O filme Anatomia de uma queda é indicado a cinco categorias do Oscar 2024: Filme, Atriz (Sandra Hüller), Montagem, Roteiro Original e Direção, por Justine Triet (a única mulher indicada nesta categoria).
Este ano, é a nona vez que uma mulher na história é indicada na categoria de Melhor Direção em 96 anos de premiação, tendo sido a cineasta Jane Campion indicada duas vezes.
Até agora, a obra acumulou 180 indicações a prêmios, conquistando 64 deles, incluindo o British Independent Film Awards na categoria de Filme Internacional, a Palma de Ouro em Cannes e dois Globos de Ouro nas categorias de Filme Estrangeiro e Roteiro Original.
Anatomia de uma queda é um filme francês que recebeu uma indicação na categoria principal do Oscar. Vale ressaltar que poderia também ter sido indicado na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, mas isso dependia da escolha da comissão na França. Cada país tem o seu próprio órgão responsável pela seleção e submissão do filme, todavia, ao invés de Anatomia de uma Queda, a comissão escolheu O Sabor da Vida, que chegou até a integrar na pré-lista, mas acabou não sendo escolhido na seleção final.
A seguir, analisamos o filme Anatomia de uma queda com o nosso Teste Arte Aberta.
Sinopse
De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers
O filme narra a trajetória de Sandra Voyter (interpretada por Sandra Hüller), uma escritora alemã de sucesso, que se vê envolvida em uma trama complexa após a morte aparentemente acidental de seu marido, o professor e escritor francês Samuel Maleski (interpretado por Samuel Theis). Sandra é acusada de homicídio e torna-se a principal suspeita do caso, o que leva a uma investigação minuciosa que expõe a vida pessoal de sua família.
O casal tem um filho de 11 anos, Daniel (interpretado por Milo Machado Graner), um garoto que perdeu grande parte de sua visão em um acidente aos quatro anos de idade. Daniel surge como uma testemunha crucial para desvendar o mistério em torno do caso.
É um filme que faz questionar sobre as “verdades absolutas” dos tribunais, criadas a partir de narrativas e o excesso de julgamentos sobre a vida das pessoas.
Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
Anatomia de uma queda se passa em uma cidade do interior dos Alpes francês, e apresenta representação de mulheres com certa variedade de profissões e funções sociais, desde juíza, perita, tutora, escritora, mãe e madrinha, porém, todas brancas.
O filme traz três personagens centrais como protagonistas do núcleo familiar: Samuel, professor e escritor, responsável pelas atribuições domésticas e cuidado do seu filho e que está passando por uma fase difícil em sua carreira e em seu relacionamento com a sua esposa; Sandra, escritora com carreira consolidada, bissexual, obstinada e assertiva, e; o filho Daniel, menino com deficiência visual, de 11 anos, talentoso, inteligente e curioso.
É uma história que te provoca a julgar as escolhas dos personagens e principalmente as escolhas de Sandra, se ela seria capaz de ser a responsável pela morte do seu marido. O tempo todo a história aborda os aspectos que nos fazem recorrer aos estereótipos para tentar entender se Sandra é mais uma vítima da história ou a responsável por tudo. Ainda, aborda a perspectiva de um garoto com deficiência que está passando por um difícil processo de luto do pai, e sua mãe, sendo a principal suspeita.
Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD
Direção e Roteiro*
* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero
A direção é de Justine Triet, cineasta francesa que estudou na Escola Nacional de Belas Artes de Paris, conhecida pelos filmes de temas sociais e psicológicos, dentre eles, Sibyl (2019), Victoria (2016), Batalha de Solferino (2013).
Ela divide o roteiro com Arthur Harari, francês, conhecido pelos filmes Onoda: 10,000 Nights in te Jungle (2021), La main su la gueule (2007).
Os dois são casados, e não foi encontrada qualquer menção na internet deles serem LGBTQIA+ ou PcD.
Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta 0 % por não brancos, 66% por mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.
Elenco principal*
Créditos iniciais/finais
* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero
Nove nomes são apresentados nos créditos iniciais do filme: Sandra Hüller (Sandra Voyter), Swann Arlaud (Maître Vincent Renzi), Milo Machado Graner (Daniel), Antoine Reinartz (Avocat général), Samuel Theis (Samuel Maleski), Jehnny Beth (Marge Berger), Saadia Bentaïeb (Maître Nour Boudaoud), Camille Rutherford (Zoé Solidor), Anne Rotger (Présidente du tribunal).
Todos são brancos, e cinco são mulheres.
Do elenco, foi encontrada a informação que Jehnny Beth é abertamente bissexual. Todavia, não há indicação de que alguém do elenco seja PcD, ainda que o Milo interprete um garoto com deficiência visual no filme.
Dessa forma, o elenco é composto por 55,55% de mulheres, 100% de brancos, 11,11% LGBTQIA+ e 0% de PcD.
Representação
Mulheres
Presença (Bechdel-Wallace)
As mulheres têm nome?
Se falam por mais de 60 segundos?
Sobre outro assunto que não seja homens?
O filme começa com um diálogo descontraído e amigável entre duas mulheres. Zoé está entrevistando Sandra, falando sobre vários aspectos da sua carreira.
Além disso, tem outros diálogos com outras personagens mulheres que percorrem o filme, a tutora do Daniel, Marge, advogada de defesa, Nour Boudaoud, a madrinha de Daniel, Monica, e a Presidenta do Tribunal (que não foi nomeada).
Arco Dramático (Mako-Mori)
Tem mulher?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?
Aprovado.
A história principal do filme gira em torno de Sandra Voyter e a sua família. Ela possui arco dramático próprio e independente, ainda que o seu marido e filho tenham grande importância na sua vida e, principalmente, no conflito central apresentado no filme: a partir da morte aparentemente acidental do marido.
Sandra é alemã, mas não fala sua língua nativa por ter vivido desde cedo na Inglaterra. Com o objetivo de mudar a vida que tinham juntos, para reduzir os custos, e buscar mais tranquilidade, o marido a convenceu de irem para a cidade natal dele, no interior da França, nos Alpes. Ela é uma escritora bem sucedida e obstinada que está com problemas no casamento, que começam a partir do acidente em que o filho perde boa parte da visão, e só acaba agravando os problemas financeiros do casal por terem ficado um ano cuidando da recuperação do filho.
No filme são apresentadas diversas camadas da personagem, com complexidade e diferentes nuances. Uma mãe que ama seu filho, obstinada pela sua carreira, e que ao mesmo tempo vive em um relacionamento com dificuldades. Ainda assim, a história explora de diferentes formas os estereótipos preconcebidos sobre os papéis dela como mulher, mãe e esposa, pondo em julgamento as suas escolhas e a sua personalidade, de forma a induzir que ela seria capaz de matar o seu companheiro. Indicando que a personagem não é o ideal de perfeição esperado pela sociedade.
Competência (Tauriel)
Houve mulher(es) com atividade profissional definida?
Ela é competente na atividade?
Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo 1 – pouco competente e 5 – muito competente)
Houve reconhecimento dessa competência?
Aprovado.
Nota: 5
Sandra publicou vários livros, inclusive uma das primeiras cenas apresenta a aluna Zoé a entrevistando sobre sua carreira. Ela é inteligente, dedicada, obstinada, assertiva e ambiciosa. Cabe ressaltar, que no tribunal sua carreira é posta em julgamento, sendo acusada de plágio de uma de suas obras, por ter utilizado parte de uma ideia rejeitada pelo marido e a permitido utilizar (de acordo com Sandra). A questão do possível plágio vem à tona, inclusive, na exposição de uma gravação de uma discussão acalorada, violenta e ressentida do casal.
O advogado de acusação e parte dos noticiários utilizaram trechos de suas obras de ficção para ampliar a discussão de motivos que a poderiam colocar como a responsável pelo possível crime contra o marido.
Qualidade da representação – mulheres
Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 3
O filme apresenta diversas mulheres em cargos de poder e liderança e características, desde juíza, perita, tutora, escritora e mãe, e madrinha, mas todas são brancas.
Ainda que a personagem que possui um arco dramático seja a Sandra, sua personalidade foge dos estereótipos, ao apresentar características comumente associadas a personagens masculinos. O cuidado do filho e a gestão da casa, por exemplo, estão a cargo do seu marido, em certo ponto, em uma discussão, ela inclusive, indica que não acredita que deva haver um equilíbrio nas funções do casal, e caso o marido desejasse fazer diferente deveria impor suas vontades e mudar como ele faz as coisas.
Raça
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem não branco?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?
Não há personagens não brancos na história.
Qualidade da representação – Raça
Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 0.
Não há personagens não brancos na história.
LGBTQIA+
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem LGBTQIA+?
Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?
Aprovado.
Sandra é bissexual e é casada com um homem. Seu arco dramático foge dos estereótipos associados a pessoas bissexuais, ainda que no decorrer da história isso seja ponto de julgamento e fundamentação da acusação sobre as possíveis motivações da acusada.
Qualidade da representação – LGBTQIA+
Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 3
Sandra é uma pessoa bissexual casada com um homem. A informação da sua sexualidade foi utilizada no tribunal para indicar uma falha de caráter da personagem ao indicar que ela estivesse dando em cima da aluna que a entrevistou. Sua sexualidade também foi posta em pauta ao tratar do caso extraconjugal que ela havia tido no passado, do qual o marido tinha ciência. Ainda que tenha havido elementos que carregassem estereótipos vinculados à sexualidade da personagem, a personagem carrega poucos estereótipos.
PcD
Arco dramático (Mako Mori)
Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio?
O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?
Aprovado.
Daniel é um dos personagens principais na história e é fundamental para toda narrativa. Ele é um menino de 11 anos que perdeu boa parte da visão a partir de um acidente quando ele tinha quatro anos. Isso mudou a vida dele e de seus pais. O pai decidiu fazer ajustes na casa com indicações que tornem sua rotina mais acessível e também torna-se responsável pela sua educação. Daniel é um menino educado, inteligente, curioso e com habilidades impressionantes no piano. É uma criança que passou pelo luto enquanto todos os aspectos da sua família foram revirados, ainda com sua mãe sendo a principal suspeita pela morte do pai, e ele uma peça chave na investigação.
Qualidade da representação – PcD
Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)
Sendo -1, estereótipos ofensivos;
0, não tem;
1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos;
2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos;
3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos estereótipos
Nota: 3
Daniel é personagem principal e não possui estereótipos vinculados a ele, ele apresenta autonomia e características naturais de um menino de 11 anos, e ainda tem um papel fundamental na trama. Ressalta-se que em algumas situações parte da equipe de acusação e de investigação tenta descredibilizar o seu depoimento por conta da sua deficiência, cobrando de uma criança, que acabou de passar pelo luto do pai, a responsabilidade de correta precisão dos fatos.
Ressalta-se que o personagem de Daniel poderia ter sido interpretado por uma criança com deficiência.