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Malcolm X por elas

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Malcolm X

Em 21 de fevereiro de 1965, há 56 anos, Malcolm X estava fazendo um discurso no Audubon Ballroom quando foi atingido por diversos tiros vindos de pessoas infiltradas na plateia. O clima nas semanas que antecederam a tragédia já era de tensão, repleto de ameaças e animosidade. Ele sabia que estava sendo seguido, que todos os seus passos eram acompanhados, e relatou publicamente que o queriam morto.

No dia de sua morte, as outras pessoas que se apresentariam no Audubon não subiram ao palco com ele, pois era fato conhecido que Malcolm tinha se tornado um alvo e que estar perto dele poderia colocá-los em perigo. Mesmo com todo o clima de ameaça, a polícia não compareceu ao evento, limitando-se a ter dois policiais uniformizados no local, mas fora do salão. O fato levantou muita suspeita sobre o envolvimento da instituição no assassinato e/ou em seu acobertamento. Somou-se a isso o fato de o local não ter sido devidamente isolado para investigação, com um baile acontecendo naquele mesmo salão horas mais tarde, ainda com as balas nas paredes, o que dificultou qualquer reconstituição e análise da cena do crime.

Um dos atiradores foi pego pela multidão, mas os outros escaparam. Dias mais tarde, outros dois homens foram presos e o caso encerrado. Muitos duvidaram dessa narrativa e continuaram levantando questionamentos sobre a motivação, os mandantes do crime e seu acobertamento durante décadas. Anos depois, o único acusado pego em flagrante, que admitiu sua culpa, relatou oficialmente que os outros dois homens eram inocentes e informou o nome de quatro cúmplices. Apesar disso, a investigação não foi reaberta, os outros dois acusados permaneceram presos (um deles até a sua morte) e mais ninguém respondeu pelo crime.

Muitos associam o assassinato de Malcolm X à Nação do Islã e a seu líder, Elijah Muhammad, que durante anos foi mentor do ativista. Muitos creditam o crime ao FBI e à CIA. Apesar das muitas teorias, até hoje a história não tem consenso e o crime não teve justiça. O fato é que Malcolm X teve uma trajetória importantíssima para os direitos civis e para a luta dos negros americanos.

Com uma história familiar trágica, Malcolm teve sua família separada quando ainda era muito novo. O pai foi brutalmente assassinado por supremacistas brancos, a mãe foi internada por questões de saúde mental e os irmãos foram afastados, enviados para lares adotivos. Envolvido em diversos crimes, Malcolm foi preso e passou anos na prisão. Lá converteu-se ao islamismo e conheceu os ensinamentos de Elijah Muhammad.

Ao sair da prisão, tornou-se um dos principais ministros da Nação do Islã e alcançou ampla repercussão devido a sua capacidade de oratória, à força de sua mensagem e à postura de coragem e enfrentamento que se tornou tão marcante em sua figura. Malcolm X tornou-se um dos principais militantes dos movimentos de defesa dos negros dos Estados Unidos.

Uma noite em Miami

Recentemente, foram lançadas duas obras audiovisuais sobre o ativista. Em 2021, estreou no circuito comercial o filme de ficção Uma noite em Miami, baseado na peça de teatro de mesmo nome do autor Kemp Powers. Essa é a estreia de Regina King como diretora de longa-metragem.

Baseada em fatos reais da vida desses personagens, a obra aborda um encontro entre o militante Malcolm X, o boxeador Muhammad Ali (quando ainda se chamava Cassius Clay), o cantor Sam Cook e o atleta e ator Jim Brown.

O filme retrata um universo em que esses quatro homens seriam melhores amigos e confidentes, convivendo ao longo dos anos e acompanhando de forma próxima as carreiras uns dos outros. Tudo isso em um período marcado pela segregação racial. O longa foca suas ações em uma única noite, quando esses quatro personagens estão juntos em um quarto de hotel conversando sobre questões determinantes. Suas personalidades e trajetórias tão diferentes (e ao mesmo tempo com similaridades) se chocam. E é interessante analisar o que um aprenderia com o outro e também o que cobrariam um do outro. Como era a relação entre esses quatro homens negros, tão importantes em suas respectivas carreiras e que marcaram o mundo, cada um a sua maneira.

Com um roteiro potente, diálogos difíceis e trilha sonora lindíssima, o filme se destaca no circuito de festivais e premiações e tem sido muito elogiado pela crítica. A intenção inicial era adiar o lançamento do filme devido à pandemia do coronavírus, mas os assassinatos de George Floyd e Breonna Taylor nos Estados Unidos chamaram atenção para a importância da mensagem do filme.

Apesar de ser centrado nos quatro protagonistas, o filme dá atenção especial ao momento enfrentado por Malcolm. As ações do filme se passam principalmente em 1964, o ano anterior ao seu assassinato. Visivelmente tenso e sobrecarregado, ele se preocupa em estar sendo seguido, em ter escutas escondidas pelo seu quarto e em verificar constantemente se sua esposa e suas filhas estão em segurança. Malcolm está no limite e recebeu da diretora três bons amigos e confidentes com quem liberar parte do peso que recaía sobre seus ombros.

Quem matou Malcolm X?

Para quem assistiu ao filme de Regina King e se interessou por saber um pouco mais sobre Malcolm X, está disponível na Netflix uma minissérie documental de seis episódios centrada nas investigações a respeito da morte do ativista. Dirigida por Rachel Dretzin e Phil Bertelsen, Quem matou Malcolm X? mescla imagens de arquivo, entrevistas e gravações atuais para tentar montar o quebra cabeça que se tornou o assassinato e a busca por provas.

A série chamou atenção para as diversas incoerências nas interpretações oficiais apresentadas à época. Em cada episódio nos aprofundamos um pouco mais na história de Malcolm X, na sua relação com a Nação do Islã, na mensagem dos seus discursos e na forma como ele era encarado pela mídia, pelo público e por seus opositores.

A obra é centrada no personagem de Abdur-Rahman Muhammad, um ferrenho admirador de Malcolm X, que, inconformado com seu assassinato e com a investigação insatisfatória, dedicou anos da sua vida para estudar o caso e descobrir provas que finalmente resultem em justiça. A série entrou no catálogo da Netflix em fevereiro de 2020 e, devido à repercussão do programa, o caso foi oficialmente reaberto.Os diretores, Rachel Dretzin e Phil Bertelsen, concorreram em 2020 ao Black Reel Awards for Television por essa série. Rachel concorreu também ao Emmy cinco vezes, tendo vencido em 2014 na categoria de Melhor programa histórico com a obra The African Americans: Many Rivers to Cross with Henry Louis Gates, Jr.

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

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