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Teste Arte Aberta no Oscar 2023: Os Banshees de Inisherin

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Os Banshees de Inisherin é um filme sobre o fim abrupto de uma amizade, aparentemente por nenhuma razão, com um tom que varia entre o mundano, o irreverente, o sinistro e o absurdo.

A obra é o quarto longa-metragem de Martin McDonagh, que também dirigiu Na mira do chefe (2008), Sete psicopatas e um Shih Tzu (2012) e Três anúncios para um crime (2017), sendo que esse último concorreu ao Oscar de melhor filme daquele ano.

O filme de estreia de McDonagh, o curta O revólver de seis tiros, saiu vencedor na categoria de Melhor Curta-Metragem de Live Action do Oscar de 2006. No Oscar de 2023, Os Banshees de Inisherin recebeu nove indicações: melhor filme (Graham Broadbent, Pete Czernin e Martin McDonagh), diretor (Martin McDonagh), ator principal (Colin Farrell), ator coadjuvante (tanto Brendan Gleeson quanto Barry Keoghan concorrem na categoria), atriz coadjuvante (Kerry Condon), roteiro original (Martin McDonagh), montagem (Mikkel E. G. Nielsen) e trilha sonora (Carter Burwell).

Sinopse

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Em uma ilha fictícia no litoral da Irlanda, Colm abruptamente rompe uma longa amizade com Pádraic, que, inconformado, tenta entender o que aconteceu e reatar os laços com Colm, que se recusa com veemência.

O filme, que se passa na década de 20 do século passado, nos últimos momentos da guerra civil irlandesa, acompanha o estranho conflito entre ex-amigos e as suas inusitadas e muitas vezes sinistras consequências.

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD 

O filme é centrado na amizade de Colm e Pádraic, dois homens irlandeses brancos, aparentemente cis e heterossexuais. Ainda assim, há uma personagem mulher que se destaca: Siobhán, a irmã de Pádraic.

Os irmãos, ambos solteiros, vivem juntos e, desde o início, é visível como Pádraic depende de sua irmã, tanto para realizar tarefas domésticas, por exemplo, cozinhar e lavar roupas, como emocionalmente. Também logo fica claro como são diferentes: Siobhán é perceptiva, gosta de ler e não está satisfeita com a vida que leva. Pádraic é um homem simples, desinteressado em assuntos intelectuais, que gosta de sua vida na ilha, cuidando dos animais e indo beber no pub com o amigo Colm.

O afeto entre os irmãos é forte, o que leva Siobhán a confrontar Colm pelo menos duas vezes na tentativa de resolver o conflito entre os amigos e, assim, resolver o problema de Pádraic. Colm é um homem mais velho e mais intelectual. É o “artista da ilha”. Ainda assim, Siobhán discute com ele de igual para igual, e ainda o corrige quando ele, sendo músico, erra o século em que viveu Mozart.

Nota-se que os outros moradores da ilha veem Siobhán como uma mulher diferente. Dominic, um jovem que faz companhia a Pádraic quando este passa a ser desprezado por Colm, questiona o porquê de ela não ser casada, no que ela responde que suas decisões não são da conta dele.

Em outro ponto, o policial da ilha a questiona sobre o que estava fazendo e, mais uma vez, ela, impaciente, diz não ser da conta dele. Quando ele a pressiona, ela o xinga. Ele então diz que vai dar uma surra em seu irmão. Siobhán continua a surpreendê-lo dizendo que talvez seja bom para acordá-lo. O policial, frustrado por não conseguir intimidá-la, grita: “Você é muito esquisita. Por isso não gostam de você.”

Siobhán, apesar de romper com muitos estereótipos associados a personagens mulheres em filmes de época, também possui várias características associadas à “irmã cuidadora”. Ela é encarregada pelas atividades domésticas na casa e se sente responsável pelo bem-estar do irmão. Apesar de muitas vezes mostrar-se rebelde, em vários outros momentos ela tenta performar o que esperam dela: quando recebe a vizinha idosa em casa para conversar apesar de não gostar dela ou quando o irmão chama Dominic para passar a noite na casa deles e, apesar de não concordar, ela não questiona a sua decisão.

Vale destacar que Siobhán, apesar de secundária à história dos amigos, tem o seu próprio arco dramático: ela é chamada para trabalhar no “continente” (no caso a ilha principal da Irlanda) como bibliotecária, mas fica dividida entre a possibilidade de uma vida nova e a sensação de responsabilidade pelo bem-estar do irmão. Apesar do seu drama estar atrelado ao papel de cuidadora, a conclusão é empoderadora: ela decide ir, quebrando o clichê da mulher que sacrifica seus sonhos e vontades por amor.

Quanto à representação de pessoas com deficiência (PcD), o filme apresenta uma história, no mínimo, inusitada. Colm, em determinado momento e por vontade própria, decepa os dedos de uma das mãos. Ele é violinista e isso o impede de tocar permanentemente. Colm é um personagem complexo. Assim como Siobhán, ele deseja mais do que a vida que tem. Ele quer ser lembrado por sua música e acredita que, para isso, tem que se distanciar de um “cara chato” como Pádraic. É no mínimo contraditório que Colm decida cortar os próprios dedos já que isso o impedirá de realizar o seu sonho. Fica a critério do espectador o que o levou a esse ponto: frustração, orgulho, loucura ou um desejo secreto de se auto-sabotar.

O filme não possui personagens LGBTQIA+, no entanto há dois momentos que reforçam estereótipos marcadamente negativos. 

Por fim, a obra não apresenta personagens ou qualquer menção a pessoas não brancas.

Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD

Direção e Roteiro*

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

Os Banshees de Inisherin foi dirigido e roteirizado por Martin McDonagh, um homem branco. Não foi encontrada nenhuma menção de ele ser parte da comunidade LGBTQIA+ ou PcD.

Dessa forma, a ficha técnica principal é composta por 0% de mulheres, 0% de não brancos, 0% de LGBTQIA+ e 0% de PcD.

Elenco principal*

Créditos iniciais/finais

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

O filme apresenta 11 nomes em destaque nos créditos: Colin Farrell, Brendan Gleeson, Kerry Condon, Barry Keoghan, Gary Lydon, Pat Shortt, Sheila Flitton, Bríd Ní Neachtain, Jon Kenny, Aaron Monaghan e David Pearse. Destes, três são mulheres e todos são brancos. Em pesquisa simples na internet não foi encontrada qualquer menção de membros do elenco serem LGBTQIA+ ou PcD.

Dessa forma, o elenco principal é composto por 27,27% de mulheres, 0% de não brancos, 0% de LGBTQIA+ e 0% de PcD.

Representação

Mulheres

Presença (Bechdel-Wallace)

As mulheres têm nome? 

Se falam por mais de 60 segundos?

Sobre outro assunto que não seja homens? 

Reprovado.

Há uma conversa (muito a contragosto) de Siobhán com a Sra. O’Riordan sobre uma carta que a primeira recebeu. A conversa, no entanto, dura menos de 60 segundos.

Arco Dramático (Mako-Mori) 

Tem mulher? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?

Reprovado.

Siobhán tem um arco dramático próprio, no entanto ele é apoiado em estereótipos de gênero. Siobhán recebe uma proposta de emprego no continente, mas fica dividida pois sente-se responsável pelo bem-estar do irmão, que está passando por uma crise. Assim, o conflito da personagem é essencialmente baseado em seu papel de cuidadora. Vale a pena destacar que há uma quebra de estereótipo no final, quando Siobhán decide ir apesar de tudo. Ela opta por sua própria autonomia ao invés de continuar sacrificando seus desejos pelo irmão.

Competência (Tauriel)

Houve mulher(es) com atividade profissional definida? 

Ela é competente na atividade?

Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo  1 – pouco competente e 5 – muito competente) 

Houve reconhecimento dessa competência?

Reprovado.

Nota: 0

Siobhán recebe uma proposta de emprego, mas, durante toda a duração do filme, ela não possui atividade profissional. A Sra. O’Riordan é dona de uma venda, mas não parece muito competente pois preocupa-se mais com fofocas do que com o seu trabalho.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 2

Siobhán é uma personagem secundária com poucos estereótipos. Ela é responsável pela casa e afetuosa com o irmão. No entanto, tem características que vão além do esperado para a “irmã cuidadora” e, no final, escolhe seguir o seu próprio caminho ao invés de sacrificar sua autonomia pelo bem de Pádraic.

As outras duas mulheres, a Sra. McCormick e a Sra. O’Riordan, são personagens de apoio bem estereotipadas. Uma é a “bruxa da vila” e a outra é a “fofoqueira da vila”.

Raça

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem não branco? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?

Reprovado.

Não há personagens não brancos no filme.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação dos personagens não-brancos (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há personagens não brancos no filme.

LGBTQIA+

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem LGBTQIA+? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?

Reprovado. 

Não há personagens LGBTQIA+ no filme.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: -1

Apesar de não existirem personagens LGBTQIA+ no filme, há dois momentos que merecem ser destacados e que reforçam estereótipos ofensivos. 

O primeiro é quando Colm vai se confessar com o padre e diz que está sentindo “um pouco de orgulho e alguns pensamentos impuros”. Quando o padre questiona sobre o rompimento com Pádraic, ele pergunta se Colm teve “pensamentos impuros” com ele. Isso ofende Colm, que rebate perguntando se o padre tem “pensamentos impuros” com homens. O padre também fica ofendido e os dois saem se xingando.

O segundo é quando Pádraic, bêbado e morrendo de ciúmes, aborda Colm, que conversa com o policial da ilha, no pub. Pádraic, em determinado momento, acusa o policial de molestar o seu próprio filho, Dominic (o que, tudo indica, parece ser verdade).

Apesar de não ser necessariamente intencional e de este ser um filme de época que se passa numa ilha remota na Irlanda, o que contextualiza alguns comportamentos marcadamente estereotipados como esses, é importante salientar que, nos únicos momentos onde qualquer possibilidade de vivência não heterossexual é apresentada, isso ocorre sob um prisma muito negativo.

PcD 

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?

Aprovado

Colm inicia o filme aparentemente sem nenhuma deficiência. No entanto, em determinado momento, ele, por vontade própria, corta um dos dedos e depois os outros quatro de uma de suas mãos.

Ele é um violinista e tem o desejo de ser lembrado por sua música. O seu arco dramático é centrado nas várias tentativas de afastar-se do ex-amigo enquanto se esforça para compor suas músicas.

Apesar de tornar-se PcD e ver-se impossibilitado de tocar violino ser um estereótipo clássico associado a narrativas sobre deficiências, aqui há algo inusitado. Colm é quem decide amputar seus dedos. Ele decide pelo fim de sua música, quebrando assim com qualquer convenção ou expectativa sobre o tema.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

Não cabe aqui avaliar a moralidade ou não da automutilação ou mesmo da opção pela deficiência. Essa seria uma discussão muito longa que mereceria um texto à parte.

Colm é um personagem complexo e multifacetado. Suas decisões são difíceis de entender. Parecem muitas vezes absurdas. Ele não é um homem bom (ou gentil, como muitas vezes é dito no filme), mas também não é um homem ruim. 

Ele está envelhecendo e quer ser lembrado depois de sua morte, mas, ao mesmo tempo, permanece na pequena e isolada ilha. Ele pede para que Pádraic se afaste, mas sente-se mal por suas decisões (e suas consequências) em diversos momentos. Ele quer tocar violino, mas corta os próprios dedos.

Assim, vê-se que é um personagem tridimensional que vai além de qualquer estereótipo.

Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade

Representação

Estrelas Arte Aberta: 1

Por Barbara Alpino

Connoisseur de cultura pop japonesa, adoradora de gatos e colecionadora de vestidos. Ama desenhos e sonha em escrever uma saga de fantasia.

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