Foram encontradas 720 cenas de violência, uma média de 36 cenas de violência, nos 20 filmes brasilienses da pesquisa Cinema Brasiliense: gênero e representação, na qual foram analisados 20 filmes de longa-metragem de ficção produzidos ou coproduzidos por empresas do Distrito Federal, lançados comercialmente em salas de cinema no Brasil, de 1995 a 2018.
Dentro da pesquisa, foi investigado o uso da Violência como recurso narrativo pela perspectiva de gênero e raça. Para isso, foi criado um instrumento de análise da representação da violência como linguagem. O instrumento foi construído utilizando o teste de representação Barnett.
A violência como linguagem foi um termo criado a partir deste estudo para descrever a violência utilizada como forma de linguagem, sendo composta por três dimensões:
- o desengajamento moral;
- a violência como forma de resolução de conflitos; e
- as performatividades da heteronormatividade e da masculinidade.

O desengajamento moral está relacionado com a aprovação ou reprovação das cenas de violência em filmes por aqueles que provocam, recebem ou presenciam essas ações, com a utilização de recursos narrativos que tiram a responsabilidade do agressor e/ou culpam a vítima.
A performatividades da heteronormatividade e da masculinidade é a naturalização das relações de poder e dos papéis de gênero, a partir de formas heteronormativas e masculinas para se encaixar no que é esperado de seu gênero.
A violência como forma de resolução de conflitos é quando a violência é usada como estratégia de ação para resolver conflitos pessoais. Esta dimensão foi construída com três itens: se a violência foi usada como resolução do conflito, se o conflito foi resolvido e se ela marca o arco dramático de algum personagem. A questão do arco dramático não apareceu nos resultados como relacionado à violência nos filmes.
O Teste Barnett, inspirado no Bechdel, tem como intuito analisar a relação entre o estereótipo do gênero masculino e a prática da violência, com a análise de duas perguntas:
- O filme possui pelo menos duas mulheres e dois homens, conversando entre si, e o assunto do diálogo entre as pessoas de mesmo gênero vai além de falar sobre o sexo oposto?
- Se há alguma violência, ela é retratada com humor ou falta de seriedade; ou como normal ou aceitável; ou ainda como se alguém merecesse a violência?
Resultados
Foram encontradas 720 cenas de violência, uma média de 36 cenas de violência por filme. Todavia, em relação à duração das cenas, a maior parte dos filmes apresenta uma minutagem de violência baixa. Algumas poucas obras apresentam tempos longos de violência.

As cenas de violência foram caracterizadas apenas em relação à violência física, o que inclui também atos de violência praticados em contextos de “camaradagem/brincadeira”.
Cada cena foi identificada em relação a quem inicia a violência e quem a recebe, quanto ao gênero, orientação sexual e raça. Porém, não houve resultados suficientes para analisar a orientação sexual.
Nos filmes em que mulheres interagem mais entre si, é perceptível o desenvolvimento de uma dinâmica que não se apoia na violência e o roteiro prioriza outras formas de contar histórias. Nas narrativas em que os homens se relacionam mais uns com os outros, porém, a violência costuma ser uma escolha mais frequente como forma de desenvolvimento do enredo.
Os filmes analisados desenvolvem as cenas de violência focando mais em quem é o personagem violento do que em quem é o alvo da violência. Por isso, foi possível ter mais informações sobre quem começa a violência do que sobre quem sofre.
A partir da análise, percebeu-se que quando homens cis iniciam a violência, ela é validada pelos personagens, além desses homens serem representados em padrões heteronormativos.

Os personagens cuja violência foge da representação heteronormativa são mostrados como pessoas que comumente usam a violência para resolver seus problemas (mulheres trans) e mais propensos a serem responsabilizados por seus atos violentos (personagens não binários).

As violências praticadas pelas mulheres (supostamente cis) costumam ser consideradas mais aceitáveis/normais do que as praticadas pelas mulheres trans. Quando as mulheres trans iniciam a violência, elas são altamente reprovadas.
Os indígenas são representados como o grupo mais violento, mas ao mesmo tempo sua violência é tratada pelas obras como algo justificável. Os pardos são os que cometem violências mais leves, normalmente não as utilizam como forma de resolver conflitos e que são mais vinculadas à heteronormatividade. Os personagens pretos são os mais responsabilizados quando cometem atos de violência.

Em relação à vítima, as mulheres cis são as que mais sofrem com a violência heteronormativa. O grupo dos personagens indígenas é retratado associado a violências severas, tanto como agressor quanto como agredido.
Os filmes analisados
Entre 1995 e 2018, foram realizados 20 longas de ficção, excluindo o estilo experimental, por produtoras ou coprodutoras do DF. Esse é o recorte da pesquisa. Vale ressaltar que nos 23 anos analisados, entre os 20 filmes brasilienses lançados em salas de cinema, apenas um foi dirigido por uma mulher: Um assalto de fé, de Cibele Amaral.
Os filmes em análise são:
Ano de Lançamento | Título | Direção |
1995 | Louco por Cinema | André Luiz Oliveira |
1999 | No Coração dos Deuses | Geraldo Moraes |
2005 | As Vidas de Maria | Renato Barbieri |
2005 | Filhas do Vento | Joel Zito Araújo |
2006 | A Conspiração do Silêncio | Ronaldo Duque |
2009 | Se Nada Mais Der Certo | José Eduardo Belmonte |
2010 | Federal | Erik de Castro |
2011 | Simples Mortais | Mauro Giuntini |
2011 | Um Assalto de Fé | Cibele Amaral |
2013 | A Última Estação | Márcio Curi |
2013 | Cru | Jimi Figueiredo |
2013 | Nove Crônicas para um Coração Aos Berros | Gustavo Galvão |
2014 | Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa | Gustavo Galvão |
2015 | Até que a Casa Caia | Mauro Giuntini |
2015 | Branco Sai Preto Fica | Adirley Queirós |
2015 | O Último Cine Drive-In | Iberê Carvalho |
2016 | O Outro Lado do Paraíso | André Ristum |
2016 | Uma Loucura de Mulher | Marcus Ligocki Júnior |
2018 | A Repartição Do Tempo | Santiago Dellape |
2018 | O Colar De Coralina | Reginaldo Gontijo |




















Informações da Pesquisa
Pesquisa Cinema Brasiliense: gênero e representação
O estudo foi contemplado no Edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) Audiovisual – n° 16/2018, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal.
Natália Brandino é a idealizadora do projeto. Ela é membro do Coletivo Arte Aberta e da Kocria Audiovisual.
