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Joey Potter e Rory Gilmore: garotas boas demais para caras nem tanto

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Um grande sentimento de nostalgia em relação a seriados antigos foi desencadeado com a inserção de Gilmore Girls no catálogo da Netflix e a estreia de seu revival.

A década de 1990 e o início dos anos 2000 contaram com várias séries adolescentes que marcaram gerações. Muitas delas não são mais encontradas hoje em dia e, mesmo que fossem, talvez não tivessem a mesma receptividade de antigamente.

Naquela época, ainda não tínhamos o boom de seriados que temos hoje e a facilidade de assisti-los a qualquer momento e em diversas plataformas. A variedade de obras e o aumento da exigência dos espectadores geram um movimento de aperfeiçoamento das histórias contadas, que acompanham as mudanças da sociedade e refletem as discussões e os movimentos atuais. Dessa forma, temos um aumento significativo de temas e olhares que eram ignorados, de diversidade na frente e atrás das câmeras, de debates sociais sendo gerados a partir dos produtos culturais.

As antigas séries adolescentes, em seus formatos originais, talvez não tivessem tanto espaço hoje em dia. Ainda assim, o momento em que foram exibidas e a idade que tínhamos quando as assistimos pela primeira vez geraram uma marca afetiva de proximidade com a obra e um olhar saudoso sobre seus personagens.

Barrados no baile (1990); Buffy, a caça-vampiros; Felicity (1998); Dawson’s Creek (1998); Gilmore Girls (2000); Queer as Folk (2000); Everwood (2002); The OC (2003); One Tree Hill (2003), dentre várias outras, são lembradas até hoje. Algumas foram adquiridas pela Netflix, outras ganharam novas versões ou continuações (90210, Gilmore Girls e Fuller House). Dessa forma, tivemos a chance de rever seriados e analisá-los, algumas décadas depois, com novos olhares.

Nesse movimento saudosista, assisti a Gilmore Girls e Dawson’s Creek recentemente. Confesso que continuo adorando, mas me chamou atenção a forma como as histórias das duas protagonistas se parecem.

Rory e Joey são garotas muito inteligentes, organizadas e dedicadas, que sonham em estudar em prestigiadas universidades. Para isso, não medem esforços, nem tempo. As duas são apaixonadas por literatura e têm um apetite voraz por livros. Ambas são leais, bondosas, cautelosas e consideradas chatas de tão “certinhas”.

Rory-Gilmore-1

Após algumas paixões, encontros e namoros, as duas conhecem possíveis interesses românticos que podem ser enquadrados como seus parceiros intelectuais. Rory conhece Jess, um rapaz sarcástico, perspicaz e petulante, que se mostra incrivelmente inteligente e se apresenta como um par com quem Rory pode discutir literatura profundamente, que a desafia intelectualmente e que acompanha suas referências. Na cidade em que vive, apesar de ser amiga de todos e de já ter se apaixonado antes, Rory nunca havia encontrado um parceiro como ele, com quem pudesse compartilhar seu potencial intelectual de igual para igual.

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Apesar de sua inteligência, Jess não acredita em seu próprio potencial e apresenta comportamentos de autossabotagem, especialmente em relação a sua vida acadêmica. O rapaz acredita que nunca irá para a universidade e não vê grandes planos para si mesmo. Por outro lado, assim como todos da cidade, tem certeza de que Rory irá longe, que conquistará todos os seus sonhos acadêmicos e sairá da pequena cidade de Stars Hollow para ganhar o mundo. Ele então se assusta com seus próprios sentimentos pela namorada e pensa que não é bom o suficiente para ela (o que todos da cidade fazem questão de apontar), e foge sem se despedir, deixando Rory confusa, triste e sem nenhuma explicação.

Quem acompanhou Dawson’s Creek, lembra da eterna indecisão de Joey ficar com Dawson, seu amigo de infância, ou com o carismático e engraçado Pacey. Ao longo das seis temporadas, entretanto, Joey conheceu e se envolveu com outras pessoas. Uma delas foi Eddie, que frequentava uma de suas aulas na universidade e trabalhava no mesmo bar que ela.

Eddie se apresentou inicialmente como um rapaz duro, meio ríspido e amargurado, que bateu de frente com Joey tanto no trabalho quanto na sala de aula. O jovem era evidentemente o mais inteligente da turma, grande conhecedor de literatura e com um imenso potencial crítico e argumentativo. Assim como ocorreu com Rory e Jess, logo Joey e Eddie aproximaram-se e apaixonaram-se, tendo diversos debates sobre livros, autores e personagens.

Joey e Eddie 2

Posteriormente, a jovem descobriu que Eddie, na verdade, não era aluno da universidade. Após ter entrado em uma aula por engano, ele se encantou com as discussões, com as leituras e com a possibilidade de um espaço onde poderia dar vazão ao seu potencial intelectual, que até então era subutilizado em uma realidade de dificuldades financeiras que o forçava a trabalhar ao invés de estudar. Não tendo condições de frequentar uma instituição daquele porte, ele passou a assistir às aulas sem estar matriculado.

Por esse motivo, Eddie via com amargura os jovens ricos que podiam estudar na universidade mesmo que não dedicassem grandes esforços, nem tivessem as aptidões que ele tinha. Essa raiva gerou problemas para o relacionamento dos dois e contribuiu para que Eddie visse Joey como parte de um mundo diferente do seu.

Sem acreditar em seu potencial e, após ter um livro rejeitado por diversas editoras, Eddie teve certeza do que sempre suspeitou: ele não era bom o suficiente para Joey, a garota inteligente, que se formaria com louvor e teria o mundo a seus pés (o que todos a sua volta também fizeram questão de apontar). Ele então fugiu e foi embora da cidade sem se despedir.

Posteriormente, descobrimos que, de um lado, Jess deu uma chance a si mesmo e se tornou escritor, sendo finalmente o tipo de cara com quem acreditava que Rory deveria ficar. Do outro, Eddie, com a recomendação de um antigo professor, conseguiu ser admitido em uma das universidades de escrita mais prestigiadas dos EUA. Quando isso aconteceu, ele voltou para procurar Joey, finalmente se enquadrando no que considerava ser o tipo de homem que a merecia.

Rory e Joey são garotas inteligentes, talentosas e bondosas, que todos ao redor têm certeza de que alcançarão altos patamares profissionais. Ambas encontraram parceiros que acompanhavam seu nível intelectual e que estimulavam seu potencial. Apesar disso tê-los unido, também os separou. Nenhum dos dois acreditava em si nem via com bons olhos suas perspectivas para o futuro. Ao mesmo tempo, tinham ao lado companheiras que prometiam ir longe, que não tinham medo dos desafios do futuro e que tinham grandes possibilidades de serem bem sucedidas.

Diante desse cenário, os dois se apavoraram, não souberam lidar com suas frustrações, com seus sentimentos e com a necessidade de se comparar com elas. Estando à sombra de namoradas maravilhosas, eles fugiram, sem encará-las, sem se despedir. Em uma coisa acertaram: não as mereciam.

Os dois tiveram suas vidas impactadas por esses relacionamentos e deram uma guinada em suas trajetórias após abandonarem as garotas. Desafiados pela confiança e talento que elas apresentavam, eles se dedicaram a melhorar suas vidas e a si mesmos. Desenvolveram coragem para se arriscar, para se profissionalizar e evoluir, conseguindo alcançar um final profissional promissor inspirado por elas, apesar de não terem tido coragem de crescer ao lado delas.

Cabe lembrar que Joey já havia passado por uma situação similar com Pacey. O jovem era o que tinha o pior desempenho escolar do grupo de amigos, chegando a repetir de ano e a não se formar junto com os outros. Aliado a isso, ele tinha um batalhão de pessoas deixando claro que não viam seu potencial e afirmando que ele nunca alcançaria sucesso em nenhum aspecto de sua vida. Acreditando nisso e vendo o futuro promissor de Joey, ele mergulhou em desespero e em autossabotagem, terminando o namoro com a jovem por achar que não era bom o suficiente para ela.

Joey e Pacey

Assim como Jess e Eddie, ele acabou conquistando uma carreira, descobrindo no que era bom e se levantando, sempre apaixonado pela ex-namorada que passou a inspirá-lo a ser um homem melhor.

Tanto Joey Potter quanto Rory Gilmore tiveram que lidar com as dificuldades do colégio e, posteriormente, da faculdade; com a desafiadora procura por empregos; com problemas familiares e com as dificuldades comuns do crescimento. Como se isso fosse pouco, ainda tiveram que lidar com competição por parte de seus próprios parceiros e com o receio de assustá-los com seu potencial.

Duas jovens mulheres em amadurecimento profissional e pessoal que foram penalizadas (a curto prazo) por serem “boas demais”. Na verdade, porém, elas apenas escolheram garotos que, simplesmente, não aceitavam estar do lado de mulheres melhores do que eles.

Rory

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

4 respostas em “Joey Potter e Rory Gilmore: garotas boas demais para caras nem tanto”

Achei incrível sua análise. Gosto muito das duas séries e estou revendo Dawson’s Creek e sempre me perguntava porque gostava tanto de ver a Joe. Agora sei… me identifico muito com ela, assim como com a Rory.
Você me fez refletir muito!!
Abraços.

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