O beco do pesadelo foi dirigido e roteirizado por Guillermo del Toro – Kim Morgan também roteirizou o filme – e foi indicado em quatro categorias no Oscar 2022: filme, design de produção, figurino e fotografia. O filme é baseado no romance homônimo escrito por William Lindsay Gresham e já teve uma outra versão para o cinema lançada em 1947 que foi dirigida por Edmund Goulding, um ano após o lançamento do livro.
A narrativa é ambientada nos anos 1940 nos Estados Unidos e o circo é o principal local de interação e construção dos personagens principais. O filme consegue trazer diversos sentimentos conflitantes e a tensão aparece em vários momentos, posso até dizer que há aquele toque de realismo mágico característico de del Toro.
Arrisco dizer que, por ser co-roteirizado por uma mulher, temos algumas personagens interessantes, mas que, infelizmente, têm pouco tempo de tela e não necessariamente possuem arco dramático, ainda que tenham escalado atrizes conhecidas, como Lara Jean Chorostecki, que aparece em duas cenas no filme inteiro.
Sinopse geral do filme
De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers
Stan (Bradley Cooper) se afasta de uma casa na qual enterrou um corpo e chega à cidade onde está acontecendo a última sessão de um circo. Ao procurar um emprego ali, começa a reconhecer as oportunidades que o lugar pode trazer a ele, além de se apaixonar e trazer à tona seu lado ambicioso e nada empático.
A ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
O filme é composto basicamente por pessoas brancas, há apenas um homem negro que interpreta o contorcionista do circo, mas não possui fala e quase nenhum tempo de tela. Não há também personagens abertamente LGBTQIA+. Portanto, ficamos na análise das mulheres e do personagem de Mark Povinelli, que interpreta Major.
Povinelli é uma pessoa com nanismo e seu personagem faz alguns atos no circo com Bruno (Ron Perlman). Major é focado e muito confiante, bate de frente com os outros e inclusive chama a atenção de Stan quando estão montando um novo ato para Molly (Rooney Mara) exigindo que não se abaixe para falar com ele. Porém não sabemos muito sobre a história de Major, restando a ele um papel secundário.
As mulheres no filme são personagens interessantes e com personalidades diferentes. Apesar disso, três delas se envolvem romanticamente ou sexualmente com Stan. Destaco aqui duas mulheres: Molly e Dra. Lilith (Cate Blanchett). Molly é interesse romântico de Stan desde o início e não responde às investidas dele de imediato. Apesar de ser insegura e calada, Molly consegue questionar Stan nas suas decisões nada justas. Os dois aperfeiçoam os truques e deixam o circo para se apresentar para plateias ricas.
Dra. Lilith é uma psicóloga e PhD que tenta desmascarar Stan em uma de suas apresentações nos hotéis chiques. Dra. Lilith certamente é cética e, apesar de colaborar com os esquemas de Stan para enganar milionários – utilizando o que ouviu dos seus pacientes em sessões de terapia -, a psicóloga é manipuladora e consegue desarmar o protagonista.
Representatividade (gênero, raça e LGBTQIA+/PcD) na ficha técnica: Direção e Roteiro*
Baseado no F-Rated
A direção é de Guillermo del Toro, que co-roteiriza com Kim Morgan. Del Toro é homem, cis, branco, hétero e sem deficiência. Morgan é mulher, cis, branca, hétero e sem deficiência.
Assim, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta por 0% de profissionais não brancos, 0% de LGBTQIA, 0% de PcD e 33,33% de mulheres, uma vez que temos apenas Kim Morgan como roteirista e Guillermo del Toro ocupando os cargos de direção e de roteiro.
Representatividade (gênero, raça e LGBTQIA+/PcD) no elenco principal*
Créditos iniciais/finais
Nos créditos finais foram identificados 17 nomes: Bradley Cooper, Cate Blanchett, Toni Collette, Willem Dafoe, Richard Jenkins, Rooney Mara, Ron Perlman, Mary Steenburgen, David Strathairn, Holt McCallany, Peter MacNeill, Mark Povinelli, Jim Beaver, Tim Blake Nelson, Clifton Collins Jr, Paul Anderson e Lara Jean Chorostecki.
Temos, portanto, apenas 29,41% de mulheres no elenco principal (Cate Blanchett, Toni Collette, Rooney Mara, Mary Steenburgen e Lara Jean Chorostecki). Não há informação pública sobre a orientação sexual dos atores e atrizes, a maioria dos homens é casada com mulheres e a maioria das mulheres tem parceiros homens, portanto, será considerado 0% de profissionais LGBTQIA+. Quanto à raça, temos 0% de pessoas não brancas. Como há apenas uma pessoa com deficiência – Mark Povinelli – ficamos com 5,88% de PcD no elenco principal.
Análise da Representação das Mulheres
Bechdel-Wallace
As mulheres têm nome? Se falam por mais de 60 segundos sobre outro assunto que não seja homens?
Aprovado.
O filme é aprovado por conta do diálogo entre Zeena (Toni Collette) e uma pessoa chamada Abigail, que está no público durante seu ato de adivinhação. Esse diálogo gira em torno da mãe da espectadora. É importante mencionar que a atriz que interpreta Abigail não consta no elenco principal.
Mako-Mori
Tem mulher? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa do homem? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Aprovado.
A aprovação veio da construção da Dra. Lilith, uma vez que há uma mudança de perspectiva para que o público entenda que ela é manipuladora. Apesar de no início a vermos como apenas uma colaboradora de informações e também como fonte de conhecimento sobre a vida pregressa de Stan, mais para o final do filme conseguimos enxergar a verdadeira face manipuladora e egoísta dela. Dra. Lilith troca o dinheiro de Stan, temos a impressão de que ela sabe que ele teve acesso às gravações das sessões com os pacientes, atira nele como forma de defesa e ainda se aproveita da vulnerabilidade de Stan com o álcool, incentivando-o, de certa forma, a beber. Há uma clara mudança de perspectiva da personagem, além de ser bastante firme com o Stan.
Infelizmente, as outras mulheres – Zeena, Louise (Lara Jean Chorostecki) e Sra. Kimball (Mary Steenburgen) – não possuem arco dramático independente e Molly tem sua construção inteira vinculada ao personagem de Stan, seja como par romântico, seja para que ela entre em determinadas situações que aparecem ao longo da narrativa.
Tauriel
Houve mulher(es) com atividade profissional definida? Quão competentes são as mulheres em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo 1 – muito incompetente e 5 – muito competente) Houve reconhecimento dessa competência?
Aprovado. Nota 4.
Apesar de a maioria das mulheres não apresentarem arco dramático próprio, temos Zeena e Dra. Lilith como personagens competentes nas suas respectivas áreas de atuação. Zeena aperfeiçoou seu ato com muita dedicação e, como não consegue mais contar com a ajuda do parceiro alcoólatra, consegue improvisar e se virar no meio de sua apresentação, arrancando suspiros e confiança do público.
Dra. Lilith é PhD e possui um escritório suntuoso. Ela é procurada por pessoas ricas e reservadas para sessões de terapia, sendo, portanto, referência para análise psicológica. Ela consegue chegar ao fundo de homens poderosos e reservados, que a matariam se soubessem que ela compartilhou seus segredos. Entretanto, como ela quebra o código de ética profissional ao contar o que foi dito em sessão terapêutica, isso faz com que a competência dela seja questionada. É possível compreender que ela também é rica e que o dinheiro é fruto direto do seu trabalho como psicóloga. Lilith inclusive corrige Stan quando ele a chama de senhora, dizendo a ele que é doutora.
Representação dos Personagens
Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representada e personagem principal sem estereótipos
2 – Personagens secundários ou com poucos estereótipos.
Temos muitas mulheres interessantes, mas apenas Dra. Lilith tem um arco dramático complexo e bem construído. Molly, por exemplo, é construída de forma insegura e ingênua, apesar de no final pôr um fim no relacionamento com Stan. Zeena muitas vezes não é levada a sério por Stan, que critica seu trabalho. Além disso, três das cinco mulheres se envolvem romanticamente ou sexualmente com Stan.
Análise da Representação de Raça
Mako Mori
Tem personagem não branco? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Reprovado.
Não há personagem não branco na narrativa principal.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos
0 – Não tem.
Análise da Representação LGBTQIA+
Mako Mori
Tem personagem LGBTQIA+? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Reprovado.
Não há nenhum personagem LGBTQIA+ na narrativa.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos)
0 – Não tem.
Análise da Representação PcD (Pessoas com Deficiência)
Mako-Mori
Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? O arco dramático é apoiado na narrativa de um par romântico?
Reprovado.
Temos uma pessoa com deficiência no filme. Major é um bom personagem, mas não tem arco dramático próprio. Ele funciona como um personagem de alívio cômico e que enfrenta Stan sobre sua relação com Molly, além de ser apresentado como o “menor homem do mundo” no circo.
Representação dos Personagens
Como é a representação dos personagens PcD (escala de -1 a 3), sendo -1, estereótipos negativos; 0, não tem; 1, personagem de apoio ou com estereótipos; 2, personagens secundários ou com poucos estereótipos; 3, muito bem representado e personagem principal sem estereótipos)
1 – Personagem de apoio ou com estereótipos.
Major é personagem de apoio e é cômico. É seguro e confiante, mas isso contrasta com suas falas engraçadas e a construção do absurdo em cima de sua força descomunal nos atos do circo.