Dirigido por Ryusuke Hamaguchi e roteirizado por ele e Takamasa Oe, Drive my car foi indicado em quatro categorias no Oscar 2022: filme, direção, filme internacional e roteiro adaptado. O filme é uma adaptação de um conto com o mesmo título escrito por Haruki Murakami, publicado na coletânea Homens sem mulheres. São agregados também à obra audiovisual elementos de outros contos de Murakami publicados nesse mesmo livro.
A narrativa trata principalmente do tema do luto e, em especial, os arrependimentos e culpas que seguem a perda. Os sentimentos dos personagens, em especial do protagonista, Yuusuke Kafuku, são explicitados e trabalhados através da encenação da peça Tio Vânia, de Anton Tchékhov, tanto nas gravações do texto original deixadas pela esposa de Kafuku como nos ensaios e apresentações que se seguem. É também na peça que o filme se mostra mais diverso. O protagonista se propõe a dirigir e atuar peças internacionalmente conhecidas (no início do filme ele encena Esperando Godot, de Samuel Beckett) com atores de outros países, cada um atuando em seu próprio idioma. Fica, no subtexto, a ideia de que a comunicação, os laços entre as pessoas e o poder de uma boa história extrapolam as barreiras da linguagem.
Drive my car é o primeiro filme japonês indicado ao Oscar de melhor filme. Ryusuke Hamaguchi é o terceiro japonês indicado para o Oscar de melhor diretor. Além de ter concorrido à Palma de Ouro, o filme arrematou três prêmios no Festival de Cannes de 2021, incluindo o de melhor roteiro. A obra também foi premiada com o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Também é o sexto (e o único filme não falado em inglês) na história a vencer na categoria de melhor filme nos três maiores prêmios da crítica cinematográfica estadunidense (LAFCA, NYFCC, NSFC).
Sinopse geral do filme
De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers
Yuusuke Kafuku é ator e diretor de teatro que encena clássicos da dramaturgia internacional com atores de outras nacionalidades, todos interpretando em suas línguas nativas. Viúvo há dois anos e com perda parcial da visão em um olho devido ao glaucoma, ele é chamado por uma companhia de teatro em Hiroshima para montar a peça Tio Vânia, de Tchékhov.
Lá, a companhia contrata, contra a sua vontade, uma motorista para guiá-lo para onde precisar, Misaki Watari. Jovem, silenciosa e um pouco ríspida, Misaki prova-se uma motorista competente e cuidadosa, ganhando, aos poucos, a confiança de Kafuku (e ele, lentamente, ganha a dela). Conforme a produção da peça avança, Kafuku e Misaki aproximam-se e dividem, um com o outro, um pouco das suas dores.
A ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
Drive my car é um filme japonês que se passa, em grande parte, na cidade de Hiroshima. Dessa forma, é muito natural que o elenco principal seja composto apenas de atores asiáticos. Além de japoneses, o filme conta com dois personagens coreanos e uma personagem de Taiwan.
O protagonista da obra é Yuusuke Kafuku (interpretado por Hidetoshi Nishijima), que perde a esposa para uma hemorragia cerebral em um momento em que sente que o casamento dos dois está ameaçado. O personagem lida com seus arrependimentos e dúvidas enquanto monta a peça Tio Vânia, a mesma que interpretou dois anos antes, quando a esposa faleceu. Na mesma época, descobriu um glaucoma em um dos olhos tendo perda parcial da visão e um prognóstico nebuloso. Por conta disso, o consideramos como PcD.
Quanto às personagens femininas, três se destacam: Misaki Watari, Oto Kafuku e Lee Yoo-na.
Misaki Watari (interpretada por Touko Miura) é a motorista de Kafuku. Inicialmente, o protagonista a rejeita para o trabalho, pois é muito apegado ao seu carro e gosta de dirigir sozinho para poder passar o texto da peça em que está trabalhando sem interrupções. Misaki, no entanto, logo faz com que ele mude de ideia, mostrando-se muito competente e cuidadosa, além de ser também silenciosa e discreta.
A personagem não se adequa a estereótipos de gênero, tanto em seu trabalho (antes de ser motorista da companhia de teatro, ela era motorista de caminhões de lixo), modo de se vestir e de agir. Ela tem um jeito fechado, um tanto inexpressivo e até seco, mas isso não significa que não possua um lado vulnerável, o que dá à personagem uma nova camada de profundidade. Conforme Kafuku e Misaki se aproximam, ela conta para ele um pouco de sua história e suas experiências com a perda e a culpa. Vale ressaltar que o relacionamento entre Misaki e Kafuku é completamente platônico, chegando próximo ao relacionamento de pai e filha, mas ainda mantendo uma certa distância.
Já Oto (interpretada por Reika Kirishima) é a esposa do protagonista. Apesar de ter menos tempo de tela, a sua presença é sentida em todos os momentos através de sua voz (o protagonista ouve uma fita em que ela gravou o texto da peça para ele poder ensaiar) e também de sua ausência. Os sentimentos de arrependimento e culpa que Kafuku tem em relação à morte da esposa são sentidos a todo momento. Antes de morrer, Oto era uma roteirista que trabalhava para a TV, dividindo com o marido o amor por contar histórias. Além disso, a personagem é envolta por mistérios e por uma aura sexual. Apesar de não seguir o estereótipo de femme fatale, Oto é aquela mulher misteriosa que nenhum homem jamais poderá entender, inacessível, incompreensível (ou incompreendida).
Por fim, vale a pena citar também Lee Yoo-na (interpretada por Park Yu-rim). Lee Yoo-na é uma das atrizes da peça de Kafuku. Ela é coreana e interpreta a personagem Sonia de Tio Vânia na língua coreana de sinais, por ser muda. Atriz talentosa, ela impressiona Kafuku desde o início por sua grande expressividade. Mais à frente, descobrimos que Lee Yoo-na era uma dançarina, mas, depois de um aborto espontâneo, perdeu a vontade de dançar, e encontra na montagem de Kafuku uma oportunidade de cura. Por outro lado, vale ressaltar que a personagem se encaixa no estereótipo de uma mulher apaixonada que sacrifica-se pelo marido, visto que mudou-se para Hiroshima por conta da carreira dele, mesmo sabendo que ficaria isolada por não conseguir comunicar-se em japonês, apenas na língua coreana de sinais.
Não há representação LGBTQIA+ na trama.
Representatividade (gênero, raça e LGBTQIA+/PcD) na ficha técnica: direção e roteiro*
Baseado no F-Rated
A direção é de Ryusuke Hamaguchi e o roteiro é dele e de Takamasa Oe. Ambos são homens asiáticos. Não foi encontrada qualquer menção na internet de serem LGBTQIA+ ou PcD.
Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta 100% por não brancos, 0% por mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.
Representatividade (gênero, raça e LGBTQIA+/PcD) no elenco principal*
Créditos iniciais/finais
Oito nomes são apresentados nos créditos iniciais do filme: Hidetoshi Nishijima, Touko Miura, Reika Kirishima, Park Yu-rim, Jin Dae-yeon, Sonia Yuan, Satoko Abe e Masaki Okada. Todos são asiáticos e cinco são mulheres.
Não foram encontradas informações na internet sobre qualquer deles ser PcD ou abertamente LGBTQIA+.
Dessa forma, o elenco é composto por 62,5% de mulheres, 100% de não brancos, 0% LGBTQIA+ e 0% de PcD.
Análise da Representação das Mulheres
Bechdel-Wallace
As mulheres têm nome? Se falam por mais de 60 segundos sobre outro assunto que não seja homens?
Aprovado.
Há uma única conversa em que Janice Chang e Lee Yoo-na estão interpretando as personagens Sonia e Yelena de Tio Vânia durante um ensaio. As personagens conversam primeiro sobre um homem, mas logo o tema muda para felicidade e frustrações individuais que vão além do homem em questão.
É importante ressaltar que a conversa é entre Sonia e Yelena, personagens da peça, no entanto, durante todo o filme atores e personagens se confundem de maneira que esses sentimentos relatados também são de Janice e Lee. Dessa forma, e por essa única conversa, o filme passa pelo teste Bechdel-Wallace.
Mako-Mori
Tem mulher? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa do homem? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Reprovado.
Misaki tem o seu próprio arco dramático. Ela saiu da sua vila em Hokkaido por sentir-se culpada pela morte da mãe, assim como Kafuku de alguma forma se responsabiliza pela morte da esposa. No entanto, o arco dramático de Misaki é apoiado no de Kafuku (assim como o arco dele é apoiado no dela). É nesse encontro dos dois que eles conseguem apaziguar esses sentimentos (mesmo que ainda tenham arrependimentos e tristezas) e seguir em frente. É no apoio mútuo que eles encontram a força para continuar.
Tauriel
Houve mulher(es) com atividade profissional definida? Quão competentes são as mulheres em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo 1 – muito incompetente e 5 – muito competente) Houve reconhecimento dessa competência?
Aprovado. Nota 5.
Misaki é uma motorista muito competente. Kafuku comenta que esquece que existe gravidade quando ela está dirigindo. Ela também é cuidadosa e muito dedicada ao seu trabalho. Oto, a esposa do protagonista, é roteirista e uma contadora de histórias nata (mesmo que suas histórias surjam em circunstâncias um tanto inusitadas). Lee Yoo-na se destaca na sua atuação como Sonia desde sua audição.
Todas as personagens mulheres no filme possuem uma profissão e são caracterizadas como capazes e responsáveis.
Representação dos Personagens
Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representada e personagem principal sem estereótipos
2 – Personagens secundários ou com poucos estereótipos.
O protagonista é Kafuku e toda a história é contada através do seu olhar. Apesar disso, Misaki, a personagem feminina mais relevante, se destaca por não ser baseada em estereótipos de gênero. Calma, confiante em sua capacidade como motorista e às vezes até ríspida, Misaki não é definida apenas por ser uma mulher jovem (a personagem tem vinte e três anos). Também tem o seu próprio drama interno e vida interior, que vamos conhecendo ao longo da trama. Outras personagens femininas como Oto e Lee são mais estereotipadas, uma sendo a personagem feminina misteriosa e sexual e a outra a esposa alegre e amorosa.
Análise da Representação de Raça
Mako Mori
Tem personagem não branco? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Aprovado.
Todos os personagens são asiáticos. Kafuku, o protagonista do filme, tem o arco dramático mais complexo e aprofundado dentre os personagens. O seu drama baseia-se na perda da esposa e nos seus arrependimentos e culpas, no entanto ele extrapola e muito a narrativa de seu par romântico.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos
3 – Muito bem representado e personagem principal sem estereótipos.
Considerando que o elenco inteiro do filme é não branco, há uma grande variedade de personagens, representações e inclusive nacionalidades na narrativa. Kafuku, o protagonista, é um personagem multifacetado, complexo, que represa uma grande quantidade de emoções e arrependimentos referentes à morte da sua esposa e ao seu trabalho como diretor e ator.
Análise da Representação LGBTQIA+
Mako Mori
Tem personagem LGBTQIA+? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Reprovado.
Não há nenhum personagem LGBTQIA+ na trama.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos)
0 – Não tem.
Análise da Representação PcD (Pessoas Com Deficiência)
Mako-Mori
Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Aprovado.
O protagonista, Kafuku, teve perda parcial de visão em um olho devido a um glaucoma, por isso foi considerado PcD. O filme deixa implícito que a companhia de teatro contratou Misaki para ser sua motorista por não considerarem seguro que ele dirija. Como mencionado anteriormente, Kafuku tem arco dramático próprio.
Além dele, há também Lee Yoo-na, que é muda. Ela possui um arco dramático, apesar de pequeno por ser uma personagem de apoio. Lee era dançarina, mas parou de dançar quando engravidou. Ela acabou perdendo o bebê e, por consequência, a vontade de dançar. A montagem de Tio Vânia por Kafuku acaba sendo uma oportunidade dela se reinventar como artista e curar essa ferida.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens PcD (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos)
3 – Muito bem representado e personagem principal sem estereótipos.