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Amor e sorte: reencontros na pandemia

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amor e sorte: fernandas em cena

Quando 2020 iniciou, ninguém imaginava o caos que o mundo enfrentaria e era impossível prever o tanto que nossas vidas mudariam. O que todos chamam agora de “novo normal” ainda está sendo construído e não sabemos tudo o que ele envolverá. Fomos aprendendo nesses últimos meses novas formas de nos comunicar, de fazer arte, de viver experiências e também de produzir conteúdo.

Nessa proposta, surgiu a ideia do programa Amor e sorte da Globo. A intenção é filmar quatro episódios independentes, alterando os protagonistas e contando histórias de núcleos familiares no contexto da pandemia e do isolamento social. Enquanto a maioria dos programas está parada pelo risco trazido pelas aglomerações, Amor e sorte realiza todas as filmagens em casa, com equipe reduzida trabalhando em diversas áreas.

O episódio de estreia contou com ninguém mais, ninguém menos, do que Fernanda Montenegro e sua filha Fernanda Torres. É o único dentre os quatro episódios que não é centrado na relação de casal. A dupla protagonizou um roteiro delicado, bonito e centrado na aproximação de mãe e filha em meio à pandemia. Uma situação que naturalmente envolve estresse, ansiedade e, por isso mesmo, muitos conflitos. Mas que com o decorrer do tempo ocasionou o reencontro de duas pessoas que estavam de certa forma distantes por causa da correria e das exigências do dia a dia. A situação descrita no episódio tem sido relatada por muitas famílias que tiveram essa possibilidade e demonstra pelo menos uma possível consequência positiva dessa situação tão triste que temos enfrentado.

No episódio que foi ao ar ontem, dia 8 de setembro, Fernanda Montenegro é Gilda, uma senhora carioca de 90 anos que vive a vida como bem quer. Não abre mão de aproveitar sua aposentadoria na praia, tomando suas caipiroskas e fumando seu cigarrinho, mesmo em plena pandemia. Preocupada com ela, a irmã realiza uma intervenção e entra em contato com a sobrinha que mora em São Paulo. Lucia então viaja para o Rio de Janeiro para cuidar da mãe e tentar evitar que ela se contamine. As duas seguem em viagem para uma chácara da família onde ficam em isolamento, sem contato físico com mais ninguém e precisando lidar uma com a outra 24h por dia. Lucia trabalhando através de vídeo chamada exaustivamente e Gilda reclamando de tudo.

O estresse, o contato prolongado forçado e as diferenças entre elas geram diversos conflitos. Palavras duras são ditas e a situação parece quase insustentável. Mas a pandemia não dá outra alternativa além das duas continuarem em isolamento e tendo que aprender a lidar uma com a outra. Aos poucos as duas vão se afinando, pegando o jeito da convivência e os conflitos vão amenizando, dando lugar para as risadas, para os bons momentos e para as lembranças do passado. Finalmente elas reaprendem a estar na companhia uma da outra e a aproveitar esse contato.

Aí surgem as dúvidas: o que vai acontecer quando a pandemia passar? Será que as coisas voltarão a ser como antes, incluindo a distância e a convivência apressada e desatenta? Ou os laços fortalecidos agora se sustentarão na vida pós isolamento?

Gilda teme não ter muito mais tempo de qualidade com a filha e o momento tão esperado por todos (a vacina e a volta à “normalidade”) passam a assustá-la. No fim das contas, o episódio não é sobre a pandemia, sobre o medo do vírus ou sobre o isolamento (apesar de ser interessante se identificar com a rotina de higienização e proteção de Lucia). É basicamente uma história sobre o reencontro de uma mãe e uma filha que vinham se perdendo ao longo dos anos.

É uma mensagem delicada que nos faz repensar sobre nossas próprias relações e sobre como estamos vivendo esse período, para além da ansiedade, do medo e da frustração que são inevitáveis. Quem tem a oportunidade de passar o isolamento ao lado de seus familiares pode avaliar as mudanças que possivelmente estejam perpassando esse convívio. Como o programa mostrou, não é fácil, e em alguns momentos parece a ponto de explodir, mas envolve também ensinamentos e aproximações se conseguirmos abrir espaço para eles.

É delicioso ver a dupla de Fernandas contracenando e saber que foi realmente um trabalho de família. Envolveu além de mãe e filha, o marido de Fernanda Torres, Andrucha Waddington, seu enteado e seu filho. Eles foram passar parte da pandemia em um sítio da família na serra. E lá, isolados, sem ter o que fazer, decidiram tirar o melhor proveito da situação e se dedicar a pensar e executar projetos artísticos. Daí saiu o primeiro episódio de Amor e sorte. E assim como aconteceu com as personagens, Fernanda mãe e Fernanda filha tiveram a oportunidade de viver novamente sob o mesmo teto depois de tantos anos, com todas as partes bonitas e feias que esse contato tão intenso pode gerar.

Que assim como Gilda e Lucia, e como Fernandona e Fernandinha, os privilegiados que ainda têm seus pais por perto (seja fisicamente ou à distância de uma vídeo chamada) possam prestar atenção de forma ativa nessa convivência. Não é necessário esperar a pandemia passar para reencontrar as pessoas. Podemos (e devemos) começar pelas pessoas de dentro de casa.

amor e sorte: brinde

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

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