Categorias
Elas no Oscar Premiações

Vidas passadas | Teste Arte Aberta no Oscar 2024

Compartilhe!

O filme Vidas passadas, da diretora estreante Celine Song, foi indicado em duas categorias no Oscar 2024: Filme e Roteiro Original (também assinado por Celine). A diretora recebeu o prêmio de Melhor Direção de Primeiro Filme pelo Directors Guild of America. O filme é uma das três obras dirigidas por mulheres indicadas à categoria de Melhor Filme, juntamente com Anatomia de uma queda, de Justine Triet, e Barbie, de Greta Gerwig. Das três diretoras, apenas Triet foi indicada na categoria de Direção.

Celine Song e Greta Lee em Vidas passadas

O filme, que contém aspectos autobiográficos, constrói um cinema com pausas e poesia. Uma história intercultural, narrada entre-lugares e entre-línguas, sobre quem vai e quem fica, e sobre com quem se decide ficar. Um filme sobre o impacto do contato entre as pessoas. Uma obra que faz qualquer espectador, de qualquer lugar do mundo, conhecer a palavra coreana in-yun, que, como vemos no filme, significa providência ou destino, ou as camadas que acumulamos nos contatos com outras pessoas. Para casar com uma pessoa, por exemplo, seria preciso 8 mil camadas de in-yun. E criamos in-yun mesmo com quem não esperamos ou queremos, como com o marido da pessoa com quem achávamos que deveríamos estar. 

Vidas passadas é mais do que um filme sobre “e se…”, é um filme sobre a vida que escolhemos viver e como a vivemos com quem está do nosso lado. A seguir, analisamos o filme Vidas passadas com o nosso Teste Arte Aberta. Para saber mais sobre o teste, confira o texto introdutório.

Cena de Vidas passadas

Sinopse

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Nora, seus pais e sua irmã emigram da Coreia do Sul para o Canadá. Inicia-se assim a jornada da vida da protagonista Nora, sempre com grandes projetos de vida, e seu vínculo com a sua origem e com o seu passado.

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD 

O filme é centrado em Na Young, que, ao partir da Coreia do Sul para o Canadá (e depois para os Estados Unidos), juntamente com sua família, escolhe o nome de Nora Moon. A protagonista nos leva por suas escolhas, profissões, moradas e por seus dois amores bem distintos: o namoradinho da escola, ainda na Coreia do Sul, Hae Sung, e, na vida adulta, o seu marido, Arthur. 

O filme traz a interculturalidade coreana-americana, apresentando um “cinema com sotaque”, como conceitua Haid Nacify (2001), navegando entre lugares, culturas e línguas. O cinema com sotaque nos aparece pelo som das línguas faladas, pelas letras de um alfabeto diferente do ocidental, paisagens, comidas e fusos horários. 

Na Young parte da Coreia do Sul com 12 anos. Ao se passarem mais 12, já morando em Nova York, em uma brincadeira com a mãe ao telefone, busca nas redes sociais o amigo dos tempos de criança, Hae Sung. Em uma postagem de um filme de seu pai, ela encontra uma mensagem de Hae Sung procurando por ela. Os dois, então, passam a conversar por mensagens e videochamadas. São encontros marcados tentando atalhos para os seus fusos e vidas diversas. 

Enquanto isso, cada um segue a vida presente e os seus planos de vida futura. Nora agora é escritora. Antes, ela sonhava em emigrar e ganhar o prêmio Nobel, agora, ela almeja o Pulitzer. Os dois compartilham essa ambição pelos sonhos de vida. As conversas intermediadas por aparelhos são como novas cartas que se trocavam antigamente, mas não deixam de ter o mesmo impacto para quem espera um contato. “Exílio e epistolaridade ligam-se porque os dois são guiados pela distância, separação, ausência, perda e pelo desejo de fazer uma ponte por estes diversos intervalos” (Nacify, 2001, p. 101). 

Nora, porém, mesmo envolvida nessa espera-contato, parece trazer à realidade, ou à vida presente, a perspectiva dos dois. “Quando você pode vir a Nova York”, ela pergunta. Ele responde que só poderia em um ano e meio. Ela também, por seus compromissos, só poderia ir para Seul em um ano. Nora, então, diz que é melhor eles deixarem de se falar por um tempo.  

E assim passam-se mais 12 anos. Nora, agora, é dramaturga e está casada com Arthur, um estadunidense que conheceu em uma residência artística. Hae Sung, após o fim de um relacionamento, decide tirar férias em Nova York e rever Nora/Na young.

Quando, enfim, Nora encontra Hae Sung, ela conversa com seu marido sobre o quanto ele é coreano – coreano-coreano e não americano-coreano, ela comenta. Mais uma vez, a interculturalidade está ali presente. Fica pungente a visão de alguém que vive nesse “entre”, ela não é mais tão coreana, mas também nunca será vista como uma americana. Inclusive, há uma cena no filme que deixa isso claro. Nora e Arthur estão no aeroporto, chegando do Canadá, o responsável faz as perguntas todas para Arthur, e questiona qual a relação dos dois. O policial que faz as perguntas não é grosseiro, mas fica ali implícita a diferença entre Arthur e Nora. Entre o homem branco e a mulher asiática. 

Com a chegada de Hae Sung em Nova York, Arthur fica inseguro, mas sabe que ela deve encontrar com ele. “A não ser que você decida largar tudo e fugir com ele”, Arthur comenta. E Nora responde: “Você me conhece? Eu não vou perder meus ensaios por um cara”. Neste ponto, afirma-se a quebra de comédias românticas irreais e adolescentes. A vida de Nora é a que ela escolheu, e não foi fácil. Ela passou por duas migrações. Ela sabe o que quer de sua vida presente, sabe que deixou Na Young em uma vida passada, aos 12 anos na Coreia do Sul. 

Assim, em relação à representação de mulheres, neste caso de uma mulher não-branca, o filme apresenta a narrativa de uma personagem com arco dramático desenvolvido e autônomo – o que é difícil de pensar ao se classificar um filme como romance, quando estamos acostumadas a assistir mulheres apoiarem-se nas escolhas de seus pretendentes.

Ainda em relação à questão de gênero, os homens também não são apresentados com características fechadas em padrões. Arthur é paciente, cuidadoso, amoroso, inseguro; e não tem receio de mostrar todas essas camadas a Nora. Hae Sung carrega algumas questões culturais mais vinculadas ao padrão de masculinidade, como ter que ganhar muito bem para se casar. Mas fora essa questão, ele também deixa seus sentimentos livres, sem precisar usar máscaras. Ele fala para Nora porque está lá – porque queria vê-la, porque a imagem dela sempre aparecia para ele quando estava no serviço militar. E ele comenta a dor que é perceber que Arthur é mesmo um cara legal. Antes de viajar para Nova York, em Seul, ele encontra com amigos, um deles está chorando pelo fim de um relacionamento e Hae Sung acolhe o amigo e fala que ele pode chorar.

No filme, não há representação de pessoas LGBTQIA+ ou PcD.

Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD

Direção e Roteiro*

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

A direção e o roteiro do filme são de Celine Song, em sua estreia à frente de um filme de longa-metragem. Celine nasceu na Coreia do Sul e mudou-se com a família para o Canadá quando tinha 12 anos, assim como acontece com a protagonista do filme. Hoje, a diretora vive nos Estados Unidos. Celine Song é casada com o estadunidense e dramaturgo Justin Kuritzkes desde 2016. Não encontramos nada sobre a diretora ser LGBTQIA+ e PcD. Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta 100% por pessoas não-brancas, 100% por mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.

Elenco principal*

Créditos iniciais/finais

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

O filme é centrado no triângulo amoroso entre Nora (Greta Lee), seu marido, Arthur (John Magaro), e seu amor de infância, Hae Sung (Teo Yoo). Apenas os três aparecem nos créditos finais, com destaque. Greta Lee nasceu na Califórnia (EUA) e é descendente de pais coreanos. Teo Yoo é sul-coreano, tendo nascido e passado a infância na Alemanha, mas mantendo a sua nacionalidade. John Magaro é estadunidense, casado com uma mulher coreana.

Assim, temos uma mulher asiática, um homem branco e um homem asiático. Não encontramos nada na internet sobre o elenco ser LGBTQIA+ e PcD. Dessa forma, o elenco é composto por 33,3% de mulheres, 66,6% de não brancos, 0% LGBTQIA+ e 0% de PcD.

Representação

Mulheres

Presença (Bechdel-Wallace)

As mulheres têm nome? 

Se falam por mais de 60 segundos?

Sobre outro assunto que não seja homens? 

Reprovado.

Há duas personagens com nomes, Nora e Michelle, e elas conversam sobre outros assuntos que não homens, porém não por mais de 60 segundos. O filme é, assim, reprovado neste quesito. Segundo o portal Bechdel Test, portal colaborativo de análises do teste, o filme está como aprovado por não considerar a regra dos 60 segundos.

Sobre a conversa entre Nora e Michelle, no avião, elas brincam com os diálogos iniciais em inglês (– How are you? – I’m fine, thanks. And you? – I’m fine, thanks. And you?…). No tempo presente, Nora tem muitas conversas soltas com sua mãe, mas ela não possui nome no filme, inclusive o que aparece no celular de Nora é Mom (mãe).

Arco Dramático (Mako-Mori) 

Tem mulher? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?

Aprovado.

Nora Moon carrega sua própria história, por seus países, desejos e sonhos. Ela parece agir na vida e não ser levada de forma passiva. Mesmo quando sai da Coreia do Sul, ainda com 12 anos, ela fala para os colegas da escola que vai embora e que não vai mais voltar. 

É ela quem acha Hae Sung (apesar de ele a ter procurado antes). É ela quem fala para o amigo coreano que é melhor eles deixarem de se falar. É ela quem conta os significados de in-yun para Arthur e diz que, na verdade, isso é uma forma que os coreanos usam para seduzir alguém, deixando evidente que ela o deseja naquele momento. É ela quem diz com toda a tranquilidade que a vida dela é com Arthur – e com os seus ensaios. Até porque ela sabe que casamento é como “plantar duas árvores em um jarro, mas raízes precisam encontrar o seu lugar”, e isso é difícil demais para os idealistas como Hae Sung. 

Nora, então, merece uma medalha de Mako Mori! Ela é uma protagonista que de fato é a dona de sua história.

Competência (Tauriel)

Houve mulher(es) com atividade profissional definida? 

Ela é competente na atividade?

Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo  1 – pouco competente e 5 – muito competente) 

Houve reconhecimento dessa competência?

Aprovado. 

Nota: 5

Na segunda cena do filme, conhecemos Hae Sung e Na Young ainda crianças caminhando para casa. Na Young está chorando e Hae Sung pergunta se é porque ele ficou em primeiro lugar na prova e ela em segundo. Ela afirma que sim, e ele tenta consolá-la falando que ela sempre fica na frente e que ela deveria pensar em como ele se sente. A cena deixa claro que Na Young é uma excelente aluna.

Ao longo do filme, Nora sempre deseja um grande prêmio – Nobel, Pulitzer e Tony. É interessante que seu sonho de profissão pode mudar, mas ela sempre almeja algo grande para si mesma, revelando a sua ambição e o desejo de ser a melhor que ela puder ser.

Qualidade da representação – mulheres

Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

Apesar de não ser um filme que se centra em uma coletividade de mulheres, pelo contrário, poucas aparecem na obra, e menos ainda com nomes; o filme é protagonizado por uma: Nora Moon. O filme é sobre ela. É sobre a condução que ela dá à sua vida – profissional e amorosa. Uma mulher coreana vivendo em Nova York. Uma dramaturga que não troca os seus ensaios por um cara. Uma filha que conversa com a mãe em sua língua materna. Assim, ainda mais por tratar-se de uma análise de filmes indicados à maior categoria do Oscar, o filme apresenta uma representação de qualidade de uma mulher.

Raça

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem não branco? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?

Aprovado.

O filme é dirigido e estrelado por mulheres não-brancas. Uma questão marcante é que, quando a família decide sair da Coreia do Sul, os pais pedem para que as duas filhas escolham outros nomes. Isso não é colocado como uma questão ou problema, mas fica implícito que a mudança seria para que as crianças tivessem nomes similares aos das outras do novo país, talvez nomes mais ocidentais, como se as características e vidas delas não estivessem marcadas de toda forma. Na young está na dúvida e o pai sugere Eleonora, tendo Nora como apelido. Ela aceita e passa a usar o nome de Nora Moon. Decidir por Nora – e tornar-se dramaturga – remete ao nome da protagonista da peça Uma casa de bonecas, de Ibsen.

Qualidade da representação – Raça

Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

A representação de raça é pensada aqui no Teste Arte Aberta em relação a personagens não brancos. No filme, temos os personagens Nora e Hae Sung representados na infância e na vida adulta.

LGBTQIA+

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem LGBTQIA+? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?

Reprovado. 

Não há representação LGBTQIA+ no filme.

Qualidade da representação – LGBTQIA+

Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação LGBTQIA+ no filme.

PcD 

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?

Reprovado. 

Não há representação PcD no filme.

Qualidade da representação – PcD

Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação PcD no filme.

Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade

Representação

Estrelas Arte Aberta: 2

Referência:

NAFICY, Hamid. An Accented Cinema. Exilic and Diasporic Filmmaking. New Jersey: Princeton University Press, 2001.

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

Uma resposta em “Vidas passadas | Teste Arte Aberta no Oscar 2024”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *