Tár concorre a seis prêmios no Oscar 2023: Melhor filme, atriz principal, direção, roteiro original, fotografia e edição.
Cabe o destaque a Monika Willi, a única mulher indicada na categoria de Melhor Edição deste ano. Ela é conhecida pelo trabalho de montadora nos filmes A fita branca, Amour e Untitled. Caso vença, será a 14ª editora a receber a estatueta em um total de 16 prêmios entregues a mulheres (Thelma Schoonmaker foi a única até hoje a repetir o feito, com três Oscars na categoria, em 1981, 2005 e 2007).
Tár mostra o universo das grandes orquestras, do sucesso e do ego que envolve os principais maestros. O longa-metragem é centrado na figura da maestrina Lydia Tár, mulher e lésbica, e da sua posição de poder dentro de uma estrutura marcadamente masculina e conservadora.
A partir desse contexto, a obra reflete sobre produção de arte, abuso de poder e assédio em tempos de disseminação da internet e das redes sociais, da campanha #MeToo e da cultura do cancelamento. Propõe também uma reflexão sobre o quanto é possível analisar a arte de forma desassociada do artista.
Sinopse
De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers
Lydia Tár é um gênio da música clássica e da regência de orquestras. Ela é uma das principais referências mundiais nesse contexto e está no auge de sua carreira. No entanto, tudo muda quando um escândalo repercute em proporções avassaladoras.
Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
Não há nenhuma representação de pessoas com deficiência no filme. A questão racial é retratada pontualmente ao situar a história em Berlim e mencionar os possíveis efeitos do pensamento nazista remanescente nos tempos atuais. Por exemplo, a filha de Lydia e Sharon, Petra, volta da escola com hematomas e as mães conversam sobre a possibilidade de uma colega estar machucando-a por conta de um pensamento de supremacia racial. No entanto, a questão não é aprofundada na obra.
A protagonista, Lydia Tár, é uma personagem forte, complexa e bem construída. Uma mulher lésbica poderosa e empoderada, no topo da carreira, respeitada mundialmente e aparentemente muito confortável nessa posição. Ela construiu uma bolsa de mentoria para mulheres musicistas, o que inicialmente parece fazer dela uma pessoa preocupada em proporcionar equilíbrio de gênero e de oportunidades no contexto das orquestras.
No entanto, em entrevistas e conversas informais, ela vai aos poucos deixando evidente que não se importa (às vezes demonstra até mesmo certa impaciência) com temas como inclusão, representação e combate ao preconceito.
Apesar de ser um exemplo internacional de representação feminina em um universo profissional marcadamente masculino, ela tende a minimizar esse feito. De forma fria, autocentrada e pouco empática, a personagem parece considerar sua história individual de sucesso como prova de que é possível ignorar os preconceitos e obstáculos que comprovadamente marcam as trajetórias de tantas outras profissionais do ramo.
Em uma entrevista no início do filme, ela demonstra que considera bobagem o uso de termos que demarquem gênero, como por exemplo a palavra “maestrina”, usada para deixar evidente que se trata de uma mulher, ao invés da palavra masculina “maestro”, usada historicamente para englobar todos os profissionais. Ela ridiculariza essa estratégia linguística de dar destaque para as mulheres regentes como se fosse desnecessária.
Em outra cena, ela comenta descontraidamente que não sabia que 08/03 é considerado o Dia Internacional da Mulher. É um detalhe que pode passar despercebido, mas que somado a outros pontos marca a construção da personagem como alguém que não se interessa por debates de gênero.
Na mesma entrevista no início do filme, Lydia cita várias maestrinas e parece considerar que existem tantas em posição de destaque que atualmente não há qualquer desequilíbrio de gênero em sua profissão. Ela chega a manifestar a intenção de alterar a regra fundadora da bolsa de mentoria para mulheres, para que deixe de ser restrita a apenas um gênero – como se esse fator não fosse mais necessário agora que, segundo ela, tantas mulheres já emplacaram suas carreiras.
A impressão que o filme passa é de que, do alto de seu pedestal e do seu sucesso, Lydia escolhe não enxergar a situação de forma crítica e complexa. Como ela já está confortavelmente no auge, considera que esse local é muito bom, irretocável e livre de autocríticas. Ela encara a situação de forma individualista e egoísta.
Em uma conversa com sua assistente, Francesca, Lydia ironiza a história de Alma, personalidade real e esposa de seu ídolo, o maestro Mahler. Alma era compositora e foi obrigada por seu marido a deixar de compor para cuidar da casa e dos filhos. Lydia minimiza esse subjugamento de uma mulher musicista, interpretando que foi uma escolha dela acatar a vontade do marido, como se a situação fosse simples assim. Ela evita qualquer tipo de crítica a seu ídolo ou de reflexão mais complexa sobre a falta de oportunidades para mulheres no contexto musical ao longo da História.
Da mesma forma, ela ironiza um aluno que manifesta uma crítica pessoal a Bach. Max é um estudante de Julliard que se autodeclara negro e pansexual e que afirma não se sentir à vontade para idolatrar Bach sabendo de sua vida pessoal e de sua misoginia. Lydia usa o exemplo em sala de aula e manifesta enfaticamente que não concorda com esse tipo de interpretação. Para ela, questões pessoais devem ser completamente desassociadas da avaliação artística. Mais uma vez, a personagem recusa críticas aos “imortais”, aos ídolos que já conquistaram um lugar no topo. Isso parece uma autodefesa, uma proteção da posição que ela própria acredita que está ocupando.
Em uma entrevista à Vanity Fair, o diretor e roteirista Todd Field esclareceu que essa cena foi construída como uma espécie de materialização da pergunta “se a sua versão de hoje tivesse a oportunidade de dizer algo para a sua versão de 20 anos, o que diria?” Lydia Tár, com cerca de 50 anos, famosa e em uma posição de poder, conversa com um estudante de música queer de cerca de 20 e poucos anos. Segundo o diretor, Max é de certa forma parecido com Lydia em seu tempo de faculdade – está questionando as estruturas, quebrando os telhados de vidro, ignorando os cânones e rejeitando a música de “homens brancos que já morreram”, querendo fazer algo diferente. A Lydia de 50 anos, no entanto, encontra-se em uma posição completamente diferente, em que ela própria está se tornando um cânone, e aquela estrutura de poder a beneficia. Por que questionar algo que lhe traz poder e privilégios? Para Max, e possivelmente para outros colegas da turma, uma ídola cai do pedestal nessa cena.
A opinião da protagonista sobre desassociar valores artísticos de valores pessoais faz muito sentido ao acompanhar o filme e ver revelados escândalos de sua própria trajetória pessoal. Não espanta que ela seja contra a política de cancelamento.
O filme faz um paralelo entre a história de Lydia Tár e as histórias reais de vários homens maestros em posição de poder e status denunciados por abuso sexual. No filme são mencionados os maestros da vida real James Levine, Charles Dutoit, Furtwängler, Karajan, todos acusados de assédio.
A diferença é que Lydia é uma mulher, lésbica, em um contexto historicamente excludente e preconceituoso, que invisibiliza mulheres e que exclui pessoas LGBTQIA+. Ao invés de combater esse sistema e ajudar outras mulheres a se fortalecerem em segurança, ela funciona como mantenedora dos abusos e opressões, o que torna a personagem ainda mais complexa e profunda.
O filme permite também uma outra reflexão: o que muda na repercussão de um escândalo desse tipo tendo em vista que a pessoa acusada é uma mulher LGBTQIA+ ao invés de um homem branco heterossexual? O público e o ambiente profissional lidam da mesma forma nesses casos? O filme não se debruça sobre esse aspecto nem se propõe a responder, mas provoca uma reflexão que continua a reverberar mesmo após o fim da obra.
Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
Direção e Roteiro*
* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero
Tár é dirigido e roteirizado por Todd Field. De acordo com informações públicas obtidas em pesquisa simples realizada na internet, ele é um homem cis branco, hétero e sem deficiências. Dessa forma, a ficha técnica principal do filme (direção e roteiro) é composta por 0% de mulheres, 0% de pessoas negras, 0% de LGBTQIA+ e 0% de PcD.
Elenco principal*
Créditos iniciais/finais
* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero
O elenco principal, de acordo com os créditos finais, é composto por onze atores: Cate Blanchett (Lydia), Noémie Merlant (Francesca), Nina Hoss (Sharon), Sophie Kauer (Olga), Julian Glover (Andris), Allan Corduner (Sebastian), Mark Strong (Eliot), Sylvia Flote (Krista), Adam Gopnik (ele mesmo), Mila Bogojevic (Petra), Zethphan Smith-Gneist (Max).
Destes 11, seis são mulheres, dois são não brancos (Mila Bogojevic e Zethphan Smith-Gneist), um é gay (Allan Cordurner) e não foi identificada informação sobre algum deles ser PcD.
Dessa forma, o elenco principal conta com 54,54% de mulheres, 18,18% de atores não brancos, 9% de LGBTQIA+ e 0% PcD.
Representação
Mulheres
Presença (Bechdel-Wallace)
As mulheres têm nome?
Se falam por mais de 60 segundos?
Sobre outro assunto que não seja homens?
Aprovado.
O filme passa com folga no teste de Bechdel. Praticamente todas as mulheres da obra têm nome e Lydia conversa com muitas delas. Logo no início, a protagonista conversa com uma fã chamada Whitney Reese sobre seu trabalho e sobre como ela se sente ao reger uma orquestra. Ela também conversa sobre temas variados com Francesca (sua assistente), com Sharon (sua companheira), com Petra (sua filha) e com Olga (a nova musicista da Orquestra de Berlim).
Arco Dramático (Mako-Mori)
Tem mulher?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?
Aprovado.
Lydia tem arco dramático próprio. Ela inicia o filme no auge de sua carreira, confortável com sua posição e com o que construiu. Com a crescente ameaça de um escândalo, ela vai se sentindo pressionada e angustiada, o que desencadeia episódios de paranoia e de confusão em que não se sabe mais o que é real e o que não é. Um constante clima de tensão vai escalonando e criando a impressão de perseguição e de perigo iminente até que finalmente Lydia perde o controle sobre várias esferas de sua vida: sua imagem pública, sua carreira, seu casamento e sua relação com a filha.
Além dela, pode-se considerar que Francesca também tem arco dramático próprio. A jovem inicia o filme como assistente de Lydia e sendo preparada por ela para uma possível vaga de regente principal. As duas conversam sobre temas diversos, especialmente sobre música, e em um primeiro momento parecem ter uma boa relação.
Existem sugestões de que as duas podem ter tido um envolvimento sexual em algum momento, a despeito do desequilíbrio de poder entre mentora e pupila. Lydia é a responsável por decidir quem será o novo regente no lugar de Sebastian e usa a aspiração de Francesca para controlá-la. Às vezes sinaliza que pode indicá-la para o cargo se estiver satisfeita com ela e às vezes indica que pode puni-la caso a jovem não atenda os seus pedidos (ordens que algumas vezes extrapolam questões profissionais, incluindo se livrar de possíveis provas contra ela em um futuro processo judicial).
A situação vai se tornando cada vez mais desequilibrada à medida que uma antiga conhecida das duas, Krista, ameaça expor comportamentos inadequados de Lydia e pede ajuda a Francesca. Francesca fica abalada com esses acontecimentos e é mais uma vez manipulada por Lydia. A relação das duas é marcadamente de controle e de assédio, com Francesca vulnerável e cada vez mais fragilizada.
Ao ficar evidente que Lydia a usou e que não lhe dará os benefícios que sinalizou, Francesca se liberta dessa relação e se afasta da protagonista, ajudando a expô-la publicamente quando outras acusações de abuso são reveladas.
Competência (Tauriel)
Houve mulher(es) com atividade profissional definida?
Ela é competente na atividade?
Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo 1 – pouco competente e 5 – muito competente)
Houve reconhecimento dessa competência?
Aprovado.
Nota: 5.
Se tem algo que pode ser respondido facilmente sobre a personagem Lydia Tár, é que ela é extremamente competente. Ela participou das principais orquestras ao redor do mundo, foi a primeira mulher a reger a Orquestra de Berlim, suas aulas são disputadas e ela é referência para todos que ambicionam se tornarem maestros e maestrinas.
Lydia, inclusive, é EGOT, uma posição super seleta que pouquíssimas pessoas alcançaram até hoje. A sigla significa que ela já conquistou ao menos um Emmy, um Grammy, um Oscar e um Tony, os quatro principais prêmios da indústria do entretenimento.
Além dela, Sharon, Olga e Francesca também são muito competentes (as duas primeiras como musicistas e a última como assistente de Lydia). A função de Francesca como maestrina não pôde ser avaliada porque envolveu mais um jogo de poder do que análise de competência.
Apresentação de estereótipos
Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 2
Além das várias personagens secundárias bem construídas, o filme foca na figura de Lydia Tár. Apesar de podermos apontar alguns estereótipos em sua construção, a protagonista é muito bem desenvolvida e complexa.
Ela apresenta uma imagem comum para mulheres em posição de poder e liderança: é autoritária, fria e sua assertividade às vezes se reverte em insensibilidade e até mesmo grosseria, o que faz com que ela possa ser interpretada por alguns como “megera”. Lydia é forte, imponente e com um certo ar de inalcançável.
Mas ao mesmo tempo em que demonstra não se importar com os sentimentos das pessoas e defender suas opiniões com extrema firmeza e franqueza, ela também é manipuladora. Lydia joga com todos ao seu redor, ela alterna dureza com gentileza, atenção e falso cuidado. Sua esposa Sharon diz que todas as suas relações são transacionais, com exceção do relacionamento com a filha.
Para conquistar as jovens mulheres por quem se interessa, e até mesmo para que ajam de forma que lhe beneficie, Lydia é galante, atenciosa, fala o que desejam ouvir e manipula as situações para oferecer favores e privilégios. Da mesma forma, descarta-as quando não precisa mais delas.
A personagem se enquadra então em dois estereótipos principais: o da mulher em posição de poder que assume uma postura dura e inflexível, tida por muitos como masculinizada. E o da mulher manipuladora, que usa as pessoas, trai e engana com facilidade.
Essa construção não se dá de forma simplista e sim como camadas de uma personagem complexa e profunda. Por isso, consideramos importante pontuar os estereótipos reconhecidos, mas conferimos nota 2 nesta análise por considerar que a personagem principal possui poucos estereótipos. Definitivamente Lydia não é uma personagem rasa, apesar de podermos reconhecer alguns traços estereotipados em seu desenvolvimento.
Raça
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem não branco?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?
Reprovado.
Max, o aluno de Julliard que conversa com Lydia sobre não gostar de Bach por sua misoginia, é negro e pansexual. Esses são fatores relevantes na cena para compor o debate entre duas pessoas de grupos minoritários. É relevante o fato de Lydia (ela própria sendo uma mulher lésbica) debater ferozmente e ironizar um aluno negro e LGBTQIA+. A cena teria um sentido diferente caso ele fosse branco e/ou heterossexual.
Apesar da importância da cena, Max não tem arco dramático próprio.
Não foi possível identificar a raça de Petra, filha de Sharon e Lydia, mas é marcante a conversa entre suas mães sobre hematomas que estão surgindo nas pernas da menina ao voltar da escola. Elas debatem que é possível que as marcas sejam resultado de agressões motivadas por um pensamento de supremacia racial. A criança que elas suspeitam que seja a agressora, Johanna, é branca e loira. Com isso, compreende-se que Petra é considerada não branca.
Apesar disso, a menina não tem arco dramático próprio no filme. Dessa forma, a obra reprova neste teste.
Apresentação de estereótipos
Como é a representação dos personagens não-brancos (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 2.
Os dois personagens mencionados no item anterior, Max e Petra, são secundários e sem estereótipos.
LGBTQIA+
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem LGBTQIA+?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?
Aprovado.
A obra apresenta vários personagens LGBTQIA+ além de Lydia: Sharon, Eliot, Adrian, Sebastian e Max.
Francesca, Krista e Olga são estudantes e pupilas da protagonista. Não temos informações sobre sua sexualidade, apenas indícios de um possível envolvimento com Lydia. No entanto, como essas relações envolvem uma dinâmica tóxica e de abuso de poder, não é possível afirmar se elas são LGBTQIA+ ou se foram pressionadas a se envolver com a mentora.
De qualquer forma, o filme passa no teste, pois Lydia tem arco dramático próprio e não estereotipado, como desenvolvido em tópico anterior.
Apresentação de estereótipos
Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 3
Cabe resgatar os estereótipos já abordados anteriormente: a mulher em posição de poder autoritária e masculinizada; e a mulher manipuladora e infiel. O fato de Lydia ser lésbica certamente afeta essa construção.
Tanto no afastamento das características consideradas femininas (passividade, cordialidade e docilidade), o que muitas vezes é “justificado” nas narrativas pelo fato das personagens serem lésbicas, quanto no estereótipo da mulher falsa. Enquanto mulheres de forma geral já sofrem com o estigma de serem manipuladoras e de usar o sexo para obter favores, personagens lésbicas e bissexuais muitas vezes são construídas sob a ideia de serem enganadoras e traiçoeiras. Isso obviamente parte de uma interpretação masculina de se sentir ludibriado e preterido. Nesse sentido, um dos estereótipos comuns nas narrativas de personagens lésbicas e bissexuais é o de serem muito sexualizadas e infiéis, não sendo dignas de confiança.
Apesar de se encaixar nessas duas imagens, cabe destacar que a construção de Lydia foge de outros tantos estereótipos e fórmulas comuns a histórias de personagens LGBTQIA+. Tár não é sobre uma personagem confusa e tentando se entender, saindo do armário, escondendo um relacionamento, lidando com a não aceitação da comunidade e/ou sofrendo violência.
Lydia não é resumida à sua sexualidade, nem é sexualizada para olhares masculinos. A personagem é uma grande profissional, respeitada pelos colegas, pelo público e pelos pupilos. Ela se sente confortável sendo quem é, se apresenta publicamente como “lésbica de carteirinha” e assumiu seu relacionamento perante a mídia há anos.
Os outros personagens LGBTQIA+ da narrativa também são desenvolvidos sem estereótipos. Tendo em vista o tanto que é raro ter uma protagonista lésbica tão bem construída e ter essa quantidade de personagens LGBTQIA+ em uma obra, com papéis de destaque e tempo de tela, optamos por dar nota máxima na representação de personagens LGBTQIA+ no filme. Os estereótipos apontados anteriormente servem como reflexão, mas não fazem contraponto à boa representação geral da obra.
PcD
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?
Reprovado.
No apartamento vizinho ao da protagonista, vivem uma mulher e sua mãe. Os comportamentos e a comunicação da mais jovem deixam entender que ela possa ter alguma deficiência intelectual, mas isso não é abordado e não fica claro. Posteriormente, quando a mãe falece, a irmã a interna e não sabemos mais nada sobre ela.
Não há clareza sobre a personagem ser PcD. De qualquer forma ela não tem arco dramático próprio.
Apresentação de estereótipos
Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 0
Tendo em vista a falta de clareza exposta no item anterior, considera-se que não há PcD no filme para fins desta análise.