O segundo filme a ser analisado a partir do Teste Arte Aberta é M8 quando a morte socorre a vida, de 2019, que tem direção do cineasta negro Jeferson De. Ele também dirigiu Doutor Gama (2021), uma cinebiografia do abolicionista Luiz Gama e seu mais recente lançamento, além dos filmes Correndo Atrás (2016), O Amuleto (2015) e Bróder (2010).
M8 foi indicado no Grande Prêmio Brasileiro de Cinema de 2021 em cinco categorias: Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante (Zezé Motta), Melhor Roteiro adaptado (Jeferson De e Felipe Sholl), Melhor Maquiagem (Sonia Penna), e Melhores Efeitos Visuais (Bernardo Neder). O filme faturou tanto o prêmio de direção como o de roteiro adaptado.
O roteiro também foi indicado ao Troféu Guarani 2021. Já no Festival Sesc Melhores Filmes de 2021 recebeu os prêmios de melhor ator (Juan Paiva) e melhor diretor. Também ganhou, nas mesmas duas categorias, o Prêmio APCA de Cinema.
O filme é baseado no livro homônimo de Salomão Polakiewicz, de 1996.
Sinopse geral do filme
De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers
Maurício é um rapaz negro de periferia, que inicia os estudos em uma universidade de Medicina. No primeiro dia de aula, ele conhece M8, o cadáver de um jovem negro que será objeto de estudo na aula de anatomia. Os mistérios acerca da identidade do cadáver e o racismo latente que ele tem de enfrentar no seu dia-a-dia e no curso de medicina dão rumo à narrativa do filme.
A ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
O filme acompanha a trajetória de Maurício (Juan Paiva), um rapaz negro, muito dedicado, que desde sempre acorda cedo para conseguir realizar o sonho de cursar medicina. Ao perceber que todos os corpos objetos de estudo na aula de anatomia são pretos como o seu (uma exceção em relação aos alunos e professores – brancos – da sua faculdade), ele começa a ter visões do cadáver que ele está dissecando, o M8.
Desde o início do filme, são apresentadas diversas cenas e situações de racismo vividas pelo protagonista: na primeira aula ele é confundido com um funcionário da universidade, e não um estudante; o susto imediato de Suzana, sua colega de classe com quem ele começa a sair, ao se deparar com meninos pretos correndo pelo bairro dele; uma abordagem policial violenta que ele sofre em um bairro rico; os olhares das pessoas, as atitudes verbais e não verbais; a invisibilidade de suas demandas. Em suma, o racismo que está em todo canto. Todas essas situações guiam Maurício em uma jornada pessoal para descobrir a história de M8, e que aos poucos o leva a analisar, dissecar e enfrentar o racismo. Ao seu lado, ele encontra colegas aliados na missão de identificar a família do M8.
Do ponto de vista da ótica da mulher, o filme traz cinco personagens de destaque com histórias distintas: Cida, Suzana, Carlota, Manu (mãe do M8) e Emília.
Cida (Mariana Nunes), mãe do Maurício, é uma mulher preta que estudou para ser técnica em enfermagem. Começou como faxineira, mas depois foi trabalhar na clínica do doutor Salomão para propiciar melhores condições para o seu filho. Mãe solteira, ela criou sozinha Maurício com a força do terreiro, sempre presente na sua vida.
Suzana (Giulia Gayoso), uma jovem branca de classe alta, colega de classe de Maurício, que dá carona para ele de vez em quando e por quem tem claro interesse amoroso. Depois de uma discussão com sua mãe Carlota a respeito de Maurício, ela reconhece, em uma conversa com ele, que o seu racismo é inconsciente.
Carlota (Malu Valle), é uma mulher branca de classe alta, que, ao ver Maurício em sua casa desacompanhado de sua filha, fica preocupada, percebendo-o como ameaça. Depois de entender que ele é um colega de classe, ela faz vários questionamentos racistas sobre o porquê dele cursar medicina. Em seguida, Carlota ainda discute com a filha sobre a diferença entre eles.
Manu (Ju Colombo) e Emília (Tatiana Tibúrcio) são duas mães na incessante procura por seus filhos desaparecidos.
Do ponto de vista LGBTQIA+, dentre os colegas que acompanham Maurício, há Domingos (Bruno Peixoto), um rapaz branco de classe alta e colega de turma na faculdade, que, em sua festa, apresenta seu namorado, Tiago, também branco.
Não há representação de PcD (Pessoa Com Deficiência) de forma clara.
Representatividade (gênero, raça e LGBTQIA+/PcD) na ficha técnica: Direção e Roteiro*
Baseado no F-Rated
A direção é de Jeferson De e o roteiro é dele e de Felipe Sholl. Jeferson é formado em Cinema na USP com a pesquisa “Diretores Cinematográficos Negros”. É roteirista, diretor e produtor de curtas, séries de TV, e longa metragens. Começou a carreira com o curta-metragem Carolina (2003) com Zezé Motta interpretando Carolina Maria de Jesus, autora do livro Quarto de Despejo.
Felipe é jornalista, roteirista e diretor de cinema. Além de M-8, roteirizou os longas Casa de Antiguidades (2020), Fala comigo (2016) – que também dirigiu, Campo Grande (2015), Trinta (2014), Hoje (2011) e Histórias que só existem quando lembradas (2011).
A ficha técnica principal (Direção e Roteiro) é 100% composta por homens, 50% por negros (Jerferson De), 50% LGBTQIA+ (há menção de Felipe Sholl ser um homem gay). Não há menção de Felipe e Jeferson serem PcD.
Representatividade (gênero, raça e LGBTQIA+/PcD) no elenco principal*
Créditos iniciais/finais
No elenco principal dos créditos finais, aparecem doze nomes: Juan Paiva (Maurício), Mariana Nunes (Cida), Giulia Gayoso (Suzana), Bruno Peixoto (Domingos), Fábio Beltrão (Gustavo), Zezé Motta (Ilza), Malu Valle (Carlota), Dhu Moraes (Mãe de Santo), Henri Pagnoncelli (Dr. Djalma), Pietro Mario (Salomão), Alan Rocha (Sinvaldo), Higor Campagnaro (Policial I). Desses, cinco são mulheres (41,67%) e cinco atores negros (41,67%). Na nossa pesquisa, não encontramos menção sobre os atores pertencerem a comunidade LGBTQIA+ e PcD.
Nos créditos finais, também aparecem, como Participação Especial, Ailton Graça (Sá), Léa Garcia (Dona Angela), Rocco Pitanga (Policial II), Lázaro Ramos (Motorista da Funerária), Raphael Logam (M-8).
Análise da Representação das Mulheres
Bechdel-Wallace
As mulheres têm nome? Se falam por mais de 60 segundos sobre outro assunto que não seja homens?
Reprovado.
Há pequenos diálogos entre as personagens com nome no filme, todavia ou são sobre homens, ou não somam mais que 60 segundos.
Mako-Mori
Tem mulher? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa do homem? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Aprovado.
Cida tem arco dramático próprio que não é apoiado em par romântico/homens.
Tauriel
Houve mulher(es) com atividade profissional definida? Quão competente são as mulheres em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo 1 – muito incompetente e 5 – muito competente) Houve reconhecimento dessa competência?
Aprovado.
Cida (Mariana Nunes), estudou para ser técnica em enfermagem e se dedicou bastante para chegar a posição de enfermeira do Salomão, sendo sua competência reconhecida por ele.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens mulheres (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, Não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundário ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representada e personagem principal sem estereótipos
2 – personagens secundário ou com poucos estereótipos
“Cala sua boca que eu sou sua mãe, cala sua boca que eu sou uma mulher preta falando.”
Cida é a personagem de maior destaque, uma mulher forte com uma bela história de superação e força. Apesar disso, o arco narrativo da história não é baseado na sua personagem, e sim na construção identitária de seu filho, ao qual ela tenta acompanhar de perto. Cida também carrega alguns poucos estereótipos de gênero, por estar vinculada a função de cuidado tanto profissionalmente quanto na vida pessoal do filho, cuidando da manutenção do lar.
Análise da Representação de Raça
Mako Mori
Tem personagem não-branco? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Aprovado.
Maurício e Cida têm arcos dramáticos próprios que não são apoiados em pares românticos.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens não-brancos (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, Não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundário ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos
2 – personagens secundário ou com poucos estereótipos
“A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil, muitos deles continuam desaparecidos.” O filme usa os estereótipos para combater o racismo, pois o tempo todo há cenas em que o Maurício tem que lidar com diferentes graus de preconceito. É um filme de denúncia com clara demonstração de como a sociedade exclui a comunidade preta dos espaços de trabalho mais elitizados, e de como o racismo está presente em todo lugar.
Análise da Representação LGBTQIA+
Mako Mori
Tem personagem LGBTQIA+? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Reprovado.
Domingos, o personagem LGBTQIA+ da trama, não possui arco dramático próprio. A história é centrada na vida de Maurício.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, Não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundário ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos)
2 – personagens secundário ou com poucos estereótipos
Domingos apresenta o namorado Tiago na festa em sua casa. Domingos é um personagem de secundário que acompanha a trama do Maurício. A representação LGBTQIA+ foge dos estereótipos.
Análise da Representação PcD (Pessoa Com Deficiência)
Mako-Mori
Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Reprovado.
Não há representação de PcD (Pessoa Com Deficiência).
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens PcD (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, Não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundário ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos)
0 – Não tem.
Resumo do Teste Arte Aberta
Representatividade
Representatividade (gênero, raça e LGBTQIA+/PcD) na ficha técnica (Direção e Roteiro) e no elenco principal (atores e atrizes)
Representação
Diversidade das personagens
Estrelas Arte Aberta: 2
Uma resposta em “Teste Arte Aberta: M8 quando a morte socorre a vida”
Muito bom! A ideia de usar o Mako-Mori para além da representatividade feminina foi muito boa!