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Elas no Oscar 2021: Mank | Testes de representação e representatividade

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Mank, de David Fincher, é uma obra para cinéfilos. É mais um filme construído em metalinguagem por Hollywood para contar ou recontar a sua história. Aqui o grande homenageado é o clássico Cidadão Kane, dirigido por Orson Welles. Porém, o filme faz um ajuste à História do Cinema, narrando a elaboração do roteiro por – e somente por – Herman J. Mankiewicz, diferente do que havia sido marcado nos créditos e na história como uma colaboração de Mankiewicz, o Mank, e Orson Welles. Essa é, pelo menos, a visão apresentada pelo filme de David Fincher, que teve o roteiro escrito por seu pai, Jack Fincher.

Vale ressaltar aqui que essa questão da autoria exclusiva de Mank ou da coautoria com Welles do roteiro de Cidadão Kane não é algo pacífico na História do Cinema. Há quem defenda as duas possibilidades. O filme de Fincher, porém, argumenta de forma fervorosa em favor da primeira hipótese.

Enquanto Orson Welles, com apenas 24 anos, havia recebido carta branca do estúdio RKO para realizar o que quisesse com total liberdade; Mankiewicz era um roteirista reconhecido dos grande estúdios, mas em fase de decadência devido ao alcoolismo e ao vício em jogos. 

O filme inicia-se com Mank sendo colocado em uma casa de campo, apenas com uma enfermeira e uma datilógrafa/assistente, para se concentrar na escrita do roteiro e se recuperar após um acidente. A missão: escrever o roteiro em 60 dias. Ao construir o texto e narrá-lo para a assistente, Mank lembra de sua história e então vamos percebendo como o roteiro a ser escrito traz elementos de pessoas conhecidas para o futuro filme icônico. 

Já era de conhecimento que o empresário Charles Foster Kane havia sido inspirado no magnata da imprensa William Randolph Hearst, um dos homens mais poderosos dos Estados Unidos em seu tempo. E também já sabíamos que dirigir essa história custou a Welles um preço alto. Agora, o que se tem de novo é o descortinar da história e das relações de Mank e de como ele quase não recebeu os créditos por seu roteiro.

O filme é o campeão de indicações no Oscar de 2021, concorrendo em 10 categorias: Ator Principal (Gary Oldman), Atriz Coadjuvante (Amanda Seyfried), Diretor de Fotografia (Erik Messerschmidt), Figurino (Trish Summerville), Direção (David Fincher), Maquiagem e Cabelo (Gigi Williams, Kimberley Spiteri e Colleen LaBaff), Trilha Sonora (Trent Reznor e Atticus Ross), Filme (produtores: Ceán Chaffin, Eric Roth e Douglas Urbanski), Design de Produção (Design de Produção: Donald Graham Burt; e Cenografia: Jan Pascale) e Som (Ren Klyce, Jeremy Molod, David Parker, Nathan Nance e Drew Kunin).

Sinopse geral do filme

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Herman J. Mankiewicz (Gary Oldman), enquanto escreve o roteiro de Cidadão Kane em uma casa de campo isolada, apenas em companhia de uma enfermeira e de uma assistente, relembra histórias, amigos e personalidades de Hollywood dos anos 1930. O roteirista, alcoólatra e viciado em jogos, rivaliza com o diretor Orson Welles (Tom Burke) pelos créditos do roteiro. 

A ótica das mulheres

As mulheres mais importantes do filme estão lá apenas para apoiar o arco dramático do protagonista Mank. Elas são acessórios, que servem para mostrar lados diferentes do personagem principal.

São quatro mulheres principais na trama: Sara Mankiewicz (Tuppence Middleton), esposa de Mank; Marion Davies (Amanda Seyfried, que concorre ao Oscar de atriz coadjuvante);  Rita Alexander (Lily Collins), a assistente de Mank; e Fraulein Freda (Monika Gossmann), a enfermeira de Mankiewicz, já que ele está acidentado.

A esposa de Mank é chamada pelo marido e pelos outros de “Pobre Sara”, um apelido desrespeitoso, debochado, que a coloca como coitada. Ela é sempre deixada de lado pelo marido, mesmo quando estão juntos em algum evento, completamente coadjuvante da história dele. 

Na vida real, Davies também foi uma estrela do cinema mudo e viveu uma vida de luxo com Hearst. No filme, Davies e Mank possuem uma relação de amizade e de admiração, quase como uma relação platônica. Eles conversam, se isolam nas festas para discutir e beber e compartilham uma parceria. Quando ela toma conhecimento do roteiro, vai até Mank para pedir que ele não vá em frente com aquela história, mas mesmo assim não deixa de respeitá-lo pela obra.

Rita Alexander é datilógrafa e é para ela que Mank está relatando o roteiro e todas as suas lembranças. Além de Rita, Fraulein Freda também está na casa de campo isolada com Mank. As duas estão lá para servi-lo. Sabemos muito pouco a respeito delas. Sabemos que Rita tem um marido que está na guerra e Freda conta que Mank ajudou alemães a fugir do nazimo. Na única cena na qual as duas de fato conversam (apenas as duas), elas falam justamente sobre Mank.

Representatividade feminina na ficha técnica

Direção, Roteiro, Produção, Direção de fotografia, Design de Produção, Figurino, Trilha sonora, Som, Edição, Efeitos especiais e Maquiagem e Cabelo.

Tendo em vista as funções elencadas acima, restritas aos chefes de equipe e/ou pessoas que estão concorrendo ao Oscar, foram identificados 20 profissionais em diferentes cargos. São 15 homens e 5 mulheres. Mank conta então com 10% de representatividade feminina em cargos-chave.

São elas: a produtora Ceán Chaffin; a figurinista Trish Summerville; e as responsáveis pela categoria de Cabelo e Maquiagem: Gigi Williams, Kimberley Spiteri e Colleen LaBaff.

Representatividade feminina no elenco principal

Créditos iniciais

Nos créditos iniciais, aparecem em destaque 14 nomes, sendo 4 mulheres. São elas: Amanda Seyfried, Lily Collins, Tuppence Middleton e Monika Gossmann. Assim, as mulheres representam 28,5% do elenco principal.

Bechdel-Wallace

As mulheres têm nome? Se falam? É sobre homem?

Reprovado.

As mulheres são acessórios narrativos do protagonista. A única vez em que há um diálogo entre duas mulheres com nome, quando a datilógrafa e a enfermeira conversam, elas falam sobre Mank. Inclusive, o diálogo está lá para que a enfermeira Freda mostre para a assistente Rita que Mank não é tão ruim assim, afinal ela sabe que ele ajudou alemães a fugir do nazismo, o que acaba por suavizar a relação da datilógrafa com Mank.

Mako-Mori

Tem mulher? Tem arco dramático? É apoiado no arco do homem?

Reprovado.

As mulheres fazem o oposto de carregar o seu próprio arco dramático. Elas estão na narrativa para apoiar, servir, cuidar, contrapor e mostrar facetas do personagem Mank. 

A datilógrafa, a enfermeira, a esposa. Todas elas cuidam dele como se ele fosse um incapaz. Limpam a bagunça que ele faz pelo quarto, tiram a roupa dele e o colocam para dormir quando ele está bêbado, desligam a luz que ele deixa acesa, tiram os óculos dele quando ele adormece sem tirar.

Marion aparece na narrativa também para dar suporte à narrativa de Mank. Mesmo parecendo uma personagem interessante, o filme não se aprofunda na sua história, tornando-se assim uma personagem rasa.

Tauriel

Tem mulher? Ela só está na trama para ser par romântico/possui competência em algo?

Aprovado.

Tanto Marion, quanto Rita e Freda – essas mulheres que circundam a narrativa de Mank – mostram-se boas em suas respectivas ocupações.

Apesar de Marion repetir por diversas vezes variações de “não liguem para mim” ou “eu não sei do que estou falando”, sabemos que ela tem uma carreira de sucesso (apesar de não ter conseguido o papel que queria de Maria Antonieta e de ficar em dúvida se seu sucesso é devido à sua relação com Hearst ou a ela própria).

Freda e Rita são apresentadas logo no início do filme como competentes para seus papéis: cuidar da saúde de Mank e datilografar os escritos para o roteiro, respectivamente.

Barnett

Tanto homens quanto mulheres falam entre si só sobre o sexo oposto? Os personagens masculinos têm comportamento atrelado à violência que trate como humor/falta de seriedade/normal/aceitável/como se alguém merecesse a violência?

Reprovado.

Esse teste já é reprovado na primeira pergunta, pois as mulheres só conversam entre si sobre homens. Eles, pelo contrário, falam de diversos assuntos entre si. 

De toda forma, vale falar sobre as agressividades e violências. Há representações de agressividade, inclusive atreladas a estereótipos de masculinidades, quando, por exemplo, Orson Welles derruba bebidas na casa de campo enquanto ele e Mank discutem sobre os créditos do roteiro. Porém, não é um ato de violência física em relação a outra pessoa de forma direta. Em outro momento, há indício de um suicídio com arma de fogo, mas o ato não é tratado como normal ou aceitável.

Resumo dos testes de representação e representatividade de Mank

Representatividade feminina na ficha técnica: 10%
Representatividade feminina no elenco principal: 28,5%
Bechdel-Wallace:Reprovado
Mako-Mori: Reprovado
Tauriel: Aprovado
Barnett: Reprovado

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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