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Carta para Radha | The forty-year-old version | Cartas para elas

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Radha Blank

Radha,

Você quer expressar a sua arte da forma como você recebe a sua inspiração. E daí que, mesmo com a indicação de dramaturga de destaque antes dos 30 há mais de alguns anos atrás, agora a sua musa criativa conversa com você pelo rap? 

Você chorou de saudade de sua mãe, pediu ajuda ao acaso, pediu um sinal, e foi então que chegou aos seus ouvidos a música que transitava lá fora. Era isso que você faria: uma mixtape de hip hop aos 40!

Por que não? Por que ainda há uma compreensão de que existe uma hierarquia para a arte?  A expressão em si é a arte: são emoções transformadas em algo que se torna sensível ao outro, que é entregue ao mundo porque nos transborda; pode ser com tinta, com palavras, com cenas ou com rimas. A sua expressão, Radha, é falar sobre a sua trajetória, sobre não ser condescendente com a sua visão de mundo, com a sua ascendência e com a sua raça. Porque quando você prejudica a sua visão, quando você submete a versão da sua arte porque foi imposto que só assim ela seria vista, a sua expressão se perde, vira o oposto do que você gostaria que fosse comunicado. É sofrido assistir no que a sua peça está se transformando, e você sabe disso.

O que você acha de uma mulher aos 40 anos?

Você faz essa pergunta nos arredores do seu bairro. Eu quero saber a sua versão, Radha. Porque ela me parece real, tocante e comunicável. Sabe aquelas histórias que ouvimos de que nunca é tarde para alcançar seus objetivos? Então nos contam as histórias de Samuel L. Jackson, Vera Wang ou Julia Child. Elas parecem tão distantes e mágicas, longe do possível.

Em The forty-year-old version, me sinto ao seu lado, acompanhando o seu processo, testemunho o seu choro e o seu pedido de inspiração, torço para que você desamarre as ideias do que se pode ou não fazer aos 40 e desejo ver você como rapper e ao lado de um cara mais novo (que valoriza você como você é hoje, não quem você era há 10 anos).

Você não teve medo de mostrar que o processo de assumir as suas vontades, em um mundo que vomita regras o tempo todo, principalmente para as mulheres, não é simples, nem fácil, nem bonitinho. 

Aos 40, podemos não estar onde achávamos que estaríamos. Com você, partimos dessa premissa. Você olha para o seu troféu de “30 abaixo de 30 dramaturgas para ficar de olho”, um troféu que é uma promessa de futuro, e quase sinto você perguntar: “para onde foi aquela mulher que eu deveria ser hoje?” Mas acredite, Radha, porque eu insisto em acreditar, na frase de George Eliot: “Nunca é tarde demais para ser aquilo que você deveria ser”. Essa interessante frase escrita por uma mulher, Mary Ann Evans, que usou em sua vida o pseudônimo de um homem para que seu trabalho fosse aceito e que não fosse vinculado a estereótipos do que se entendia ser uma literatura feita por mulheres. Só não esqueça, Radha, que, na citação que trago aqui, esse “deveria” pode mudar também! 

E mais: que tempo delimitado é esse para colocar um x em caixinhas de opções que criamos ainda sem saber como seria o futuro (ou como seríamos nós no futuro)? Ah, destino, você sempre surpreende, e o nosso papel é acompanhar você, fazer o melhor com o que chega até nós! O que podemos fazer, Radha, então, é bater no peito e dizer: esta aqui sou eu, com o meu caminho e os meus fracassos que ajudaram a construir essa história, tanto ou mais do que um troféu empoeirado. A sua versão carrega as construções e as rachaduras de si, carrega a arte e a ausência de sua mãe, carrega a admiração e a frustração dos seu alunos, carrega a sua amizade com Archie com toda a sua beleza e intensidade (mesmo que seja preciso cortar alguns vínculos para que os dois continuem a crescer). 

E tudo isso está contido nessa obra em preto e branco, com o seu sarcasmo desviante e suas verdades descortinadas. Você escreveu, dirigiu e estrelou. É a sua obra, a sua expressão, a sua arte. Então nem sei para quem escrevo, se para a diretora ou se para a personagem. Tanto faz! Não importa que pontos são autobiográficos ou ficcionais, você está lá, sendo a protagonista de sua dramaturgia, sem saber ainda que o filme pronto seria mais um troféu. Espero, contudo, que diferente do outro, você não o olhe e se pergunte para onde foi essa mulher. Confio que você continue sendo a artista de si mesma, com respeito e sem condescendência que prejudique os seus valores. Você pode criar a sua cena, entendeu, seja em que meio artístico for? 

E daí que o seu processo de investigação pessoal deu-se aos 40. Sabe de quem eu lembrei? De Nadia, da série Boneca Russa, que no seu aniversário de 36 anos questiona se a mulher tem crise de meia idade. Eu achei essa cena muito boa, porque não vemos com frequência esse tipo de conflito nas histórias. Lá também temos uma mulher que expressa esse conflito por estar nesse divisor temporal de vida que, por sinal, é completamente ilusório. Afinal, quando a nossa vida acaba? Não sabemos. Para Nadia, inclusive, a vida acabou muitas e muitas vezes nesse mesmo dia de seu aniversário. Radha, você não apenas questiona se há uma crise de meia idade das mulheres, você a joga na tela em seus diversos tons de branco e preto, você fala de corpo, de sexo, de amizade, de relação materna, além de aprofundar os questionamentos sobre a criação artística e sobre os seus rumos profissionais (com muitos ajustes e desajustes de rota).

Ah, Radha, acho que preciso ser sincera: também estou vivendo a minha versão aos 40, também tive crise e também me questionei se não deveria estar em outro lugar; como se as vidas de mais de 7 bilhões de pessoas no mundo devessem seguir uma mesma régua de “sucesso”. Então hoje, aceito cada dia mais ser quem eu sou, assumo a minha trajetória, nego a todo custo o rancor, admito que há beleza em momentos simples da vida e que é preciso assumir a criatividade como ela chega até mim. Então respondo para mim mesma que eu escrevo (a minha forma de expressar-me) porque eu quero, e isso é o bastante.   

Ao decorrer de The forty-year-old version, percebo que você foge do seu irmão para fugir do enfrentamento do luto pela sua mãe, para fugir do enfrentamento do poder criativo dela; porque ela criou você para ser destemida, e você cedeu, mas também soube reencontrar a sua voz – e teve a coragem de soltar suas rimas na noite de estreia de sua peça, voltando a ser quem você sempre deveria ter sido: a filha de Carol e a artista autêntica na sua (melhor) versão aos 40. 

Radha Blank

The forty-year-old version, escrito dirigido e protagonizado por Radha Blank

Radha é uma dramaturga sem sorte de NY, que está desesperada por uma descoberta antes dos 40. Reinventando-se como o rapper RadhaMUSPrime, ela vacila entre os mundos do Hip Hop e do teatro para encontrar sua verdadeira voz.

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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