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Anora | Teste Arte Aberta no Oscar 2025

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Anora foi indicado ao Oscar 2025 em seis categorias: Filme; Direção; Atriz Principal (Mikey Madison); Ator Coadjuvante (Yura Borisov); Roteiro Original; e Edição. Sean Baker concentra as funções de direção, roteiro e edição do filme. 

A obra tem ganhado muitos prêmios e visibilidade, em um sentido ascendente. Entre as premiações, o filme recebeu: Palma de Ouro em Cannes (2024); Melhor Filme no Critics Choice Awards; Melhor Filme do sindicato dos produtores dos Estados Unidos, o PGA Awards; e Direção no DGA Awards, do sindicato dos diretores dos EUA. No Bafta, ganhou os prêmios de Elenco e Atriz Principal. No Globo de Ouro, porém, o filme não levou nada. 

O filme aborda o trabalho do sexo, e isso não é algo que se possa narrar de forma descompromissada. Mais do que isso, fala sobre uma versão de “conto de fadas”, mesmo que frustrada, de um homem rico conhecer uma trabalhadora do sexo, se apaixonar e “salvá-la” dessa vida. 

A obra é visualmente muito bonita – tanto em Brighton Beach, como, e especialmente, em Las Vegas –, e a atriz Mikey Madison está de fato muito bem no papel. Percebe-se isso pelo tom de sua voz, que se altera quando quer conquistar novos clientes ou grita para tentar que Ivan, pelo menos, fale com ela durante toda a confusão da anulação de seu casamento. 

Um filme anterior de Sean Baker, Projeto Flórida, um destaque no cinema independente estadunidense, traz a mesma inquietação que percebo em Anora. Tinha tudo para ser um filme maravilhoso, mas coloca a mulher em uma situação de desesperança tão grande, que fica marcado por isso. No filme de 2017, o enredo é centrado em Halley e sua filha Moonee. Elas vivem em um motel de beira de estrada na Flórida, nos arredores da Disney, mas com uma vida bem diferente do encanto dos parques de diversões. Moonee se destaca como uma garota bem resolvida e líder do grupinho de crianças dos edifícios vizinhos. Halley está desempregada e se envolve em serviços sexuais. A única amiga que ela tinha a isola e ela ainda é denunciada ao conselho tutelar. Mas, assim como Anora, é um filme com um elenco interessante e um enredo original.

Vamos mergulhar agora na história de Anora, a partir da perspectiva do Teste Arte Aberta, que analisa a presença e a representação das mulheres, pessoas não brancas, comunidade LGBTQIA+ e pessoas com deficiência (PcD). 

Para saber mais sobre o Teste Arte Aberta, confira o texto introdutório.

Cartaz do filme Anora

Sinopse

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Ani/Anora (Mikey Madison) é dançarina e stripper na boate Headquarters. Logo no início do filme, ela é chamada para atender um cliente russo, pois fala o idioma. Esse é o estopim para o enredo da obra. Ani conhece Ivan, filho de um oligarca russo, e passa a se relacionar com ele, com transações financeiras e emocionais.

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD 

Como definido nos créditos do filme, o elenco principal é composto por dois homens e uma mulher: Anora, Ivan e Igor. 

Ani, como Anora prefere ser chamada, trabalha em uma boate, fala um pouco de russo (porque sua avó nunca aprendeu inglês), mora com uma outra mulher (muito provável que seja sua irmã), tem algumas colegas de trabalho (algumas amigas e outras o oposto disso). Na boate aparece maquiada, com brilhos, sorridente e sempre com uma voz suave e infantilizada, disposta a atender os seus clientes da melhor forma possível. Ela interpreta a versão que imagina que aqueles homens desejam, e parece acertar, mostrando ao mesmo tempo o seu corpo e a sua servidão. A sua interpretação nos aponta para o fato de que ela está muito mais no controle e consciente sobre esse poder do que os outros possam imaginar. Quando ela dialoga com outras pessoas, que não os possíveis clientes, sua voz e postura mudam. 

Apesar dessa suave mostra de complexidade, Ani encontra-se sem apoio no mundo, e sem histórias do seu passado ou relações pessoais firmes no seu presente. Anora não é apenas a protagonista, ela também nomeia o filme. Impressiona, porém, que a personagem não tenha outra mulher presente de forma positiva e consistente em sua vida. Com Lulu, colega de trabalho, Ani conversa em breves momentos (sempre sobre homens), e chega a levá-la para a festa de réveillon de Ivan. Porém, não há apoio dela e nem de nenhuma outra mulher durante toda a sua jornada. 

Há dois breves diálogos com a mulher que divide a casa (sua irmã?): um sobre ter comprado leite e outro quando ela sai de casa e avisa que vai passar a semana fora. Essa “colega de quarto” não tem nome. A outra mulher com quem a protagonista tem breves diálogos é Diamante, que também trabalha na boate. Ani e Diamante são o típico caso de rivalidade feminina. Na primeira conversa entre as duas, Diamante pergunta se Ani ofereceu uma dança privada para Robert, um cara específico, que entendemos que tem algum tipo de vínculo com a primeira. Ani diz que sim. Para fechar o ciclo e reafirmar a rivalidade e vingança feminina, depois de toda a sua relação com Ivan, Ani o encontra na boate em um quarto com Diamante.  

Ani e Ivan se conhecem no início do filme (6 minutos). Ela é especificamente chamada para atendê-lo porque ele é russo e ela fala o idioma. Quando Ani conversa com Ivan pela primeira vez, ele insiste que ela fale em russo. Apesar de expressar que ela entende a língua, afirma que prefere falar inglês, mas que ele pode seguir falando russo porque ela é capaz de compreender. Ele pergunta por que ela fala russo, e ela comenta que sua avó nunca aprendeu inglês. Estes são pequenos fragmentos que temos da vida de Ani. Entendemos que a ascendência dela é russa, mas que não é algo que ela goste de comentar. Talvez por isso a troca de Anora, um nome russo, por Ani, um nome mais em consonância com a cultura estadunidense.  

A partir desse encontro, eles passam a se relacionar com transações financeiras, primeiro sexuais, fora da boate, e depois Ivan propõe que Ani seja sua “exclusivamente”, como sua namorada por uma semana. Eles, então, vivem essa relação contratual, mas com um cenário de romance e normalidade. Ela passeia com ele e seus amigos pela Brighton Beach, em Nova York, local que tem uma grande comunidade russo-americana. Temos cenas engraçadas na loja de doces dos amigos, e muitas festas, regadas a gastos, álcool e drogas. No meio de uma festa, Ivan resolve ir com a namorada e os amigos para Las Vegas. Lá, ele impulsivamente pede Ani em casamento – e vai em frente com o pedido, oficializando a união, comprando anel de diamantes e deixando a esposa acreditar que aquela situação poderia existir. 

O pedido de casamento é feito logo após uma cena de sexo, no qual Ani tenta ensinar Ivan como ter e dar mais prazer, o que ele responde com um “eu te amo”. Eles conversam na cama, Ani fala que sentirá falta dele e o rapaz diz que se os dois se casassem ele não teria que voltar para a Rússia, pois seria “americano”. Com o casamento, Ani se despede da boate e vai para a casa de Ivan. Eles vivem essa “fantasia” até a família de Ivan descobrir sobre o casamento e mandar os seus “capangas” para resolver a situação, o que significa simplesmente anular o casamento e mandar Ivan de volta para a Rússia. 

E é assim que Igor entra na história. Igor é o capanga da família de Ivan, levado obviamente como o representante da força bruta. Quando Ivan foge da sua casa, deixando Ani para trás, ela tenta fugir também e Igor a agarra, amarra e fica em cima dela. 

A construção do seu personagem, porém, é apresentada como um cara do bem e contido, que observa muito e fala pouco. Igor mostra decência ao exigir (sem sucesso) que Ivan se desculpe com Ani, e rouba o seu anel de noivado de volta para ela. Porém, isso tudo ocorre depois das agressões anteriores. 

No fim, ao ser deixada em casa por Igor, Anora aposta na relação sexual com ele, mais uma busca por salvação e/ou conexão, a partir do que ela conhece. Ela começa a chorar nos seus ombros. Uma cena emocionante sim, mas que reafirma esse lugar de solidão e falta de apoio fora de relações sexuais, fora do apoio em um homem que possa regatá-la. 

Agora, imagine comigo, se esse abraço e esse choro viessem do enlace com a “irmã”, não seria tudo diferente?

Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD

Direção e Roteiro*

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

A direção e o roteiro são de Sean Baker, um homem branco. Não foram encontradas informações sobre ele ser LGBTQIA+ e PcD. Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta 0 % por pessoas não brancas, 0 % por mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.

Elenco principal*

Créditos iniciais/finais

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

Nos créditos iniciais aparecem em destaque, de forma isolada na tela, um de cada vez, três nomes: Mikey Madison, Mark Eydelshteyn e Yura Borisov. Dessa forma, o elenco é composto por 33,3 % de mulheres (Mikey Madison), 0 % de não brancos, 0 % LGBTQIA+ e 0 % de PcD.

Representação

Mulheres

Presença (Bechdel-Wallace)

As mulheres têm nome? 

Se falam por mais de 60 segundos?

Sobre outro assunto que não seja homens? 

Reprovado.

Sim, temos uma mulher, porém, o seu arco dramático apoia-se em dois homens. Primeiramente Ivan e depois Igor. Há algo na mudança de tons e falas de Anora que mostra que ela poderia muito mais. Que ela gostaria sim de poder carregar a sua história, mas parece que para ela as únicas possibilidades passam pela relação com um homem – seja de forma financeira e/ou emocional. 

Arco Dramático (Mako-Mori) 

Tem mulher? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?

Reprovado.

Sim, temos uma mulher, porém, o seu arco dramático apoia-se em dois homens. Primeiramente Ivan e depois Igor. Há algo na mudança de tons e falas de Anora que mostra que ela poderia muito mais. Que ela gostaria sim de poder carregar a sua história, mas parece que para ela as únicas possibilidades passam pela relação com um homem – seja de forma financeira e/ou emocional. 

Competência (Tauriel)

Houve mulher(es) com atividade profissional definida? 

Ela é competente na atividade?

Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo  1 – pouco competente e 5 – muito competente) 

Houve reconhecimento dessa competência?

Aprovado. 

Nota: 4

Ani mostra-se competente em seu trabalho na boate. Ela é selecionada para ser a acompanhante de Ivan pelo dono da boate, que, ao apresentá-la, deixa o recado: me faça sentir orgulho. O que pode ser compreendido por: faça com que esse cara tenha ótimos momentos e gaste bastante aqui na boate.

Qualidade da representação – mulheres

Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

Ani é a protagonista (e nomeia o filme), ela tem presença em tela praticamente a obra inteira. Não há como discutir o seu destaque e relevância. Destacamos também a atuação primorosa da atriz Mikey Madison, que a interpreta. O que falta, como escrito em todo o texto, é a profundidade da vida dessa mulher, e o apoio de outras pessoas que não sejam apenas homens com os quais ela pode ter relações sexuais. 

Raça

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem não branco? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?

Reprovado. 

Não há representação de pessoas não brancas.

Qualidade da representação – raça

Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação de pessoas não brancas.

LGBTQIA+

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem LGBTQIA+? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?

Reprovado. 

Não há representação de pessoas da comunidade LGBTQIA+.

Qualidade da representação – LGBTQIA+

Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação de pessoas da comunidade LGBTQIA+.

PcD 

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?

Reprovado. 

Não há representação de pessoas com deficiência.

Qualidade da representação – PcD

Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação de pessoas com deficiência.

Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade

Representação

Estrelas Arte Aberta: 0,5

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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