As cinebiografias de músicos são recorrentes em Hollywood, e muitas acabam chegando ao Oscar, ao trazer histórias de ícones que marcam gerações. Na história recente temos: Bohemian Rhapsody (2018), que levou quatro estatuetas; Rocketman (2019), que ganhou na categoria de Canção Original; e Elvis (2022), indicado em 8 categorias. No Brasil, também temos as nossas cinebiografias musicais memoráveis, como Cazuza – O tempo não para (2004), Gonzaga: De Pai pra Filho (2012), Tim Maia (2014), Elis (2016), Meu nome é Gal (2018), Meu sangue ferve por você (2020) e Homem com H (2025) – entre outras.
Com Um completo desconhecido temos um recorte do início do ícone folk/rock/literato Bob Dylan. A direção é de James Mangold, que, em 2005, dirigiu Johnny & June, que aborda a história de Johnny Cash e seu encontro com a cantora June Carter. Um universo que tem intersecções com o de Dylan nesta nova produção, já que vemos a interação entre os dois por meio de cartas e de encontros em festivais.
Um completo desconhecido foi indicado ao Oscar 2025 em oito categorias: Filme, Direção, Ator Coadjuvante (Edward Norton), Figurino, Roteiro Adaptado, Atriz Coadjuvante (Monica Barbaro), Som e Ator (Timothée Chalamet).
Vamos mergulhar agora na história de Um completo desconhecido, a partir da perspectiva do Teste Arte Aberta, que analisa a presença e a representação das mulheres, pessoas não brancas, comunidade LGBTQIA+ e pessoas com deficiência (PcD).
Para saber mais sobre o Teste Arte Aberta, confira o texto introdutório.

Sinopse
De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers
O filme traz um recorte temporal do início da carreira de Bob Dylan, a partir de 1961, quando, aos 19 anos, ele chega à Nova York com seu violão e com a vontade de conhecer e de apoiar o seu ídolo Woody Guthrie, que estava internado em um hospital com uma doença degenerativa. Dylan entra na cena folk e cria relacionamentos com ícones musicais da época. Assistimos à sua ascensão musical, culminando em uma apresentação controversa e inovadora para o que se esperava de como deveria ser a música folk. As mudanças que ele trazia impactam musicalmente o mundo.

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
O filme é sobre Bob Dylan, sobre o seu início de carreira, quando o jovem de 19 anos vai para Nova York com seu violão e um recorte de jornal que traz uma matéria sobre a internação de Woody Guthrie, seu ídolo folk. As relações vão se formando ao redor de Dylan nesta sua caminhada para o sucesso. Ao chegar no hospital para visitar Guthrie, o jovem conhece Pete Seeger, sendo acolhido por este. Seeger, músico folk e entusiasta do gênero, acredita que Dylan pode ser uma figura que alavanque o gênero musical para outro nível.

Além dessas duas figuras masculinas presentes neste recorte da vida de Dylan, o filme centra-se na sua relação amorosa com duas mulheres: Sylvie Russo (Elle Fanning) e Joan Baez (Monica Barbaro).
Sylvie Russo (que na vida real é Suze Rotolo) era uma artista e ativista pelos direitos civis americanos – e influenciou o músico de forma estruturante nestes dois aspectos. No jornal The Guardian, no obituário de Rotolo, lemos: “Depois que ela lhe contou a história de um garoto afro-americano de 14 anos que foi brutalmente assassinado no Mississippi em 1955, ele escreveu The Ballad of Emmett Till, uma de suas primeiras lutas contra a injustiça”. No filme, ela tem presença e tempo de tela. É a namorada de Dylan assim que ele chega em Nova York, vemos as fotos marcantes tiradas do dois – que, uma delas, se tornaria a capa do álbum The Freewheelin’, o segundo do músico e o primeiro a de fato alavancar a sua carreira em escalas para além da bolha da música folk. Sylvie é apresentada como uma mulher inteligente, livre, intelectual e artista. Eles comentam sobre obras de arte e assistem a filmes juntos. O casal divide um pequeno apartamento, no qual Bob está sempre fumando, tocando e escrevendo. Sylvie vai para a Itália por 12 semanas para um curso da faculdade, o que, vale ressaltar, é um destaque para a personagem feminina, que não cede às investidas do namorado para que ela não fosse. Ela vai. Ele fica seguindo sua empreitada rumo à fama.

Joan Baez, por sua vez, já é uma cantora reconhecida quando Dylan chega à cena musical em Nova York. Na primeira vez que eles tocam em sequência em um bar, Dylan ressalta a sua beleza, e a beleza de suas músicas. Entres esses encontros, e com a viagem de Sylvie e a tensão de guerra que se encarava nos Estados Unidos, eles se encontram e iniciam uma conturbada relação de sexo, amizade e parceria na música.

Então, forma-se esse famoso triângulo. No qual Bob Dylan, nem escolhe e nem larga uma dessas mulheres. O interessante é que as mulheres não são passivas nestas relações. Sylvie termina com Bob algumas vezes, Baez o expulsa de seu quarto. Os entrelaços, porém, persistem.
Outra mulher de destaque é a esposa de Pete Seeger – Toshi (Eriko Hatsune). Ela é japonesa, assim representa uma mulher não branca. Ela não possui um arco dramático, não sabemos muito sobre ela além do que o marido conta, mas tem presença de tela e é uma das atrizes incluídas no elenco principal.

Sobre raça, há referências sobre os movimentos pelos direitos civis nos Estados Unidos, momento de muito fervor e de destaque nas lutas antirracistas. Há ainda referências sobre símbolos negros da música folk, mas não há uma alusão à importância real da cultura negra e de seus músicos no gênero de música retratado no filme.
Não há representação de pessoas com deficiências ou pessoas da comunidade LGBTQIA+.
Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
Direção e Roteiro*
* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero
A direção é de James Mangold e o roteiro é dele juntamente com Jay Cocks – dois homens brancos. Não foram encontradas informações sobre eles serem LGBTQIA+ e PcD. Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta 0% por pessoas não brancas, 0% por mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.

Elenco principal*
Créditos iniciais/finais
* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero
Nos créditos finais aparecem em destaque, de forma isolada na tela, um de cada vez, 11 nomes: Timothée Chalamet, Edward Norton, Elle Fanning, Monica Barbaro, Boyd Holbrook, Dan Fogler, Norbert Leo Butz, Eriko Hatsune, Big Bill Morganfield, Will Harrison e Scoot McNairy. Destes 11, três são mulheres, das quais uma é não branca (a japonesa Eriko Hatsune, que interpreta Toshi Seeger). Dos oito homens, 1 é negro (Big Bill Morganfield, que interpreta Jesse Moffette, um personagem criado para o filme). Não encontramos referências sobre os atores e atrizes serem LGBTQIA+ ou PcD.
Dessa forma, o elenco é composto por 27% de mulheres, 18% de não brancos, 0 % LGBTQIA+ e 0 % de PcD.

Representação
Mulheres
Presença (Bechdel-Wallace)
As mulheres têm nome?
Se falam por mais de 60 segundos?
Sobre outro assunto que não seja homens?
Reprovado.
As duas mulheres mais importantes da obra são Sylvie e Joan. Elas têm nome e um considerável tempo de tela, mas elas não conversam entre si.
Arco Dramático (Mako-Mori)
Tem mulher?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?
Reprovado.
As duas mulheres principais, as personagens de Sylvie Russo e Joan Baez, apresentam um ponto de virada, o que poderia ser caracterizado como possuir o seu próprio arco dramático, porém o das duas é vinculado à relação com Dylan. O de Sylvie é quando ela cede aos encontros com Dylan mais uma vez e vai ao festival de música folk com ele. Porém, ao assistir a apresentação dele com Baez, ela percebe que há algo ali que ela não vai conseguir evitar (e nem ele faz questão de evitar). Ela, então, vai embora. Ele ainda vai atrás dela, mas ela afirma a despedida. Joan Baez, até por seu posicionamento na música, é mostrada de forma mais forte e assertiva, mas também não deixa de ceder aos encontros do rapaz.

Competência (Tauriel)
Houve mulher(es) com atividade profissional definida?
Ela é competente na atividade?
Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo 1 – pouco competente e 5 – muito competente)
Houve reconhecimento dessa competência?
Aprovado.
Nota: 5
Joan Baez já é reconhecida quando Bob Dylan aparece na cena musical em Nova York. Ela é uma mulher de sucesso na música folk, lugar predominantemente masculino. Ao mesmo tempo que a sua representação na obra reforça esse sucesso, há momentos em que Dylan critica suas músicas e diz que ela não se solta para compor. Apesar de não termos tanta profundidade na história de Sylvie, sabemos que ela cursa faculdade de artes – e temos ela pintando várias vezes, e que inclusive vai passar uma temporada na Itália dentro do seu currículo escolar. Assim, também entendemos que ela tem habilidades, interesses e um rumo profissional seu.

Qualidade da representação – mulheres
Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 2
A nota se dá principalmente por Sylvie e Joan, mas que são personagens que orbitam Dylan. Apesar desse apoio ao arco dramático do protagonista, as duas são mulheres bem sucedidas, inteligentes e intelectuais.

Raça
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem não branco?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?
Reprovado.
A história negra estadunidense está no cenário do filme, mas não há aprofundamento sobre personagens não brancos. A cena folk também tem origem com os negros, o que é mostrado muito suavemente, com algumas apresentações de grupos conhecidos, mas não há uma referência maior sobre a importância da cultura negra neste gênero musical. Assim, os personagens não brancos não possuem arco dramático próprio.
Qualidade da representação – raça
Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 1
Entre esses personagens não brancos, temos dois de mais destaque (e que inclusive aparecem nos créditos dentro do elenco principal): Toshi Seeger e Jesse Moffette. Temos também, brevemente, a aparição de Becka (Laura Kariuki), uma mulher negra, namorada de Dylan, que o acompanha em uma festa.
Toshi, que é japonesa, é a esposa de Pete Seeger, um dos mentores de Bob Dylan. Ela acolhe Bob em sua casa quando ele chega em Nova York. Ela também está sempre presente nos festivais de música, mas não há desenvolvimento de sua personagem.
Jesse Moffette é um personagem criado para o filme. Segundo Jordan Hoffman, “se ele é baseado em alguém, meu instinto me diz que ele é inspirado por uma mistura de Skip James e Son House, dois bluesmen do Delta que foram procurados por outros membros da cena de renascimento folk e experimentaram um ressurgimento em popularidade nos anos 60”. Dylan conhece Moffette no programa de TV de Pete Seeger, e ele passa a fazer parte dos homens que estão sempre nos arredores de Dylan.

LGBTQIA+
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem LGBTQIA+?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?
Reprovado.
Não há representação de pessoas da comunidade LGBTQIA+.
Qualidade da representação – LGBTQIA+
Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 0
Não há representação de pessoas da comunidade LGBTQIA+.
PcD
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?
Reprovado.
Não há representação de pessoas com deficiência.
Qualidade da representação – PcD
Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 0
Não há representação de pessoas com deficiência.
Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade


Representação



Estrelas Arte Aberta: 0,5
