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Cinema de Mulheres no Brasil: alguns marcos

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Carmen Santos

Nas discussões do nosso Coletivo, quando pensamos em mulheres e audiovisual sempre debatemos sobre representação e representatividade. 

Representação é como as mulheres são apresentadas, retratadas nas diversas telas. Há reafirmação ou quebra de estereótipos? Há rivalidade feminina ou sororidade? Como são apresentadas as suas sexualidades e identidades de gênero? Há diversidade – de raça, de etnia, de interesses, de vontades? 

Quando pensamos nessa representação, é impossível não trazer à tona também a questão da representatividade. Quem está por trás – definindo o olhar – desses produtos audiovisuais (seja game, filme, série, novela etc.)? Isso importa. Sabemos que há uma relação entre esse lugar de fala de quem dirige, desenvolve, escreve, “lidera” essas funções chave no audiovisual e a representação das mulheres. É, ainda, uma questão de mercado, de estímulo e de desenvolvimento da mulher que atua no audiovisual. 

Pensamos sempre nessas linhas da representação e da representatividade no audiovisual como suporte para uma sociedade mais diversa, democrática e que respeite as diferenças (mas com o mesmo grau de valorização). 

A visibilidade – ou o apagamento – das mulheres no audiovisual é uma questão política. Há uma epidemia da invisibilidade, como colocou Stacy Smith, na palestra Os dados do sexismo de Hollywood. Esta epidemia vem sendo espalhada há anos, mas também vem recentemente apresentando resistência. 

Há alguns anos, por exemplo, o mundo “redescobriu” Alice Guy, a cineasta criadora do cinema narrativo! Se você não ouviu falar dela, não se sinta culpado. Mesmo eu, que sempre tive o cinema como um dos principais temas de pesquisa, também a descobri há alguns anos. A questão é que as mulheres sempre estiveram presentes na realização audiovisual, mas as suas histórias são muitas vezes esquecidas. Como nos alerta a professora da Universidade de Brasília (UnB) Sandra de Souza Machado, em seu livro Entre Santas, Bruxas, Loucas e Femmes Fatales – (Más): Representações e Questões de Gênero nos Cinemas , é preciso entender que: 

“sempre há falhas ou rupturas profundas nos processos de investigação e documentação ao longo de eras, em todo o mundo”. 

Cinema de Mulheres: Alice Guy-Blaché
Alice Guy-Blaché

 

Assim, é preciso dar luz a nossa história, retomar marcos, reverberar filmes e cineastas, reconstruir e recontar a historiografia do Cinema de Mulheres. Partindo dessa premissa, mas sabendo que aqui damos apenas um primeiro passo, trazemos alguns marcos – colocados de forma temporal – de filmes dirigidos por mulheres e de alguns outros pontos que contextualizam esta história.

Mesmo sendo apenas um início, acreditamos na formação de uma rede de interessadas e interessados nesta cronologia e, assim, esta linha do tempo estará em constante atualização e desenvolvimento. 

As referências para este texto são muitas – inclusive de acompanhamento do cenário nos últimos anos pelo Arte Aberta, mas dois livros valem destaque especial: As musas da matinê, de Elice Munerato e Maria Helena Darcy de Oliveira, de 1982; e Feminismo e plural: mulheres no cinema brasileiro, de Karla Holanda e Marina Cavalcanti Tedesco (organização), lançado em 2017. 

Além disso, temos desenvolvido os seguintes dados: ​​Filmes brasileiros lançados de 1995 a 2019 de diretoras mulheres; a pesquisa específica sobre cinema brasiliense: As mulheres no cinema brasiliense; e a criação do Teste Arte Aberta.

A ideia é que esses marcos estejam em constante construção e atualização. Assim como o cinema feito por mulheres!

Alguns marcos do Cinema de Mulheres no Brasil

1930Cleo de Verberena é a primeira mulher a comandar um set de filmagem  de longa-metragem no Brasil: O mistério do dominó preto, lançado em 1930.

1933 – Após atuar como atriz em alguns filmes, Carmen Santos funda sua produtora – a Brasil Vita Film. A produtora é responsável pelos filmes mais significativos de Humberto Mauro.

1946Gilda de Abreu é a primeira mulher a dirigir um longa-metragem falado no Brasil: O ébrio (1946), que se tornou um sucesso de bilheteria, tornando-a a primeira diretora a fazer sucesso no Brasil. Em 1949, a diretora lança Pinguinho de gente. O seu terceiro filme é Coração materno (1951).

O ébrio, de Gilda de Abreu
O ébrio

 

1948Carmen Santos, atriz, produtora, dona de estúdio e militante do setor, dirige seu primeiro e único longa-metragem, Inconfidência mineira. No filme, atua como diretora, produtora, roteirista e atriz.

1951 Gilda de Abreu funda sua companhia – a Pró-Arte.

1977 – Lançamento do filme Mar de rosas, de Ana Carolina, o primeiro da trilogia da cineasta sobre a condição da mulher. Os outros são: Das tripas coração (1982) e Sonho de valsa (1987).

1982 – A primeira pesquisa de fôlego sobre a participação feminina na direção de filmes no Brasil é publicada em livro: As musas da matinê, de Elice Munerato e Maria Helena Darcy de Oliveira.

1984 Adélia Sampaio é a primeira mulher negra a dirigir um longa de fição no Brasil lançado comercialmente em salas de cinema: Amor maldito. O filme, além de ter esse marco de gênero e de raça na representatividade, também traz outro pioneirismo: conta a história de um amor lésbico. O filme, porém, não apresenta representação negra na tela, narrando a história de duas mulheres brancas. A história e a relevância de Adélia – felizmente – tem sido resgatada! Nada mais justo. Inclusive a própria diretora tem disponibilizado seus filmes no seu canal do youtube

Adélia Sampaio
Adélia Sampaio

 

1989 – Lançamento do livro Quase Catálogo 1: Realizadoras de cinema no Brasil (1930-1988), organizado por Heloísa Buarque de Hollanda, um apanhado com 195 realizadoras e cerca de 500 obras. Mais um marco para a pesquisa sobre o cinema de mulheres.

1995 – Marco da Retomada do cinema nacional, pós-Era Collor, a partir do lançamento do filme Carlota Joaquina – Princesa do Brazil, da diretora Carla Camurati. O filme foi construído com baixo orçamento, distribuído pela própria diretora, lançado com poucas cópias e ignorado inicialmente pela crítica. Mesmo assim, entrou para a história, alcançando mais de um milhão de espectadores.

2006Família Alcântara, dos irmãos Daniel Santiago e Lilian Santiago. O documentário conta a história da família Alcântara, que tem preservado suas tradições e costumes africanos através dos anos pela oralidade e prática. 

2015 – Lançamento do filme Que horas ela volta?, de Anna Muylaert. O filme quebrou o “teto de vidro” no cinema brasileiro, sendo o indicado nacional a concorrer ao Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira. O filme não chegou a competir no Oscar (sendo eliminado em uma fase anterior à premiação), mas ao tratar de questões sociais e econômicas do Brasil, com foco nas relações pessoais de uma mulher que trabalha como empregada doméstica em uma casa de classe média alta, ganhou visibilidade, sendo inclusive centro de diversos debates.

Filme Que Horas Ela Volta? | Telecine

 

2015 – Lançamento do curta-metragem Kbela, de Yasmin Thayná. O curta é um marco na abordagem sobre ser mulher negra, tratando de racismo, padrões de beleza, empoderamento e sororidade. O processo do filme tem como condução a questão dos cabelos das mulheres. O filme foi feito com financiamento coletivo com o apoio de 117 pessoas, em 2015. O elenco foi convocado nas redes sociais para garantir a diversidade de personagens que também colaboraram com suas histórias pessoais. A obra recebeu o prêmio de Melhor filme de curta-metragem da diáspora pela Academia Africana de Cinema (AMAA Awards 2017), entre muitos outros prêmios. Kbela está disponível para streaming e download gratuito na plataforma http://kbela.org/

KBELA é selecionada para Festival de Roterdâ

 

2017 – Lançamento comercial do documentário O caso do homem errado, dirigido por Camila de Moraes e produzido por Mariani Ferreira. Quebra uma lacuna de 33 anos ao colocar um filme dirigido exclusivamente por uma mulher negra no circuito comercial (tendo em vista que Amor Maldito foi lançado em 1984). 

2018 – Lançamento comercial do filme de ficção Café com canela, de Glenda Nicácio e Ary Rosa. Esse filme é mais um marco para o cinema de mulheres e para a representação e representatividade das mulheres negras no audiovisual nacional. No mesmo ano, os cineastas lançam em festivais o longa Ilha.

Premiado filme baiano, “Café com Canela” estreia em circuito nacional - Geledés

 

2020 – Lançamento do longa Um dia com Jerusa, de Viviane Ferreira, configurando em mais um importante marco: uma direção solo de uma mulher negra em um longa de ficção lançado comercialmente em salas de cinema e com protagonistmo negro, feminino e lésbico. O filme passou bem no nosso Teste Arte Aberta, recebendo três estrelas por sua pontuação na representação das personagens. A história do filme Um dia com Jerusa nasceu do curta-metragem O dia de Jerusa, também escrito e dirigido por Viviane Ferreira, exibido na mostra curtas-metragens (Short Film Corner), do Festival de Cannes 2014.

Crítica | Um Dia com Jerusa (2020) - Plano Crítico

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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