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Pesquisa “Cinema Brasiliense: gênero e representação” é lançada

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A pesquisa Cinema Brasiliense: gênero e representação investiga como os filmes de Brasília apresentam os papéis de gênero, reforçando ou quebrando estereótipos. O estudo analisa a representação dos personagens em relação à identidade de gênero, sexualidade e raça, além da representatividade na ficha técnica e no elenco principal das obras selecionadas.

No estudo, a representação refere-se a como os personagens são apresentados na narrativa. A representatividade diz respeito a quem está realizando a obra, nas funções técnicas e na atuação.

Na pesquisa, foram analisados 20 filmes de longa-metragem de ficção produzidos ou coproduzidos por empresas do Distrito Federal, lançados comercialmente em salas de cinema no Brasil, de 1995 a 2018.

O estudo foi contemplado no Edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) Audiovisual – n° 16/2018, da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal. Natália Brandino é a idealizadora do projeto. Ela é membro do Coletivo Arte Aberta e da Kocria Audiovisual.

Para Natália Brandino,

“dentro do esforço social e político para a criação de diretrizes inclusivas e diminuição do desequilíbrio entre gêneros, as obras audiovisuais devem sempre ter um destaque especial, pois não apenas refletem a sociedade, mas principalmente servem como ferramenta para educar e transformar concepções pré-estabelecidas arraigadas culturalmente”.

A pesquisa completa está disponível no portal: www.representacaonoaudiovisual.com

Os filmes analisados

Entre 1995 e 2018, foram realizados 20 longas de ficção, excluindo o estilo experimental, por produtoras ou coprodutoras do DF. Esse é o recorte da pesquisa. Vale ressaltar que nos 23 anos analisados, entre os 20 filmes brasilienses lançados em salas de cinema, apenas um foi dirigido por uma mulher: Um assalto de fé, de Cibele Amaral.

Os filmes em análise são:

Ano de LançamentoTítuloDireção
1995Louco por CinemaAndré Luiz Oliveira
1999No Coração dos DeusesGeraldo Moraes
2005As Vidas de MariaRenato Barbieri
2005Filhas do VentoJoel Zito Araújo
2006A Conspiração do SilêncioRonaldo Duque
2009Se Nada Mais Der CertoJosé Eduardo Belmonte
2010FederalErik de Castro
2011Simples MortaisMauro Giuntini
2011Um Assalto de FéCibele Amaral
2013A Última EstaçãoMárcio Curi
2013CruJimi Figueiredo
2013Nove Crônicas para um Coração Aos BerrosGustavo Galvão
2014Uma Dose Violenta de Qualquer CoisaGustavo Galvão
2015Até que a Casa CaiaMauro Giuntini
2015Branco Sai Preto FicaAdirley Queirós
2015O Último Cine Drive-InIberê Carvalho
2016O Outro Lado do ParaísoAndré Ristum
2016Uma Loucura de MulherMarcus Ligocki Júnior
2018A Repartição Do TempoSantiago Dellape
2018O Colar De CoralinaReginaldo Gontijo

Os três eixos da pesquisa

A pesquisa tem três eixos:  1) Papéis tradicionais de gênero e sua representação;  2) Violência como recurso narrativo pela perspectiva de gênero e raça; e 3) Representatividade e representação na ficha técnica e elenco em relação a gênero, raça e pessoas LGBTQIA+.

A análise foi pensada a partir da aplicação de quatro testes de representação de gênero no audiovisual: Bechdel, Mako Mori, Tauriel e Barnett. Porém, a pesquisa foi além. Sob a orientação da professora doutora Amalia Nebra, foram construídos instrumentos de análise para cada eixo.

A pesquisa completa, que inclui um documento próprio por eixo, foi lançada em um relatório geral e em um portal para que os resultados possam ser acessados por pesquisadores, formuladores de políticas públicas, cineastas, trabalhadores do audiovisual e pessoas interessadas em geral.

Resultados

Eixo 01: Papéis tradicionais de gênero e sua representação

No eixo Papéis tradicionais de gênero e sua representação, foi criado um questionário a ser respondido pelos pesquisadores sobre a representação dos papéis de gênero, usando medidas de papéis tradicionais de gênero e testes de representação

Em relação às medidas de papéis tradicionais de gênero, foram utilizados dois inventários: Inventário de papéis de gênero de comportamentos tradicionais e não tradicionais da mulher (Diane R. FOLLINGSTAD; Elizabeth A. ROBINSON, 1985) e Escala de Comportamento Masculino (MBS) de William E. Snell (1989).

Os testes de representação são utilizados para analisar a presença, a participação e a profundidade de determinado grupo em uma obra. Na pesquisa, foram adaptados testes que avaliam o papel da mulher na narrativa para analisar também os homens. Neste eixo, foram levados em consideração os testes Bechdel, Mako Mori e Tauriel. 

O Teste Bechdel, o mais popular entre eles, faz três questionamentos: existem pelo menos duas mulheres com nome no filme? Elas conversam entre si? Sobre algo que não seja homem?

Para a aprovação no Teste Mako Mori é preciso que o filme tenha pelo menos uma personagem feminina, com arco narrativo e que esse arco não seja apoiado em um homem. 

O Teste Tauriel consiste em responder apenas duas perguntas: existe uma mulher na obra audiovisual? Ela é boa no seu trabalho? Na adaptação do teste foi acrescida uma terceira pergunta dependente de resposta positiva à segunda: a personagem abandona o seu trabalho por causa de um interesse romântico, explícito ou implícito? 

Os resultados encontrados apontam que a maioria (60%) das medidas de papéis de gênero tradicionais apareceram nas obras – medidas criadas ainda nos anos 80.

Além disso, foram encontrados outros resultados, como:

  • Há uma maior representação de homens do que de mulheres; 
  • Os gêneros dos protagonistas mostram-se excludentes na obra – quando homens ou mulheres têm maior representação, os outros tendem a aparecer menos; 
  • Quando os homens desenvolvem trabalhos considerados masculinos, é menos provável que eles dividam as tarefas, e menos provável que as mulheres tenham independência;
  • Quando as mulheres desenvolvem trabalhos considerados masculinos, elas tendem a ser mais independentes, assertivas, competentes e se relacionam melhor com as outras mulheres;
  • Quando os homens desenvolvem trabalhos considerados femininos, é mais provável que eles dividam as tarefas com as mulheres e que elas tenham independência;
  • Atividades profissionais estereotipicamente masculinas tendem a ser melhor desempenhadas de forma geral e levadas mais a sério nos filmes do que o trabalho estereotipicamente feminino;
  • Quando as personagens femininas possuem arcos dramáticos próprios, os personagens masculinos são menos estereotipados (realizam atividades estereotipicamente femininas) e há uma divisão mais igualitária de tarefas;
  • Quando os homens têm arcos dramáticos próprios, isso diz respeito principalmente a eles, em relação à assertividade, independência e ao comportamento (mais positivo) entre homens e mulheres;
  • Fatores relacionados às mulheres são predominantemente vinculados às personagens femininas, mas também trazem consequências importantes para os personagens masculinos. Mais do que o que acontece em sentido contrário; e 
  • Quando as obras focam na competência profissional masculina, o filme chama atenção para o seu corpo de forma sexualizada. Ocorre também de o filme chamar atenção de forma expressa para características físicas (de homens e mulheres).

Eixo 02: Violência como recurso narrativo pela perspectiva de gênero e raça

No eixo Violência como recurso narrativo pela perspectiva de gênero e raça, foi criado um instrumento de análise da representação da violência como linguagem. O instrumento foi construído utilizando o teste de representação Barnett.

O termo violência como linguagem foi nomeado pela pesquisa para descrever a violência utilizada como forma de linguagem, sendo composta por três dimensões: o desengajamento moral; a violência como forma de resolução de conflitos e as performatividades da heteronormatividade e da masculinidade.

O Teste Barnett analisa duas perguntas: 1) O filme possui pelo menos duas mulheres e dois homens, conversando entre si, e o assunto do diálogo entre as pessoas de mesmo gênero vai além de falar sobre o sexo oposto? e 2) Se há alguma violência, ela é retratada com humor ou falta de seriedade; ou como normal ou aceitável; ou ainda como se alguém merecesse a violência?

O desengajamento moral está relacionado com a aprovação ou reprovação das cenas de violência em filmes – por aqueles que provocam, recebem ou presenciam essas ações -, com a utilização de recursos narrativos que tiram a responsabilidade do agressor e/ou culpam a vítima (BANDURA; BARBARANELLI; CAPRARA; PASTORELLI, 1996).

A performatividade da heteronormatividade e da masculinidade diz respeito à naturalização das relações de poder e dos papéis de gênero, a partir de formas heteronormativas e masculinas para se encaixar no que é esperado de seu gênero.

A dimensão da violência como forma de resolução de conflitos foi construída com três itens: se a violência foi usada como resolução do conflito, se o conflito foi resolvido e se ela marca o arco dramático de algum personagem. A questão do arco dramático, porém, não apareceu nos resultados como relacionado à violência nos filmes.

Foram encontradas 720 cenas de violência, uma média de 36 cenas de violência por filme. Todavia, em relação à duração das cenas, a maior parte dos filmes apresenta uma minutagem de violência baixa. Algumas poucas obras apresentam tempos longos de violência.

Os principais resultados encontrados foram: 

  • Os filmes utilizam violência como linguagem por meio de estereótipos vinculados ao gênero e à raça em diferentes níveis;
  • Quando se trata de homens cis com padrão heteronormativo, a violência tende a ser validada;
  • Mais participação feminina nas obras corresponde a menos violência;
  • Mulheres trans são mais responsabilizadas quando cometem a violência;
  • Mulheres cis são as que mais sofrem com a violência considerada heteronormativa;
  • Indígenas são retratados como mais violentos, seus atos violentos costumam ser mais justificados, e a violência em torno deles tem grau mais severo;
  • Pretos são mais responsabilizados;
  • Pardos são os que cometem violência mais branda.

Eixo 03: Representatividade e representação na ficha técnica e elenco em relação a gênero, raça e pessoas LGBTQIA+

No eixo Representatividade e representação na ficha técnica e elenco em relação a gênero, raça e pessoas LGBTQIA+, foi realizada a análise da equipe técnica e do elenco principal, além de uma pesquisa sobre a representação geral de cada obra pela perspectiva de gênero, raça e LGBTQIA+ a partir dos personagens principais do filme.

Em relação à representatividade na ficha técnica, foram encontrados os seguintes resultados principais:

  • A única obra dirigida por uma mulher é “Um Assalto de Fé”, de Cibele Amaral;
  • Não há representatividade de pessoas não binárias, amarelas e/ou indígenas, nem de mulheres negras na direção e no roteiro;
  • Lu Teixeira, em “Até que a Casa Caia”, é a única mulher que ocupa a função de roteirista sozinha. As demais roteiristas dividem a função com homens;
  • A direção de arte é a função com maior representatividade feminina. Não há representatividade de pessoas não binárias e indígenas, nem de mulheres negras na direção de arte;
  • A produção executiva é a segunda função com maior representatividade feminina. Não há representatividade de pessoas não binárias, amarelas e/ou indígenas na produção executiva. Carina Bini, do filme “O Colar De Coralina”, é a única mulher na produção executiva classificada como negra (parda). 

Na análise do elenco principal, dos 20 filmes analisados, 41% dos atores são mulheres e 59% homens. Em relação à raça, 76% são brancos e 24% negros (5% pardos, 19% pretos). Não houve representatividade de pessoas não binárias, amarelas e/ou indígenas no elenco principal. Além dessa análise geral, há alguns resultados que valem o destaque:

  • “O Colar de Coralina” tem 100% do elenco principal composto por mulheres;
  • “As Vidas de Maria” traz uma narrativa voltada para uma protagonista mulher de forma quase exclusiva;
  • “Uma Loucura de Mulher” também traz o protagonismo de uma mulher;
  • “Filhas do Vento” centra a narrativa em mulheres negras;
  • “Branco Sai Preto Fica” foi o filme com maior representação negra no elenco (com 100% de profissionais pretos).

Pesquisadores

Natália Brandino Criação, Coordenação e Pesquisa

Natália Brandino é sócia e produtora executiva da empresa Kocria Audiovisual, produtora executiva da GAYA Filmes e faz parte do Coletivo Arte Aberta

A origem dessa pesquisa é o desdobramento da monografia desenvolvida por ela como parte da pós-graduação em Cinema e Linguagem Audiovisual da Estácio Sá: “A mulher nos filmes nacionais”. Neste estudo, foi analisada a representatividade da mulher nos maiores sucessos de bilheteria de filmes brasileiros no período de 1995 e 2010. Esse estudo foi selecionado para compor a Revista Filme Cultura nº 63 – Mulheres, câmera e telas.

No Arte Aberta, Natália iniciou as análises de representatividade e representação sobre os indicados ao Oscar, criando o selo #ElasNoOscar. Desde 2018, o Arte Aberta faz análise dos filmes indicados à categoria de Melhor Filme no Oscar. Com o desenvolvimento dos estudos sobre representação e representatividade da pesquisadora Natália, foi criado o Teste Arte Aberta. 

Natália Brandino é bacharel em Administração de Empresas (2011), pós-graduada em Marketing e Cadeia de Valor (2013) ambos pelo UniCEUB, em Cinema e Linguagem Audiovisual (2017) pela Estácio Sá e MBA em Controladoria e Finanças (2018) pela UDF. Desde 2012, se dedica à produção audiovisual e estudos interdisciplinares da área. 

Amalia Raquel PerezOrientação 

Professora visitante da Universidad de Zaragoza. Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela UNB-DF, mestre e graduada em psicologia. Foi diretora da Sociedade Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho, é membro do GT da Associação Nacional de Pesquisa da Pós-graduação (ANPEPP), da International Association of Applied Psychology.

Bárbara AlpinoPesquisa e Revisão 

Formada em Comunicação Social com habilitação em Audiovisual pela Universidade de Brasília UnB (2011). Servidora do Ministério da Cultura (atualmente Secretaria Especial da Cultura) desde 2013. Integrante da Comissão Editorial da Revista Filme Cultura desde 2016 (edições 62-64). Também integra o Coletivo Arte Aberta que tem como objetivo promover a visibilidade e questionamento de gênero no audiovisual, em que atua tanto como redatora quanto como ilustradora.

Lina TávoraPesquisa e Assessoria de Comunicação

Jornalista, formada pela Universidade Federal do Ceará (UFC) (2004), Mestra em Comunicação/Cinema pela Universidade de Brasília (UnB) (2010). Servidora do Ministério da Cultura (atualmente Secretaria Especial da Cultura) desde 2010. Editora da revista Filme Cultura nas edições 62 a 64. Fundadora e integrante do Arte Aberta (https://arteaberta.com/) e dos Irmãos Estoicos (http://www.irmaosestoicos.com/).

Luciana Ribeiro RodriguesPesquisa

Membro do coletivo Arte Aberta. Graduada em Letras Português pelo UniCEUB (2012) e em Comunicação Social com habilitação em Audiovisual pela Universidade de Brasília – UnB (2010). Servidora do Ministério da Cultura (atualmente Secretaria Especial da Cultura) desde 2013. Atuou nas áreas de formulação de editais, de admissibilidade de projetos e de prestação de contas.

Rafael da Silva Maximiniano – Pesquisa, Revisão e Acessibilidade

Graduado em História pela Universidade de Brasília, e especialista em Acessibilidade Cultural pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Membro do Coletivo Arte Aberta.

Risla Lopes Miranda Pesquisa e Acessibilidade

Membro do Coletivo Arte Aberta. Graduada em Pedagogia (UnB), especialista em História (UniCEUB) e em Acessibilidade Cultural (UFRJ) e mestra em Direitos Humanos (UnB). Já atuou em políticas de cultura, gênero, educação e formação audiovisual no âmbito do Governo Federal. 

Pesquisa Cinema Brasiliense: gênero e representação

Portal: www.representacaonoaudiovisual.com

E-mail: representacaonoaudiovisual@gmail.com

Por Natália Brandino

Tem a mania de analisar, segmentar, e planejar. Mas também de conversar de séries e bobagens da vida. Não se engane com a seriedade aparente da capricorniana que sempre se esconde atrás de um livro.

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