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Matrix Resurrections: sequência remixada do universo Wachowski

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O filme Matrix Resurrections é uma grande homenagem à trilogia que o precede, questionando-a e remixando-a. Revemos cenas icônicas dos primeiros filmes conversando com a nova produção, ganhando, assim, novos significados. 

“O próprio passado é, assim, modificado (…) transformando-se, nesse meio tempo, em vasta coleção de imagens, um enorme simulacro fotográfico” (1). 

Temos uma meta ou hipertextualidade: uma relação de derivação de um texto a partir de outro, que no caso é sobre sua própria saga. O filme traz dessa forma – e ao mesmo tempo – uma apologia e um questionamento da estética pós-moderna, que já parece obsoleta nos dias de hoje. 

No filme, vivenciamos o eterno retorno, com a ampulheta da existência sendo virada outra vez (2). Temos mais uma vez a submersão dos protagonistas na realidade inventada da Matrix, desacordados e esquecidos de que estão vivendo apenas em uma vida programada. 

Matrix (1999), Matrix Reloaded (2003) e Matrix Revolutions (2003) foram roteirizados e dirigidos pelas irmãs Lana Wachowski e Lilly Wachowski, e tiveram como protagonistas Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss e Laurence Fishburne

Matrix Resurrections (2021) tem direção apenas de Lana Wachowski, e roteiro da cineasta conjuntamente com David Mitchell e Aleksandar Hemon. Vemos o retorno de Keanu Reeves e Carrie-Anne Moss, mas não de Laurence Fishburne como o icônico Morpheus. Agora temos o ator Yahya Abdul-Mateen II em uma nova versão de Morpheus, que, apesar de ainda conduzir Neo, não apresenta mais aquela hierarquia entre mestre e aprendiz, e não carrega o peso do original. 

Thomas Anderson (Keanu Reeves) agora é um famoso designer do jogo eletrônico que dá nome à saga; apesar do sucesso, em sua sala grande, solitária e com vista privilegiada, ele sente que há algo de estranho e de errado com aquela realidade na qual vive. Está atormentado por visões absurdas de uma vida que ele acredita que foi apenas ficcionalizada para o seu jogo, mas que na verdade são parte da sua memória. 

Para mantê-lo entorpecido, temos a figura de um analista (Neil Patrick Harris) que o acompanha e o convence de que todas as suas visões e presságios são decorrentes de problemas psicológicos traumáticos e o prescreve constantemente com pílulas azuis.

O chefe e sócio de Tom, o novo Agente Smith (Jonathan Groff), quer que o designer de game crie a sequência de Matrix, afinal, ele afirma: a Warner Bros. fará com ou sem eles. A empresa de games de Tom e Smith tem o nome de Deus Machina e é mantida pela WB. Temos então uma crítica e uma meta-confirmação direta sobre o que as diretoras vivenciaram nos últimos anos com a pressão de voltar ao universo da franquia. Lana Wachowski afirmou inclusive que só concordou em fazer o quarto Matrix depois que seus pais e um amigo morreram, como uma forma de conforto do seu luto, mesmo sem a companhia da irmã na direção.

“Eu realmente não sabia como processar esse tipo de luto. Eu não tinha experimentado isso tão de perto… Você sabe que suas vidas vão acabar e ainda assim foi muito difícil. Meu cérebro sempre buscou a minha imaginação e uma noite eu estava chorando, não conseguia dormir, e meu cérebro explodiu toda essa história. Eu não podia ter minha mãe e meu pai, mas de repente eu tinha Neo e Trinity, sem dúvida os dois personagens mais importantes da minha vida”, disse Lana Wachowski.

Entre as produções, Lana também foi responsável pela cultuada série Sense8. A obra cria um outro universo de ficção científica atual e trabalha questões como a intolerância entre diferentes e o amor capaz de unir e transformar em famílias pessoas das mais diferentes origens. Em Matrix 4, os que acompanharam essa outra criação de Lana também encontram a nostalgia ao rever vários personagens vindos do elenco de Sense8.

Voltando ao Resurrections, Trinity agora é Tiffany, em uma versão que não lembra dos artifícios da Matrix e vive como esposa e mãe, ocupada e absorta em seus papéis. Mas, assim como Neo, ela também apresenta resquícios de sua vida “acordada”. Tiffany, mesmo com a construção de uma mulher encaixada no patriarcado, dedica o seu tempo à paixão por motos. Na sua oficina mecânica, inclusive, temos uma lembrança da estética do mundo das máquinas. 

Do lado da pílula vermelha, Neo e Trinity são lendas – como celebridades de um passado distante! Alguns querem ser como eles, outros acreditam que eles já estão entregues ao torpor. Mais uma vez, temos a busca por encontrar e conduzir os personagens “pelo buraco do coelho” e fazê-los enxergar o mundo das máquinas.

É Bugs (Jessica Henwick) quem agora encontra Neo. A hacker, que tem tatuado um coelho em seu braço, procura “o escolhido” há muito tempo, pois é uma das que acredita em seu legado. Bugs e o novo Morpheus são responsáveis por dar mais cor e um novo senso estético à saga, que vem criando uma marca desde o final dos anos 90. Bugs, quando entra na Matrix, apresenta um cabelo azul bem vivo e óculos redondos e Morpheus está sempre vestido com roupas estilosas e de cores terrosas, com um toque dos anos 70.  

Agora, as passagens de um ao outro mundo não se dão mais por telefones. São os espelhos os portais do real ao simulacro. O espelho gera o reflexo, mas de forma invertida. Assim, temos mais um símbolo dessa meta-narrativa. Os espelhos são afirmações da nossa própria existência, acreditamos que nos vemos como os outros nos vêem. Porém, no mundo programado da Matrix, se olharmos atentamente para nós mesmos através do espelho, poderemos sair do que é falso, sair do mundo programado que nos adormece. Os espelhos, no filme, também revelam o que não vemos na tela. Como espectadores, vemos Neo com cabelos grandes, como o ator que o interpreta, apesar de angustiado e solitário; mas em relances dos espelhos vemos imagens de Neo como um idoso e careca. Quantas camadas de como nos vemos e como somos vistos temos nesses jogos de imagens?

Neste novo filme, a dualidade também é questionada: da escolha binária das pílulas e da oposição entre humanos e máquinas. Assim como há ainda uma crítica da diretora de como os seus filmes e suas simbologias foram utilizados nos últimos anos. É uma chamada para a libertação dos que agregaram esses ícones de forma exaustiva e muitas vezes opostas às críticas originais das irmãs Wachowski. E por que também não pensarmos em uma crítica à própria indústria audiovisual que recria “mais do mesmo”, apelando para os sentimentos de nostalgia dos espectadores na busca por cavar mais um pouquinho dos lucros de algo que já teve o seu ápice?

Não há mais também a crença no “escolhido”. E vamos combinar, tirar toda a nossa esperança de um único herói homem-branco-cis é renovador! Descobrimos que, na verdade, a força que se esperava do escolhido está na união – e no amor – de Neo e Trinity. 

E se você pensar que o amor é pouca coisa, não tem vivido a intolerância dos últimos anos. 

Matrix Resurrections já está disponível na HBO Max. Apesar de o filme não ter sido muito bem recebido, vale a pena assistir a essa sequência remixada do universo Wachowski.

Referência:

(1)  JAMESON, Fredric. Pós-Modernidade – A Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. Tradução de Maria Elisa Cevasco. São Paulo, SP: Editora Ática, 1997.

(2) A Gaia Ciência. Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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