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Teste Arte Aberta no Oscar 2023: Entre mulheres

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Entre Mulheres é tanto atemporal quanto um filme “parado no tempo”. Percebemos cenários, roupas, atitudes como ambientados em um passado distante. No entanto, em determinado ponto do filme, um carro do censo passa pela comunidade, e tomamos conhecimento que estamos em 2010. O filme conta a história de uma comunidade religiosa que vive isolada e segue suas próprias regras. De geração em geração, as mulheres sofrem violências e lidam com suas dores em silêncio. Até que tudo muda! É o dia do juízo final, e aqui são as mulheres que decidem o que acontecerá.

Entre Mulheres, de Sarah Polley, é a única obra dirigida por uma mulher indicada à categoria de Melhor Filme no Oscar 2023. Após dois anos seguidos com mulheres indicadas à Direção, neste ano não temos nenhuma nomeada. Vale lembrar que em 95 edições, apenas sete mulheres foram indicadas à categoria, com Jane Campion sendo nomeada duas vezes, e somente três foram ganhadoras.

As indicadas foram:

Já as premiadas foram: Kathryn Bigelow, Chloé Zhao e Jane Campion (por Ataque dos Cães).

Além de Melhor Filme, Entre Mulheres também recebeu a indicação à categoria de Roteiro Adaptado. O filme é baseado no romance de Miriam Toews.

Sarah Polley dirigiu também os longas Longe dela (2006), Entre o amor e a paixão (2011) e o documentário Histórias que contamos (2012). Polley foi a showrunner e roteirista da minissérie Alias Grace, adaptada do romance homônimo de Margaret Atwood. Como atriz, vale o destaque para os dois filmes dirigidos pela espanhola Isabel Coixet: Minha vida sem mim (2003) e A vida secreta das palavras (2005).

Sinopse

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Em uma comunidade religiosa, as mulheres reúnem-se para decidir o futuro de sua colônia.

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD 

Às mulheres, cabia o cuidado da casa e dos filhos. A elas era proibida a educação, privilégio dos meninos e homens. A elas também não cabia o direito aos seus corpos. Eram violentadas há tempos, não importando a idade. A justificativa contada era que fantasmas, demônios ou a própria imaginação feminina eram os responsáveis. 

Até que um dia essa fantasia se rompe quando uma garota vê o seu agressor. Esse é o ponto de virada de toda a comunidade. É a revolução pelo conhecimento, pelo descortinamento da mística explicação. Quando se enxerga algo tão brutal — afinal eram seus pais, irmãos, colegas e companheiros que as agrediam há gerações —, não se pode mais voltar ao estado anterior de crença cega e ingênua. Vale destacar que algumas mulheres já tinham conhecimento dessa realidade, mas não havia ainda sido dito que aquilo era errado, vergonhoso e absurdo. Quando não se pode falar sobre seus corpos, não há linguagem que explique a violência — é a interpretação de Autje. Era como era — e não havia como ir de encontro à comunidade e à fé!

Porém, há o olhar, a comprovação, a verdade! A garota viu. 

A força do filme vem de que ao mesmo tempo em que ele conta uma realidade específica, a sua história é uma grande metáfora sobre ser mulher, sobre as violências, as narrativas inventadas, as justificativas absurdas e as proibições impostas. A revolução que se dá no filme, porém, é que não há dúvida sobre a fala da mulher naquele momento específico. Ela viu. Ponto final. Agora, as mulheres precisam conversar, se entender, compreender as histórias peculiares dentro daquela grande narrativa. 

Quando o agressor é pego e preso, os homens da comunidade vão até a cidade para pagar a sua fiança. O local é esvaziado de homens adultos. Ficam as mulheres e as crianças. A elas agora é dada a obrigação do perdão, ou seriam negadas a entrada no “Reino dos Céus”. 

Elas, porém, decidem votar o destino de todas: não fazer nada, ficar e lutar ou ir embora. Elas não sabiam ler, mas naquele dia aprenderam o poder do voto, da voz e da escolha. Entre as opções, há um empate entre ficar e lutar e ir embora. Para o “segundo turno”, a decisão é delegada a algumas famílias.

O nome do filme em inglês é Women talking (que ao pé da letra poderia ser traduzido por: mulheres conversando). É essa grande conversa entre mulheres que irá decidir o futuro daquela comunidade. Há raiva, medo, amor e fé. Há também uma certeza de que simplesmente voltar ao que era não é viável.   

Assim, são as mulheres as protagonistas de forma majoritária. Os homens são os que não têm nomes, histórias ou muitos rostos; eles são os agressores. Como exceção, temos August, o professor da escola, que após ter sua família excomungada da comunidade, volta para contribuir com a educação dos meninos. Há também Melvin, um rapaz transgênero, que ajuda a cuidar das crianças da comunidade.

Melvin também passa por violências antes de sua transição, mas é deixado explícito que não foi o estrupro que o transformou — ele já sabia que era homem, mas depois do que aconteceu não era mais viável fingir. É interessante destacar a exclusão do recurso narrativo do estupro para uma mudança ou para o fortalecimento de um personagem.

Sobre pessoas com deficiência, vale evidenciar a personagem Helena. Ela é uma das garotas da comunidade e também tem sua voz ouvida durante o debate sobre o futuro das mulheres da colônia.

Não há a presença de pessoas não brancas no filme.

Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD

Direção e Roteiro*

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

Entre mulheres é dirigido e roteirizado por Sarah Polley. Não foi encontrada menção na internet sobre ela ser PcD e/ou LGBTQIA+.

Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta por 0% de profissionais não brancos, 100 % de mulheres, 0% de PcD e 0% de LGBTQIA+.

Apesar de não considerarmos Sarah Polley como PcD, vale destacar que a cineasta, em 2015, sofreu um acidente: um extintor de incêndio caiu em sua cabeça. Com a grave concussão, ela ficou acamada por semanas e passou anos incapacitada, fugindo de ambientes barulhentos e iluminados, o que a impedia de dirigir filmes. Ao longo de anos, foi aconselhada a respeitar seus limites até que encontrou um médico que lhe disse que ela só poderia se recuperar se ela fosse em direção ao perigo. Foi assim que se iniciou o seu processo de recuperação. A experiência a vez escrever o livro “Run Towards the Danger” ( Correr em direção ao perigo).

Elenco principal*

Créditos iniciais/finais

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

Aparecem em maior destaque no créditos finais 13 nomes: Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Judith Ivey, Sheila McCarthy, Michelle McLeod, Kate Hallett, Liv McNeil, August Winter, Ben Whishaw, Frances McDormand, Kira Guloien e Shayla Brown. Desses, tem-se 11 mulheres, uma pessoa não-binária (August Winter)  e uma pessoa com deficiência (Shayla Brown).

Dessa forma, o elenco principal é composto por 84,6 % de mulheres, por 0% de atores não brancos, por 7,6 % de atores LGBTQIA+ e por 7,6 % PcD.

Representação

Mulheres

Presença (Bechdel-Wallace)

As mulheres têm nome? 

Se falam por mais de 60 segundos?

Sobre outro assunto que não seja homens? 

Aprovado.

O filme é todo uma grande conversa entre mulheres. Apesar do foco ser tomar uma decisão em resposta às agressões dos homens, o que elas mostram é um desejo para uma nova forma de se viver social e politicamente.

Arco Dramático (Mako-Mori) 

Tem mulher? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?

Aprovado.

Não apenas uma, mas algumas mulheres possuem arco dramático. Ona está grávida de um agressor. Não é casada e nem pretende ser. Suas ideias são utópicas, seu olhar é gentil e empático, mas ela também não quer uma vida com medo de violências. Salomé teve que caminhar dois dias para uma clínica para conseguir antibióticos para a sua filha pequena que está doente em decorrência das violências sexuais. De forma compreensível, ela tem muita raiva e quer ficar e lutar contra os homens. Mariche é agredida pelo marido, todos sabem. Elas e outras — jovens, adultas e idosas — contam suas histórias e precisam encontrar uma saída que acolha e fortaleça todas.

Competência (Tauriel)

Houve mulher(es) com atividade profissional definida? 

Ela é competente na atividade?

Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo  1 – pouco competente e 5 – muito competente) 

Houve reconhecimento dessa competência?

Aprovado.

Nota: 2

A realidade das mulheres da comunidade religiosa é extremamente sexista e patriarcal. As mulheres têm papéis relacionados a cuidados — das crianças, dos maridos, da casa, de tudo. Elas não têm direito à educação, muito menos à profissão. Porém, como o filme é majoritariamente centrado no debate das mulheres, vamos encarar esse cenário e expandir a questão da compreensão de competência.

Se pensarmos na criação do processo decisório — dividido em duas etapas — e no debate realizado entre as mulheres para que a decisão final fosse tomada, as mulheres tiveram competência para conduzir a metodologia e ter coragem para assumir a resolução definida coletivamente.

A primeira etapa foi a de definir a votação, com três caminhos possíveis: ficar e perdoar os homens, ficar e lutar e ir embora da colônia. A votação é aberta a todas as mulheres, inclusive jovens (não fica óbvio a partir de qual idade). Como as mulheres são impedidas de estudar, a “cédula” de votação apresenta três desenhos simbolizando cada uma das opções.

Como resultado inicial, tem-se um empate entre ficar e lutar e ir embora da colônia. Elas, então, passam para o processo de debate com três famílias escolhidas.

Ona, por exemplo, descreve uma sociedade igualitária, construída coletivamente.  No fim, todas conseguem chegar a um acordo em consenso. Elas votam, debatem, tomam a decisão e executam o plano de forma eficiente.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

As mulheres são protagonistas. Apesar de terem sido cuidadoras e vítimas — estereótipos das mulheres — elas rompem com esse ciclo de silenciamento e servidão e partem em busca de uma nova forma de viver.

Raça

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem não branco? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?

Reprovado.

O filme apresenta apenas pessoas brancas.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação dos personagens não-brancos (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação de pessoas não brancas.

LGBTQIA+

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem LGBTQIA+? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?

Aprovado.

Melvin é um rapaz trans que, apesar de não ter tanto tempo de tela como as mulheres que estão debatendo a decisão da colônia, tem importância, profundidade e pontos de virada. 

Ele cuida das crianças pequenas, que o respeitam, inclusive o chamando pelo seu nome. Os adultos não aceitam a sua identidade, insistindo em chamar o rapaz pelo seu nome morto. Talvez por essa falta de aceitação e respeito ele não fale com as mulheres. Mesmo quando tem que reportar alguma questão sobre as crianças, ele usa somente gestos. 

É apenas quando as mulheres o chamam de Melvin que ele volta a se comunicar com elas.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 2

Melvin, como dito, tem uma importância na narrativa do filme. Seu personagem é construído sem estereótipos, apesar de a sua transição ser questionada e de haver resistência à sua identidade, é interessante pontuar como  ele sempre se sentiu um homem, ou seja, não foram as violências que o levaram a essa decisão. 

PcD 

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?

Aprovado.

Helena é filha de Anna e neta de Janz. Elas fazem parte de uma das famílias escolhidas para debater sobre o futuro das mulheres da colônia. Porém, quando Janz percebe que a opção de perdoar os homens e permanecer tudo do mesmo jeito foi de fato descartada, ela se retira do debate, e obriga que a filha e a neta sigam com ela. No final do filme, porém, quando as mulheres estão partindo, Anna e Helena também seguem rumo à nova vida. Esse é o ponto de virada das duas.

Em entrevista, a atriz Shayla Brown, que interpreta Helena, falou sobre a importância de ser chamada para um papel que não havia sido escrito necessariamente para uma pessoa cega. “Isso foi surpreendente para mim, porque estou tão acostumada com a minha deficiência ser o que me define. O fato de alguém estar pedindo para me ver, principalmente porque sou atriz, foi uma grande validação do que eu estava fazendo”.

Sobre o trabalho com a cineasta Sarah Polley, Shayla disse: “Sarah me viu, e ela viu minhas habilidades como atriz, e ela pensou que eu deveria fazer parte da história, e que eu era importante”.

Apresentação de estereótipos

Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 2

Helena é uma garota PcD que em nenhum momento é definida por sua deficiência. Ela aparece votando na primeira parte do filme, dá sua opinião durante o debate e, apesar de a avó ficar na comunidade, parte juntamente com a mãe em busca de um outro futuro.

Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade

Representação

Estrelas Arte Aberta: 2,5

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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