Categorias
Games

Children of Morta: mulheres de suporte, homens de força bruta

Compartilhe!
Children of Morta

O jogo Children of Morta produzido pelo estúdio Dead Mage foi lançado em 2019 e é um jogo cheio de encantos, mas traz alguns elementos de narrativa e de construção de personagens carregados de estereótipos que, para quem é familiarizado e gosta de jogos estilo RPG, reforçam a ideia de personagens mulheres apenas de classes de suporte, range ou mid-range.

A narrativa nos leva à casa da família Bergson, composta pela matriarca Margaret, seu filho John que é casado com Mary. O casal John e Mary tem quatro filhos: Mark, Kevin, Linda e Lucy. Mary está grávida durante a maior parte da história. A família Bergson ainda conta com Ben, que é irmão de John, enteado de Margaret. A casa é tão grande quanto a família Bergson que é incumbida de investigar os sinais de corrupção que apareceram na Montanha Morta, local de grande importância para o reino de Rea.

A família Bergson carrega a tradição de uma família de guardiões e heróis que protegem as terras de Rea por gerações. Sendo assim, John, Linda, Lucy, Mark e Kevin possuem habilidades e poderes únicos que os ajudam nessa tarefa. O jogo é um RPG roguelike, o que nos permite experimentar os personagens jogáveis e entender como cada um funciona para objetivos diferentes que aparecem nas dungeons.

Em um determinado momento da história podemos desbloquear dois personagens: Joey e Apan. Joey aparece carregando uma notícia boa e outra ruim para Ben. Apan chega para ajudar a família Bergson a libertar os espíritos de Rea, para assim, conseguirem entender a causa da corrupção que cada vez mais se espalha por todos os cantos.

Mesmo que você não goste de jogar com algum dos personagens, o jogo implementa um esquema interessante na árvore de habilidades: para todos os personagens há duas habilidades que são desbloqueadas que beneficiam todos os membros da família. Isso deixa o jogo mais dinâmico e também contribui para a imersão na importância da colaboração, união e amor entre a família e agregados.

Ainda que o jogo seja muito bonito, com uma narrativa bem elaborada, as mulheres da família deixam a desejar em novidades como personagens em um RPG. Margaret é a matriarca e possui um conhecimento arcano fora do comum, mas não é um personagem jogável, na verdade ela, apesar de ser peça chave na história da família e na compreensão dos motivos por trás da corrupção de Rea, é usada na narrativa como mártir. Mesmo sendo o alicerce dos Bergsons, Margaret não é tão explorada como poderia ser.

Mary, a mãe, aparece em diversos momentos lavando a louça ou sentada. Também não é um personagem jogável e o que sabemos dela é o que está escrito na biblioteca dos Bergsons: a vida dela se resume apenas a seus filhos. Aparentemente, Mary convive com uma doença grave sem cura e sofre com muita preocupação dos filhos.

Linda, a filha mais velha dos Bergsons, é uma arqueira exímia e, portanto, uma personagem range. Como gosta de tocar violino, muitas habilidades que ela desenvolve são de notas musicais, buscando sempre uma conexão entre o arco e o violino. É uma pena não focar muito no processo de treinamento de Linda, o que ocorreu com Mark, Kevin e Lucy.

Lucy é a filha mais nova e tem habilidades de fogo, porém, é mais uma personagem mulher range. Lucy insiste em ir com os irmãos e o pai para as dungeons. Na minha opinião, Lucy é o personagem mais divertido de se jogar uma vez que tem uma habilidade de decoy que ajuda bastante em momentos de tensão. Além do fogo, Lucy adora pintar e desenhar e é muito próxima da avó Margaret – que é a única a acreditar no potencial da menina.

Por fim, Apan é conhecida como “mãe do clã” da tribo Asva, e, apesar de ser de uma classe mid-range, tem poder de cura, ou seja, é considerada um personagem de suporte. Ela chega até os Bergson através de uma pipa mágica em formato de dragão, mas não conseguimos saber muito sobre a vida dela. A entrada dela na narrativa é solta e desconexa, diferente de toda a relação familiar e desenvolvimento de Joey.

Assim, é possível perceber que o jogo carrega muitos estereótipos de construção de personagens mulheres no RPG, colocando mulheres não jogáveis ou, se jogáveis, em classes de range, suporte e magia. Ainda mais porque todos os personagens homens jogáveis de Children of Morta são melee. 

Infelizmente é comum termos esse tipo de personagens nos RPGs, como Diablo 2, por exemplo, no qual só é possível jogar com mulheres se escolher range ou magia. As habilidades dessas personagens podem chegar até melee, também, mas geralmente são assassinas que possuem habilidades de trapaça e são consideradas sorrateiras.

A história em si é muito positiva, fala sobre solidão, inveja, dor, família, também conta sobre o amor, o mal e o bem. É um jogo com um visual bonito e uma jogabilidade dinâmica – para quem curte roguelike esse jogo é uma ótima pedida. Mas é necessário entender que ainda há muito que se trilhar para termos construções de boas personagens no RPG. Children of Morta é um ótimo jogo, mas carrega o histórico de má representação de personagens mulheres.

Por Risla Miranda

Brilha os olhos quando fala de direitos humanos e se vê um dia programando games. Discutir numa mesa de bar acompanhada de uma cerveja bem lupulada é o paraíso. Criatividade vai desde meme a criar estratégias de ação de projetos. Curtindo o rolê de contar histórias através de dados.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *