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“Sobrevivendo” para prosperar: o teste de mulheres muçulmanas na tela

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Em março de 2022, foi lançado um teste de representação para analisar como as mulheres muçulmanas têm sido retratadas no audiovisual. O objetivo é identificar estereótipos e auxiliar os profissionais a criarem personagens muçulmanas diversas e verossímeis. A iniciativa é uma parceria entre o Instituto Geena Davis, a fundação Pillars e a empresa de elenco Muslim Casting.

O teste analisa:

1 – Qual série, episódio ou filme você está classificando?

2 – Há um personagem ou um enredo muçulmano e há uma ou mais mulheres muçulmanas proeminentes?

3 – Identifique Representações Prejudiciais (estereótipos e armadilhas que marcam a construção de personagens muçulmanas mulheres).

4 – Identifique Representações Complexas (retratos respeitosos, complexos e diversos de personagens muçulmanas mulheres).

A intenção é evitar retratos homogêneos ou caricatos, ignorando a diversidade de histórias que as mulheres muçulmanas experienciam nos EUA e ao redor do mundo, além das diversas interseccionalidades que envolvem suas identidades.

Foi identificado que mais de 75% de todos os personagens muçulmanos mostrados em tela são do sexo masculino. Além da raridade da representação de mulheres muçulmanas, é importante compreender qual é a qualidade dos retratos que estão sendo produzidos. Por esse motivo, estão sendo investidos esforços em criar e aperfeiçoar testes de representação específicos para personagens muçulmanas. Apesar de ser evidente que muitos estereótipos afetam tanto as mulheres quanto os homens muçulmanos, existem fatores distintivos que atingem especificamente aquelas primeiras. 

De acordo com Serena Rasoul, fundadora da Muslim Casting, o teste surgiu da vontade de investigar como as mulheres muçulmanas existem nas telas “fora dos limites do trauma, orientalismo, colonialismo e xenofobia”.

Para Madeline Di Nonno, do Geena Davis Institute on Gender in Media:

“criar um teste de representação centrado em mulheres muçulmanas permitirá que suas experiências únicas sejam destacadas em um cenário de mídia onde elas são frequentemente relegadas a papéis de vítimas, meramente ‘sobrevivendo’ às suas circunstâncias ou usadas como adereços de fundo para perpetuar ainda mais histórias de opressão, violência e trauma”. 

O teste foi intitulado Sobrevivendo” para prosperar: o teste de mulheres muçulmanas na tela. Elaborado em cinco etapas, o teste pode ser preenchido tanto pelos produtores de conteúdo quanto pelo público em geral. O questionário identifica elementos prejudiciais na representação das personagens naquela obra, mas não se limita a isso. Há foco também nas esferas positivas a serem observadas, que podem funcionar como sugestões de melhorias na construção dessas histórias. 

Para elaboração do questionário, foram identificados os principais estereótipos e armadilhas que marcam a construção de personagens muçulmanas.

Representações Prejudiciais

Estereótipos e armadilhas que marcam a construção de personagens muçulmanas mulheres

A figura da mulher exótica, sedutora, misteriosa e hiper sexualizada. Muitas vezes isso surge através de uma dançarina ou de uma personagem que é escravizada sexualmente.


Em outros contextos, essa sexualização é construída a partir da visão da mulher muçulmana como uma virgem a ser conquistada, vista como um prêmio ou um desafio, alguém que deve ser convencida a “ceder”.


Uma mulher obediente e submissa, que sofre nas mãos de um personagem muçulmano opressor (marido/pai/irmão/tio).

mulheres muçulmanas: o clone

Uma personagem que sonha em se casar, completamente focada em achar um marido e ser uma boa mãe e esposa, sendo esses os seus principais objetivos.

mulheres muçulmanas: o clone

Uma vítima que precisa ser salva, seja por um par romântico branco ou por uma amiga feminista. Esse resgate pode ser físico, livrando-a de uma situação perigosa, ou pode ser um resgate psicológico, libertando-a de uma situação opressora relacionada à sua religião e/ou à sua família.


Dentro do contexto da vítima, é comum que as personagens tenham vidas extremamente difíceis, sendo frequentemente retratadas como vítimas de violência doméstica e estupro, ou como refugiadas, vítimas de guerra e de terrorismo.

mulheres muçulmanas

Frequentemente as narrativas envolvem um salvador branco e o processo de libertação da personagem. Uma jovem muçulmana (na maioria das vezes pobre e atraente) se apaixona por um personagem branco progressista e bem intencionado, mas é impedida de viver esse amor pela família muçulmana, comumente retratada como intolerante e inflexível. Em um ato de rebeldia, ela enfrenta os pais e deixa para trás sua fé, seus costumes, sua família e seu hijab para ficar com o par romântico e se sentir dona de seu destino.

mulheres muçulmanas: elite

Outra representação frequente no audiovisual é a da mulher muçulmana como alguém isolada da sociedade moderna, sem conhecimento da tecnologia, do idioma ou de questões comuns daquela época/cidade. Ela é vista como alguém “fora” daquele mundo, a “outra”, que destoa dos demais e gera estranhamento. Ela costuma ser desassociada da comunidade e dos vários contextos retratados na obra, restrita somente aos núcleos de sua casa e sua família.


Por fim, muitas narrativas exploram o embate entre a ideia de “boa muçulmana” versus “má muçulmana”, estabelecendo características bem definidas nas quais as mulheres muçulmanas têm que se enquadrar para serem aceitas. Características relacionadas a comportamento, vestimenta, patriotismo, personalidade, profissão, etc. Qualquer coisa que fuja disso aproxima a personagem da figura da “má muçulmana”, em representações que a vinculam a terrorismo e a constroem como ameaça.


Por outro lado, o teste aponta diversos fatores positivos a serem incentivados na construção de histórias para melhorar as representações de mulheres muçulmanas e promover retratos respeitosos, complexos e diversos.

Representações Complexas

Retratos respeitosos, complexos e diversos de personagens muçulmanas mulheres

Mulheres muçulmanas com papéis de destaque na obra.

ms marvel: mulheres muçulmanas

Em posições de liderança, com habilidades para guiar e influenciar outros personagens.


A construção de uma identidade variada e complexa, em que o arco dramático da personagem não seja vinculado somente à sua relação com o Islamismo (seja para sua rejeição ou aceitação). E caso ela questione partes/elementos de sua identidade, que não seja devido à história de um personagem não muçulmano.


Incentiva-se que as histórias abordem as interseccionalidades e mostrem mulheres muçulmanas negras, PcD, queer, que não usem hijab, muçulmanas uigures, etc.


Personagens bem integradas com a comunidade, que não sejam separadas ou excluídas pelo fato de serem muçulmanas. É importante que elas sejam vistas tanto como muçulmanas quanto como americanas (no caso de obras estadunidenses).


Felicidade. É importante que personagens muçulmanas possam ser vistas experienciando alegria, com seus amigos, com o trabalho, nos relacionamentos, celebrando conquistas, etc. O estudo apontou que, como um grupo constantemente retratado como oprimido, traumatizado e vivenciando tragédias, ser mostrado com alegria pode ser um ato de resistência.


É desejável que as obras retratem as mulheres muçulmanas em situações e espaços variados, seja praticando esportes, viajando ou frequentando programas culturais, evitando que sejam retratadas somente no contexto da casa.


Além do teste de representação desenvolvido, os parceiros do estudo fornecem recursos para criadores de conteúdo usarem como guias na produção de suas histórias e bancos de dados que facilitam encontrar profissionais muçulmanos. Fazendo eco à fala de Arij Mikati, do Pillars Fund:

“mal posso esperar para conhecer as mulheres muçulmanas na tela que virão como resultado”.

Por Luciana Rodrigues

É formada em Audiovisual e em Letras Português. Uma brasiliense meio cearense, taurina dos pés à cabeça, apaixonada pela UnB, por Jorge Amado e pelo universo infantil. Aprecia o cult e o clichê, gosta de Nelson Pereira dos Santos e também gosta de novela. E, apesar de muitos dizerem o contrário, acha que essa é uma ótima combinação.

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