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Elas no Oscar 2021: Nomadland | Testes de representação e representatividade

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Nomadland, de Chloé Zhao, apesar de se passar na estrada, é um filme intimista. É uma obra que mergulha nas dores, nas perdas, nos novos encontros e nas soluções de vida encontradas por Fern para continuar seguindo em frente. Tudo acontece aos poucos. Como um quebra-cabeça, vamos construindo a história da protagonista e entendendo os seus porquês. Compreendemos que a vida nômade de Fern começa após a morte de seu marido, o fim da empresa na qual eles trabalhavam juntos e a consequente decadência e abandono da cidade que existia apenas como suporte desse complexo industrial.

Fern, então, coloca a casa nas costas. “Vanguarda”, sua van branca, passa a ser o seu único bem, seu abrigo e seu transporte. Fern, que também já foi professora, vive agora fazendo trabalhos pontuais e sazonais; arquitetando, nessa nova lógica de vida, uma rede de amigas e amigos que também têm na estrada o seu modo de existência.

Apesar das partidas, Nomadland é um filme sobre encontros. Afinal, de uma forma ou de outra, podemos sempre nos cruzar no final da estrada.

O filme, que é baseado no livro homônimo de Jessica Bruder, concorre em seis categorias no Oscar 2021: Filme (produtores: Frances McDormand, Peter Spears, Mollye Asher, Dan Janvey e Chloé Zhao), Direção (Chloé Zhao), Atriz Principal (Frances McDormand), Roteiro Adaptado (Chloé Zhao), Fotografia (Joshua James Richards), Montagem (Chloé Zhao).

Este ano, temos um feito inédito para as mulheres no cinema: dois filmes de diretoras mulheres concorrem às categorias de Melhor Filme e de Melhor Direção! Além de Nomadland, Bela vingança (Promising Young Woman), de Emerald Fennell, também está na disputa.

Nomadland chega ao Oscar já com o reconhecimento da crítica e o recebimento de diversos prêmios importantes, como o BAFTA (Filme, Direção, Fotografia e Atriz – Frances McDormand); Globo de Ouro (Filme Dramático e Direção); Critics’ Choice Awards (Filme, Direção, Roteiro Adaptado e Fotografia); entre outros. Esse é o terceiro longa-metragem de Chloé Zhao, a cineasta também dirigiu Songs my brothers taught me (2015) e Domando o destino (2017). Esse último inclusive foi considerado um “esnobado” pelo Oscar de 2019.

Sinopse geral do filme

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Fern (Frances McDormand), após perder seu marido, seu trabalho e sua cidade, embarca em uma viagem pelo Oeste americano, a bordo da “Vanguarda”, sua van, vivendo como uma nômade moderna. Ela faz amigos, os quais encontra em acampamentos e trabalhos temporários. 

A ótica das mulheres

Assim como Fern, acompanhamos outras mulheres que também vivem de forma nômade, com destaque para Linda May e Swankie.

Conhecemos Linda May logo no início do filme, no primeiro trabalho de Fern da temporada, na Amazon, nas vésperas de ano novo. É Linda May quem apresenta Fern a todos os colegas de trabalho. Uma das parceiras na Amazon é Angela, que mostra suas tatuagens, entre elas uma com a frase: “Lar é só uma palavra ou algo que você carrega com você?”. Sentimos então a compreensão sobre esse conceito diferente de “lar” que aquelas pessoas compartilham.  

Fern mostra a sua van para a amiga Linda May, destacando as modificações que ela mesma fez para acomodar melhor as suas coisas. Fern fala para Linda May o nome da sua van: Vanguarda. A personagem irá acompanhar Fern em outros lugares e em outros trabalhos. É inclusive Linda May que fala sobre o encontro dos nômades e que convida Fern a comparecer. Linda May conta a sua história, contextualizando o período de recessão e o estado depressivo ao qual ela foi levada por essas perdas. Linda nos mostra também que devemos ter empatia conosco e que é possível encontrar outras formas de viver.

Swankie é outra personagem que vale a pena conhecer! Ela é despojada e fala sério com Fern sobre as precauções que ela tem que ter na estrada, que é preciso que ela saiba se virar e se cuidar. Após ajudar Fern a trocar um pneu, Swankie faz com que Fern a ajude a pintar a sua van. Swankie está vivendo como quer o tempo que lhe resta, aproveitando a natureza que tanto ama. Ela vive livre e agradece aos seus 75 anos de vida bem vividos!  

Linda May, Swankie e Bob Wells – o cara que organiza os encontros dos nômades – são nômades da vida real. Eles trazem força à narrativa. 

Conhecemos também a irmã de Fern, Dolly. Quando a Vanguarda precisa de conserto e Fern não tem grana para pagar o mecânico, ela entra em contato com a irmã, que a faz encontrá-la para entregar em mãos o empréstimo. Desse encontro, construímos mais algumas pecinhas do quebra-cabeça da vida da protagonista. Apesar de Fern travar um breve embate com o cunhado, que trabalha com a venda de casas (o que Fern acredita ser um dos problemas que leva à falências das pessoas – a contração de dívidas impossíveis de se pagar), acontece um lindo diálogo entre as irmãs. 

Dolly agradece tudo o que a irmã representou em sua vida, inclusive por ter sempre sido corajosa e por tê-la visto e compreendido. Mesmo com a dor de a irmã ter ido embora muito cedo – e nunca mais ter voltado – percebemos a admiração que essas duas mulheres carregam.

Representatividade feminina na ficha técnica

Direção, Roteiro, Produção, Produção executiva, Direção de fotografia, Direção de arte, Figurino, Trilha sonora, Edição de som, Mixagem de som, Edição, Efeitos especiais e Maquiagem.

Tendo em vista as funções elencadas acima, restritas aos chefes de equipe e/ou pessoas que estão concorrendo ao Oscar (fora a de maquiagem que o crédito não foi apresentado no filme), foram identificados 15 profissionais em diferentes cargos. São 8 homens e 7 mulheres – mas dessas, Chloé Zhao ocupa quatro cargos, sendo contabilizada quatro vezes nos créditos. Nomadland conta então com 46,6% de representatividade feminina em cargos-chave.

São elas: a diretora, roteirista, produtora e montadora Chloé Zhao; as produtoras Mollye Asher e Frances McDormand e a figurinista Hannah Peterson.

Representatividade feminina no elenco principal

Créditos finais

Nos créditos finais, aparecem em destaque: Frances McDormand, David Strathairn, Linda May e Swankie. Assim, dos quatro personagens em destaque, três são mulheres, correspondendo a 75% de representação de mulheres no elenco principal.

Bechdel-Wallace

As mulheres têm nome? Se falam? É sobre homem?

Aprovado.

O filme passa no teste de Bechdel com muita folga. É fácil que as mulheres tenham nome e que conversem entre si sobre qualquer coisa que não homens. É engraçado que mesmo quando Fern encontra a mãe de uma de suas ex-alunas em uma loja, mesmo de forma rápida, ela tem nome e as duas conversam sobre a vida de Fern. Ou quando pela primeira vez Fern é apresentada aos seus colegas de trabalho na Amazon e uma das mulheres, Angela, fala sobre suas tatuagens. Isso fora as conversas profundas com Linda May, Swankie e Dolly.

Mako-Mori

Tem mulher? Tem arco dramático? É apoiado no arco do homem?

Aprovado.

Apesar de compreendermos que um dos pontos de Fern ter partido em sua Vanguarda para a vida nômade ter sido a morte do marido, o filme inteiro é sobre ela! Ela poderia ter ido morar com a irmã, poderia ter se fixado em algum lugar, mas ela decidiu tomar esse rumo da estrada. Ela carrega a sua narrativa, fazendo suas escolhas. E mesmo quando ela encontra um possível companheiro, que expressa seus sentimentos por ela, ela parece nem cogitar essa vida parada em um só lugar – seja com quem for. Ela escolheu a vida da estrada. No máximo, apoiada em sua Vanguarda.

Tauriel

Tem mulher? Ela só está na trama para ser par romântico/possui competência em algo?

Aprovado.

Apesar de o filme trazer toda uma perspectiva sobre a falência de um sistema capitalista que exclui pessoas de idade que trabalharam a vida inteira, mesmo sendo Fern uma mulher considerada aos olhos de algumas pessoas da sociedade como sem-teto e sem trabalho, ela é competente no caminho que decidiu tomar. Ela aprende, inclusive com a ajuda de outras mulheres, a cuidar de sua van. Outro ponto que mostra a sua competência são as modificações que ela mostra orgulhosa de ter feito em seu veículo-casa. São espaços para guardar e para servir. Ela se vira dentro daquele pequeno espaço, ela se vira seguindo em seus trabalhos sazonais, ela segue aprendendo com sua nova tribo e não desiste de sua nova vida.

Barnett

Tanto homens quanto mulheres falam entre si só sobre o sexo oposto? Os personagens masculinos têm comportamento atrelado à violência que trate como humor/falta de seriedade/normal/aceitável/como se alguém merecesse a violência?

Aprovado.

Como já foi dito no teste de Bechdel, as mulheres conversam muito sobre outros assuntos que não sobre homens. Conhecemos as histórias de muitas mulheres. Há também homens que conversam entre si (sobre assuntos que não seja sobre mulheres) – bem menos diálogos entre homens, mas mesmo assim é possível identificar alguns.

No geral, há uma revelação de histórias tanto femininas quanto masculinas de perdas, de mudanças de vida e da escolha pela “nomadland”. Sobre homens, conhecemos veteranos de guerra, um pai que perdeu um filho, outro que decide voltar ao convívio do filho após tornar-se avô, um garoto que deixou a casa, entre outros. São todas histórias humanas, que cruzam o caminho de Fern e que ela, com o seu olhar empático, nos leva a conhecer. Não há cenas de violência física atreladas à masculinidade. Assim, o filme também é aprovado neste item.

Resumo dos testes de representação e representatividade de Nomadland

Representatividade feminina na ficha técnica: 46,6%
Representatividade feminina no elenco principal: 75%
Bechdel-Wallace:Aprovado
Mako-Mori: Aprovado
Tauriel: Aprovado
Barnett: Aprovado
nomadland

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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