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Adolescentes e trans: Alice Júnior e Valentina

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Adolescentes e trans

Em 29 de janeiro é comemorado o Dia da Visibilidade Trans. Nessa data, estão programadas ações específicas por todo o país para proporcionar informação e educação sobre a transexualidade. O objetivo é combater o preconceito e a invisibilidade e informar a população sobre direitos de pessoas trans e travestis, muitos deles ainda pouco conhecidos, como o direito ao uso do nome social, a requalificação civil e o direito à cirurgia de redesignação sexual e à terapia hormonal através do Sistema Único de Saúde (SUS).

A intenção também é proporcionar discussões acerca de questões ainda não alcançadas, mas extremamente necessárias, como por exemplo o direito ao uso do banheiro de acordo com a identificação de gênero. A proibição ao uso dos banheiros em diversos estabelecimentos gera problemas variados, desde ansiedade, até situações constrangedoras e problemas de saúde gerados pela necessidade de segurar o xixi por muito tempo. Antes de mais nada, é uma violação a um direito básico.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil a expectativa de vida de pessoas trans é de apenas 35 anos. E isso piora ainda mais quando se trata de pessoas trans negras e pobres. Em 2020, o país foi classificado pelo 12º ano seguido como o país que mais mata transexuais no mundo. E as violências ocorrem de diversas formas. Desde as agressões brutais na rua até a falta de apoio dentro de casa, que resulta muitas vezes em expulsão e extrema vulnerabilidade, até o constante desestímulo para que pessoas trans continuem na escola, na faculdade e em bons empregos.

Sabemos da importância da representação nas artes para levar assuntos e debates ao público. Infelizmente, desde sua origem, o audiovisual utilizou a transexualidade como motivo de chacota, construindo personagens caricatos e constantemente presos a estereótipos negativos. Para saber um pouco mais sobre como Hollywood retrata personagens trans ao longo dos anos, é possível assistir ao documentário Revelação, da Netflix.

Outro problema frequente no audiovisual é o uso de trans fake. O termo é utilizado para indicar personagens trans interpretados por pessoas cis, mesmo havendo inúmeros atores e atrizes trans talentosos que poderiam viver aqueles papéis. É o caso da novela brasileira A força do querer, atualmente em reprise na Globo no horário nobre, que traz um personagem homem trans (Ivan) interpretado por uma atriz cis (Carol Duarte).

Apesar de ainda muito frequente, isso tem sido cada vez mais criticado. A população pressiona por uma representação de qualidade e por variedade de papéis para profissionais trans. Nesse contexto, em 2020 foram lançados dois filmes brasileiros protagonizados por mulheres trans.

Valentina e Alice Júnior

Valentina, do diretor Cássio Pereira dos Santos, e Alice Júnior, dirigido por Gil Baroni, são dois longas-metragens com protagonistas mulheres trans com similaridades e diferenças. Ambos retratam o dia a dia de uma adolescente trans, estudante do ensino médio, que vive todos os desafios comuns dessa fase, além de vários outros bem específicos. Nas duas obras, as jovens são obrigadas a mudar de cidade por causa do trabalho de seus pais e têm que recomeçar em uma comunidade em que não conhecem ninguém e em uma escola nova, o que por si só já é desafiador.

A mãe de Valentina consegue um novo emprego em uma pequena cidade de Minas. Sem conhecer ninguém, a jovem se passa facilmente por uma mulher cis e não conta para ninguém que é trans.

Para isso, batalha junto com a mãe pelo direito de usar seu nome social na escola. Porém, Valentina não contava com o fato de que precisará da autorização do pai ausente para que isso aconteça. Valentina parte, então, em busca desse homem de quem é tão distante para poder exercer um direito básico. Com o passar do tempo faz amigos, descobre em quem pode confiar e entende que o mundo pode ser um lugar perigoso por causa da intolerância e do preconceito.

Ao contrário de Valentina, Alice Júnior chama atenção por onde passa e todos sabem que ela é trans. Com uma confiança avassaladora e muito estilo, ela chega na nova escola exigindo respeito e sem abaixar a cabeça para ninguém. Ainda assim, a vida não é fácil e a protagonista passa por muitas situações dolorosas devido à violência dos colegas e da diretoria da escola.

Valentina vive com a mãe e Alice Júnior com o pai. Ambas têm em comum o apoio incondicional de pais maravilhosos, que lutam com unhas e dentes para que as filhas tenham seus direitos respeitados e estejam sempre em segurança. Fazem o possível para que suas filhas tenham amigos, vivam experiências positivas e passem pela adolescência da melhor forma possível. Em ambos os filmes é bonito ver a relação entre pais e filhas. De todos os focos possíveis, as duas obras escolhem centrar a narrativa no companheirismo, no apoio, no respeito e no amor acima de tudo.

A grande diferença entre os dois filmes é que Alice Júnior é uma obra voltada para o público jovem (apesar de poder agradar a todos). Com uma edição moderna, trilha sonora animada e muitas referências do universo das redes sociais e do youtube, Alice Júnior tem um enorme potencial para agradar gerações jovens, que vão se identificar com seu jeito de se comunicar e vão apreender bem suas mensagens. Além disso, o filme está disponível na Netflix, o que facilita seu acesso e aumenta bastante seu potencial de alcance.

Valentina conta uma história muito parecida, mas em um formato bem diferente. Apesar de retratar um universo adolescente, com foco na escola e na convivência entre jovens, a obra não é voltada especificamente para eles. Enquanto Alice Júnior é uma comédia (apesar das partes difíceis), Valentina é um drama (apesar das partes leves). É um filme bonito, muito bem feito e que aperta o coração em momentos de angústia, medo e revolta. A obra está se destacando em festivais ao longo do mundo, tendo recebido prêmios nacionais e internacionais.

Cabe destacar o excepcional trabalho das duas atrizes principais, Anne Celestino como Alice Júnior e Thiessa Woinbackk como Valentina. Anotem esses nomes! As duas brilham nos filmes e fizeram trabalhos incríveis. Ficamos torcendo para vê-las muito por aí nos próximos anos!

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

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