falta de seriedade/normal/aceitável/como se alguém merecesse a violência?
Reprovado.
Quanto à primeira parte do teste, como dito anteriormente no Teste Bechdel-Wallace, há somente uma cena em que duas mulheres conversam entre si, mas falam sobre homens. O que faz com que o teste seja reprovado.
Em relação aos comportamentos violentos, o filme é repleto deles, inclusive com vários gatilhos relacionados à violência. Em nenhum momento esses atos de violência são tratados com humor ou com falta de seriedade. Em alguns determinados momentos, no contexto do filme e do momento histórico que viviam, em um cenário de guerra urbana, quase se pode argumentar que para os personagens o ato de violência é aceitável, como resposta a violências perpetradas pelo Estado. Eu não reprovaria o teste por este ponto, pois, apesar de tudo, essas questões são tratadas pelo filme de forma aberta e com a devida seriedade.
Resumo dos testes de representação e representatividade de Judas e o Messias Negro
Representatividade feminina na ficha técnica | 28% |
Representatividade feminina no elenco principal | 18,75% |
Bechdel-Wallace | Reprovado |
Mako-Mori | Reprovado |
Tauriel | Aprovado |
Barnett | Reprovado |
Uma resposta em “Elas no Oscar 2021: Judas e o Messias Negro | Testes de representação e representatividade”
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