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A narrativa da lenda de Candyman revisitada por uma mulher negra

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candyman: diretora Nia DaCosta

(contém spoilers)

Candyman, dirigido e escrito – junto com Jordan Peele e Win Rosenfeld – por Nia DaCosta, foi lançado no final de agosto deste ano. Infelizmente, com a pandemia ainda acontecendo, não pude assisti-lo nos cinemas. Digo isso porque seria um ótimo filme para assistir na tela enorme, com um ótimo som, no escuro. Não digo isso simplesmente porque é um filme de terror – até porque eu morro de medo e me assusto independentemente se estou no cinema ou em casa -, mas sim um filme que vale a pena a experiência de cinema para estar imersa na tensão e fotografia de um filme dirigido por uma mulher negra e com o elenco em sua maioria de pessoas negras.

O protagonismo negro de Candyman não se faz só na escolha dos personagens principais, mas também na própria história a ser contada, que tem um aspecto de continuação do filme Candyman de 1992 dirigido por Bernard Rose. O filme de 1992 já trouxe alguns questionamentos como gentrificação e racismo, mas com protagonismo de uma mulher branca de olhos azuis.

Candyman de 1992

O filme original foi escrito e dirigido por Bernard Rose e teve como inspiração o conto The Forbidden, escrito por Clive Barker. A lenda construída por Rose é a de um homem negro filho de escravizado que se apaixona por uma mulher branca e, depois de engravidá-la, é morto pelo pai de sua amada. 

A narrativa, portanto, é de Candyman (Tony Todd) buscando sua amada – uma mulher branca. É aí que entra Helen Lyle, interpretada por Virgina Madsen, uma estudante de pós-graduação que está fazendo uma pesquisa sobre lendas urbanas e se depara com a lenda de Candyman em Cabrini-Green, um bairro de Chicago com habitações populares que servem de moradia para pessoas negras.

A lenda é: chamar Candyman cinco vezes na frente do espelho para invocá-lo. Ao se aprofundar na pesquisa sobre Candyman, Helen se vê em momentos de amnésia, pulsando o desespero que é tratado como loucura e surtos psicóticos por quem não vê Candyman. A tragédia anunciada acaba com a morte de Helen, que é queimada viva em uma fogueira junto com Candyman, mas consegue salvar o bebê de Anne-Marie antes de morrer. 

Candyman de 2021

Candyman ainda teve outros dois filmes – 1995 e 1999 – também dirigidos por homens brancos. Tony Todd continuou a interpretar Candyman e ainda eram mulheres brancas como protagonistas. Nia DaCosta traz a lenda de Candyman para 2021 com muita tensão, suspense e terror. 

A versão de Nia DaCosta pode ser considerada uma continuação do Candyman de 1992, já que temos muitas ligações com personagens e acontecimentos do filme de Rose. Mais do que uma continuação, Nia DaCosta transforma Candyman naquilo que deveria ter sido: uma história contada por pessoas negras. E Tony Todd volta como Candyman.

Temos flashbacks da década de 1970 em Cabrini-Green nos mostrando que já tínhamos Candyman por ali, atravessando buracos esquecidos nas moradias muitas vezes abandonadas por não serem tratadas como uma parte importante da cidade de Chicago.

Já em 2019, após ouvir a história de Helen, Anthony (Yahya Abdul-Mateen II), um artista negro em ascensão, precisa pensar na sua próxima exposição. Ao expor sua ideia sobre Cabrini-Green, gentrificação e moradias populares para população negra, Anthony percebe que o negociador de arte Clive (Brian King) se interessa pela questão. Assim começa a pesquisa artística de Anthony, fotografando, buscando a história de Helen, conversando com pessoas que viveram em Cabrini-Green. Ao fotografar a antiga igreja, Anthony é picado na mão por uma abelha. A picada se alastra pelo corpo de Anthony à medida que ele vai descobrindo mais informações sobre Candyman.

Anthony cria uma obra chamada “Say my name”, que acaba por trazer à tona a lenda de Candyman e a forma de invocá-lo, a partir daí temos diversas mortes de pessoas que invocaram Candyman. Na obra há o espelho encaixado no buraco na parede para se ter a visão de um cômodo escuro com obras pintadas por Anthony. 

O reflexo de Anthony começa a se confundir com o reflexo de Candyman. Mais uma vez, o desespero e o medo crescem e se expõem em um delírio, uma loucura de um homem negro que percebe que a história de Helen, Candyman e a dele se encontram de forma dolorosa. Anthony se joga na busca da história, buscando Candyman não só em seu reflexo ou na sua arte, mas também nessas ligações entre eles que perpassam uma história fundamentada no racismo e na supremacia branca.

Há muitas cenas angustiantes, cheias de dor, mas nada tão gráficas a ponto de tirar a narrativa do eixo de terror psicológico. Anthony descobre então que Candyman é uma colmeia e não apenas um homem. São vários homens negros mortos na história de forma cruel. Essa revelação deixa Anthony ainda mais próximo de Candyman e assustado. Quando Brianna (Teyonah Parris), sua namorada, tenta fazê-lo sair daquele estado de pavor, explode em medo, quebrando espelhos.

Outras revelações são feitas e delas é possível perceber a ligação direta com o primeiro filme de 1992. Por fim entendemos que “say his name” (diga o nome dele) é uma metáfora para lembrar de todas as pessoas negras que morreram de forma cruel, principalmente pela polícia de diversos cantos do mundo.

Por isso, diga o nome delas:

João Pedro Matos,

Ágatha Vitória,

Kathlen Romeu,

Ahmaud Arbery,

Breonna Taylor,

George Floyd.

E tantas outras pessoas negras que morreram em um mundo racista. Que não nos esqueçamos delas e de nossa responsabilidade em construir uma sociedade verdadeiramente antirracista.

CANDYMAN POSTER 2021

Por Risla Miranda

Brilha os olhos quando fala de direitos humanos e se vê um dia programando games. Discutir numa mesa de bar acompanhada de uma cerveja bem lupulada é o paraíso. Criatividade vai desde meme a criar estratégias de ação de projetos. Curtindo o rolê de contar histórias através de dados.

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