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Elas no Oscar 2021: O som do silêncio | Testes de representação e representatividade

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O som do silêncio

Desde 2018, o Arte Aberta produz o especial Elas no Oscar. Trata-se de uma série de textos que analisa anualmente as obras indicadas na principal categoria do Oscar: Melhor filme.

A intenção é verificar como cada longa-metragem indicado foi desenvolvido em relação à questão de gênero, avaliando tanto a representação (como as mulheres foram retratadas no filme) quanto a representatividade (como foi a participação feminina na produção da obra). 

Aplicamos em cada filme três testes de representação: Bechdel, Mako Mori e Barnett, que avaliam alguns aspectos relativos à construção das personagens mulheres.

Não são análises fechadas e há muito mais que poderia ser conversado sobre cada filme, mas o objetivo é que seja um incentivo para que aqueles que maratonam os indicados ao Oscar possam refletir sobre as obras que estão consumindo e tenham interesse em verificar como foi a participação das mulheres na frente e atrás das câmeras.

No especial de 2021, começamos a série de análises com o filme O som do silêncio, que atualmente está disponível no Amazon Prime. Essa é a estreia de Darius Marder na direção de um longa-metragem ficcional (antes disso, ele dirigiu o documentário Loot, lançado em 2008). Apesar de não ter sido indicado pela direção, Darius concorre ao Oscar de Melhor Roteirista pela obra.

O som do silêncio recebeu seis indicações no Oscar 2021: Filme, Roteiro Original, Ator Principal (Riz Ahmed), Ator Coadjuvante (Paul Raci), Som e Edição.

O som, inclusive, tem papel fundamental no filme, sendo utilizado para passar sensações ao espectador e fazê-lo se relacionar com o protagonista, que perde a audição. O filme utiliza sons abafados, metalizados e a diminuição do volume para imergir o espectador na experiência vivenciada pelo personagem.

A obra foi uma homenagem à avó do diretor: Dorothy Marder, que foi uma fotógrafa, ativista pela paz, feminista e defensora dos direitos LGBTQIA+, que ficou surda após o uso de antibióticos. Ela dedicou sua vida a lutar pela acessibilidade no cinema e pela inclusão de legendas descritivas nos filmes. Será uma bonita homenagem se o filme vencer em alguma categoria e o discurso de agradecimento for feito de maneira acessível.

Sinopse geral do filme

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Ruben é baterista de heavy metal e está em turnê com sua banda, vivendo de forma nômade e morando em um trailer com a namorada. De forma abrupta e inesperada, ele perde a audição. Sem saber como agir ou como se comunicar, Ruben procura uma comunidade surda e precisa aprender a lidar com a sua nova realidade. Mais do que aprender a língua de sinais, ele precisa aprender a ser surdo.

A ótica das mulheres

É muito pequena a participação de personagens mulheres no filme. A principal delas é a namorada do protagonista, Lou. Ela é vocalista da banda e eles estão em turnê juntos quando Ruben detecta a perda de audição.

Impossibilitada de ficar com ele durante a estadia no programa para surdos e ensurdecidos, Lou viaja para a França para ficar com o pai. O namorado pede que ela o espere, mas é possível perceber que a vida de Lou não fica estagnada aguardando o retorno de Ruben. Ela continua sua carreira artística e lida com questões pessoais que por muito tempo foram adiadas.

Inicialmente parece um filme em que a namorada é apenas um apêndice do protagonista, não se desenvolvendo em nenhum aspecto e existindo apenas para assessorá-lo. Apesar dela de fato não ter muito espaço na obra, percebemos na segunda metade do longa-metragem que a vida de Lou não depende de Ruben. O roteiro permite compreender que ela está um processo de desenvolvimento pessoal, se reconectando com o pai, com a cidade e com a casa em que cresceu, com as lembranças da mãe, fazendo novas amizades, desenvolvendo um idioma que pensou não lembrar mais e cuidando de sua carreira musical. Está mais alegre, bem cuidada e saudável. Apesar de ser colocada na caixinha de “namorada do protagonista”, Lou tem um desenvolvimento narrativo na obra.

Não se pode falar o mesmo sobre as demais mulheres do filme. Diane é professora de língua de sinais e aparece em algumas cenas dando aula para as crianças (e para Ruben). Há também uma audiologista cirurgiã e uma amiga que Ruben conhece na comunidade surda. Elas existem na obra apenas em função de Ruben, ajudando-o no que ele precisa (seja um diagnóstico, uma cirurgia, o aprendizado da língua de sinais, um ombro amigo para jogar conversa fora e ter momentos de descontração). Enquanto Diane e a amiga (sem nome) contextualizam o processo de Ruben na comunidade surda, fazendo com que ele se sinta cada vez mais pertencente e confortável, a médica é o elo do personagem com a vontade de voltar a escutar e de romper com a nova vida. As três existem na obra apenas para ajudá-lo em algum ponto e não tem histórias próprias.

O som do silêncio

Representatividade feminina na ficha técnica

Direção, Roteiro, Produção, Produção executiva, Direção de fotografia, Direção de arte, Figurino, Trilha sonora, Edição de som, Mixagem de som, Edição, Efeitos especiais e Maquiagem.

Tendo em vista as funções elencadas acima, restritas aos chefes de equipe e/ou pessoas que estão concorrendo ao Oscar, foram identificados nos créditos finais do filme 27 profissionais. Apenas 5 mulheres e 22 homens (destes, Darius Marder, Abraham Marder, Derek Cianfrance e Nicolas Becker executaram mais de uma função, sendo contabilizados 10 vezes nos créditos no total).
Levando em consideração os profissionais que atuaram em mais de uma área, foram identificados 27 profissionais e 33 cargos. Dessa forma, O som do silêncio conta com 15,15% de representatividade feminina em cargos-chave.

São elas: A produtora Kathy Benz; a editora de som Carolina Santana; a figurinista Megan Stark Evans; a maquiadora Julie Leshane; e a editora de diálogos e re-recording mixer Michelle Couttolenc (concorrendo ao Oscar por Melhor som). Ela é a única mulher indicada em alguma categoria por esse filme (apesar de Kathy Benz ser produtora, não consta na lista oficial de indicados da Academia).

Representatividade feminina no elenco principal

Créditos finais

Com base nos créditos que aparecem no final do filme, foram identificados cinco nomes no elenco principal. Destes, três são homens e duas mulheres. Olivia Cooke interpreta Lou e Lauren Ridloff dá vida a Diane, a professora de língua de sinais; contabilizando assim 40% de representatividade feminina no elenco principal.

Bechdel-Wallace

As mulheres têm nome? Se falam? É sobre homem?

Reprovado.

Cabe destacar que há uma confusão envolvendo nomes nesse filme. A professora se apresenta na primeira vez em que conhece o protagonista e indica que seu nome é Diane (através da língua de sinais) e a audiologista não tem seu nome apresentado, mas é possível verificar através da pesquisa que Ruben faz na internet que seu nome é Dra. Julias Rouas. Nos créditos do filme, nenhuma delas aparece com nome e são identificadas apenas pelas suas profissões. Já a amiga de Ruben da comunidade surda não tem seu nome apresentado em nenhum momento do filme, mas nos créditos é indicada como Jenn. De qualquer forma, nenhuma delas conversa com outra mulher que tenha nome.

No início do longa, ouvimos que uma das integrantes da banda, responsável por passar o som, chama-se Margaret. Apesar de ter nome, ela não conversa com outra mulher, dirigindo-se apenas ao grupo de forma genérica e com uma única fala.

Lou conversa de forma significativa apenas com personagens masculinos. As mulheres com quem ela interage são figurantes e não conhecemos seus nomes nem temos acesso às conversas, as interações são apenas ambientação para o filme.

Dessa forma, neste filme não existem duas mulheres com nomes que conversem entre si e o longa está reprovado no teste de Bechdel.

Mako-Mori

Tem mulher? Tem arco dramático? É apoiado no arco do homem?

Aprovado.

Como dito anteriormente, apesar do foco do filme definitivamente não ser Lou e de ela aparecer relativamente pouco, é possível verificar uma transformação em sua personagem ao longo da obra.

Não temos muitas informações sobre Lou no início do filme, mas é possível perceber que enquanto morava nos EUA com Ruben, focada no relacionamento e na turnê da banda, ela se auto mutilava e lidava com sentimentos negativos relacionados ao suicídio da mãe e à culpabilização do pai. Além disso, se vê pressionada pela surdez do namorado, tendo que lidar com o peso do diagnóstico, com os rompantes de raiva de Ruben, sem saber como agir nem como se comunicar com ele. É evidente a pressão e a angústia que a envolvem.

Após ser obrigada a voltar para a França e conviver com o pai, ela precisa resolver alguns desses sentimentos, o que gera mudanças positivas. Depois de alguns meses ela não se mutila mais, está se dando relativamente bem com o pai, ressignificando essa relação e criando boas memórias, desenvolvendo sua música e crescendo pessoalmente. Tanto o pai quanto Ruben falam que ela está diferente, mais feliz. E isso é exteriorizado até em sua aparência, que parece mais leve e tranquila.  

Apesar da viagem para a França ter sido motivada pela surdez de Ruben e pela impossibilidade deles continuarem juntos, o crescimento dela nada tem a ver com o protagonista. Ruben pede que ela o espere, o que dá a entender que ele deseja que Lou fique estática enquanto ele está longe, que mantenha a mesma vida, os mesmos desejos e expectativas que eles tinham quando estavam juntos. E não é o que acontece.

Enquanto Ruben vive transformações nos EUA, Lou obviamente também vive a sua própria jornada de crescimento. Por esse motivo, consideramos que Lou tem seu próprio arco dramático e que ele não é apoiado no arco de Ruben.

Tauriel

Tem mulher? Ela só está na trama para ser par romântico/possui competência em algo?

Aprovado.

Este teste pode ser aplicado em três personagens do filme O som do silêncio. Lou é vocalista da banda em que Ruben toca como baterista. Inicialmente parece que, com a impossibilidade de Ruben tocar e o cancelamento da turnê, ela vá deixar sua carreira musical em suspenso. Temos a grata surpresa de descobrir que não é isso que acontece. Enquanto o protagonista lida com a surdez, ela faz suas apresentações individuais na França, tem vídeos compartilhados na internet e vemos que eles têm tido sucesso, com comentários elogiosos. Ela também se apresenta em um dueto com o pai, em um estilo musical longe do heavy metal, explorando novas possibilidades e caminhos (e que Ruben muito elogia). É possível compreender então que sua carreira artística não é vinculada ao namorado e que ela tem competência e vontade para levá-la adiante de forma independente.

Diane é professora de língua de sinais e ensina crianças (e adultos como Ruben que acabaram de ficar surdos) na comunidade organizada por Joe. Ela é vista dando aulas e acompanhando os alunos em excursões ao ar livre, recitais de piano, apresentações de dança e aulas de percussão. Apesar de serem cenas sem muitos diálogos, é possível verificar que se trata de uma profissional zelosa, paciente e interessada no bem estar das crianças. No pouco que aparece, demonstra competência.

(Alerta de spoiler) 

A audiologista contratada por Ruben aparece ainda menos no filme. Ela é responsável por fazer a cirurgia que insere os implantes auditivos no protagonista. Apesar do resultado não satisfatório da cirurgia aparentemente não ser devido a uma falha médica (lembrando que a eficácia da técnica já havia sido questionada desde o início por outro profissional), não é possível avaliar a médica como competente se a única ação dela no filme não é bem sucedida.

Mas como as outras duas personagens foram consideradas competentes no que fazem, o filme foi aprovado no teste Mako Mori.

Barnett

Tanto homens quanto mulheres falam entre si só sobre o sexo oposto? Os personagens masculinos têm comportamento atrelado à violência que trate como humor/falta de seriedade/normal/aceitável/como se alguém merecesse a violência?

Reprovado.

Apesar dos homens conversarem entre si sobre assuntos que não sejam o sexo oposto, as mulheres não conversam entre si (sobre assunto nenhum).

Em relação à violência, Ruben tem ações agressivas enquanto lida com o desespero e a angústia da perda de audição. Ele extravasa quebrando objetos, destruindo a comida de forma agressiva com a mão e se descontrola descontando no ambiente ao seu redor. Em determinado momento, Lou fala que ele se machucou e que a machucou e que precisa de ajuda para lidar com a surdez (sugerindo que ele fique na comunidade de surdos e ensurdecidos). Apesar disso, em nenhum momento isso é retratado como engraçado ou como normal. Pelo contrário, são cenas dramáticas.

Então o filme reprova no teste de Barnett pela primeira parte (não existem mulheres no filme que conversem entre si sobre algum assunto que não seja homem), mas não pela segunda.

Resumo dos testes de representação e representatividade de O som do silêncio

Representatividade feminina na ficha técnica15,15 % 
Representatividade feminina no elenco principal40% 
Bechdel-WallaceReprovado
Mako-MoriAprovado
TaurielAprovado
BarnettReprovado
O som do silêncio - Cartas

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

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