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Ficção americana | Teste Arte Aberta no Oscar 2024

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O filme Ficção americana foi indicado em cinco categorias no Oscar 2024: Filme, Ator (Jeffrey Wright), Ator Coadjuvante (Sterling K. Brown), Roteiro Adaptado e Trilha Sonora Original (Laura Karpman). 

O filme, baseado no livro Erasure, escrito por Percival Everett, traz a perspectiva de um autor negro que tenta se afirmar no mercado editorial estadunidense. Para além das questões profissionais, Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright) precisa se dedicar à família e a um questionamento subjetivo quanto à literatura que escreve, que consome e como se relaciona com outras pessoas, não só da sua família.

A seguir, analisamos o filme Ficção americana com o nosso Teste Arte Aberta. Para saber mais sobre o teste, confira o texto introdutório.

Sinopse

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Thelonious “Monk” Ellison (Jeffrey Wright) é um escritor e professor universitário que, após ter uma pausa forçada pela universidade, encontra-se em um furacão de acontecimentos na sua família. Após tentativas frustradas de publicar um novo romance porque o mercado editoral não acha que ele escreve romance “negro o suficiente”, Monk escreve um rascunho entitulado My pafology sob um pseudônimo, construindo um enredo de acordo com o que o mercado quer. A brincadeira vira uma possibilidade de ascensão financeira, porém nem tudo sai conforme Monk gostaria.

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD 

O filme perpassa questões importantes sobre raça e pincela algumas questões de gênero e de raça. Temos um elenco majoritariamente de pessoas negras e com alguns personagens mulheres interessantes, mas percebemos – e talvez seja até o intuito – que todos os personagens estão ali para enriquecer a narrativa de Monk.

Temos cinco mulheres negras interessantes e por isso vamos discutir sobre cada uma delas. E todas elas aparecem quando Monk retorna a Boston – sua cidade natal – para um evento literário e aproveita para visitar sua família. 

Sintara Golden (Issa Rae) é uma escritora que alcançou a fama após publicar um livro que, na opinião de Monk, reforça os estereótipos de pessoas negras. Para Monk, Sintara escreveu algo que não representa a população negra, apenas fez o “gosto” do mercado editorial. Sintara, em um determinado momento do filme, tem a possibilidade de responder Monk à altura, questionando esse julgamento agressivo direcionado a uma mulher negra. Após esse encontro e confronto entre os dois, Sintara não aparece mais no filme, apenas é alvo da avaliação de Monk.

A irmã de Monk, Lisa (Tracee Ellis Ross), está se recuperando de uma separação. Lisa é médica, trabalha com crianças e é engraçada. Ela conversa com Monk sobre como sua mãe está esquecendo coisas importantes e que isso é um sinal de alerta. Além disso, Lisa sinaliza a sobrecarga que tem, uma vez que, entre os irmãos – Monk, Cliff (Sterling K. Brown) – é ela quem está responsável pelo cuidado da mãe, não só em nível financeiro. Lisa, porém, morre inesperadamente, fazendo com que Monk fique à frente do cuidado da mãe.

A mãe de Monk, Agnes (Leslie Uggams), é diagnosticada com Alzheimer após a morte da filha. Não se sabe muito sobre ela, mas é posto em vários momentos que ela viveu um relacionamento no qual o marido a traía constantemente, com o conhecimento dela. Agnes acha que Monk é um gênio e faz comentário homofóbico para Cliff. 

Lorraine (Myra Lucretia Taylor) é a empregada da família Ellison e, pelo que podemos depreender, trabalha na casa há anos. Com um bom humor invejável, cuida muito bem de Agnes e encontra um grande amor. No dia do seu casamento temos alguns diálogos importantes entre Cliff e Monk, demonstrando como a relação conturbada de Cliff com o pai ainda o impacta.

Por fim, temos Coraline (Erika Alexander), a vizinha da casa de praia da família de Monk. Coraline é defensora pública e, após separar-se, começa um romance com Monk. Coraline termina o relacionamento de uma forma abrupta após uma cena na qual Monk é agressivo com ela, além do que, Coraline não aguenta mais não saber o que está acontecendo na vida de Monk.

Temos, portanto, cinco mulheres interessantes, mas que não nos é dada a oportunidade de conhecê-las melhor, acompanhar a vida delas, entender seus desejos, seu arco dramático, sua narrativa. São mulheres inteligentes, seguras, que se posicionam, mas servem apenas para dar suporte ao arco dramático complexo para Monk.

Cliff, irmão de Monk, é o único personagem abertamente LGBTQIA+. Sabemos que a esposa pede a separação após flagrá-lo na cama com outro homem. Cliff então se encontra em um luto e, ao mesmo tempo, em uma posição de que agora finalmente pode ser quem é. Porém temos uma construção rasa de um início de uma vida se relacionando abertamente com homens: drogas ilícitas, tanquinho de fora e homens gays jovens. Poderíamos ter muito mais de Cliff, mas diante das mulheres da trama, o arco de Cliff é melhor trabalhado.

Também temos Arthur (John Ortiz), editor de Monk, filho de porto-riquenhos, e que insiste na construção estereotipada de My pafology, após entender que poderia ganhar dinheiro com ela. Não sabemos muito sobre Arthur, apenas que ele concorda com Monk sobre o racismo no mercado editorial. 

Monk, portanto, é um personagem cheio de defeitos e até condescendente. Sua posição sobre o racismo no mercado editorial traz pitadas de ironia e de comédia para um assunto sério e importante. Temos um escritor que batalha para que as histórias escritas por pessoas negras sejam histórias diversas. Monk, porém, não entende que o dinheiro é importante. E que, como falado por Sintara, não deveria ser um problema das pessoas negras e sim das brancas que querem consumir apenas esse tipo de conteúdo.

Monk precisa se reinventar, não só na literatura que escreve, mas também na relação com sua mãe – com quem não teve afinidade –, com o irmão e com Coraline. Escrever personagens interessantes não deu repertório para que Monk pudesse se recriar. Além do que, aparentemente, aprendeu um pouco após a discussão com Sintara. A melancolia de Monk é uma eterna ausência de enxergar a escrita como é: um trabalho, que pode ou não mudar, ou que deve ou não mudar o mundo.

Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD

Direção e Roteiro*

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

A direção e o roteiro do filme são de Cord Jefferson. Jefferson é negro e não foi encontrada qualquer menção na internet sobre ser LGBTQIA+ ou PcD.

Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta 100% por pessoas não brancas, 0% por mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.

Elenco principal*

Créditos iniciais/finais

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

Dezenove nomes são apresentados nos créditos iniciais do filme: Jeffrey Wright, Tracee Ellis Ross, John Ortiz, Erika Alexander, Leslie Uggams, Adam Brody, Keith David, Issa Rae, Sterling K. Brown, Myra Lucretia Taylor, Ray Anthony Thomas, Okieriete Onaodowan, Miriam Shor, Michael Cyril Creighton, Patrick Fischler, Neal Lerner, J.C. MacKenzie, Jenn Harris e Bates Wilder.

Desses, sete são mulheres (Tracee Ellis Ross, Erika Alexander, Leslie Uggams, Issa Rae, Myra Lucretia Taylor, Miriam Shor e Jenn Harris), o que totaliza 36,84% do elenco. E 11 são não brancos, especificamente negros (Jeffrey Wright, Tracee Ellis Ross, John Ortiz, Erika Alexander, Leslie Uggams, Keith David, Issa Rae, Sterling K. Brown, Myra Lucretia Taylor, Ray Anthony Thomas e Okieriete Onaodowan), o que totaliza 57,89%.  Michael Cyril Creighton é o único ator abertamente LGBTQIA+, assim, temos 5,26% do elenco como LGBTQIA+.

Não foram encontradas informações na internet sobre qualquer um deles ser PcD. 

Dessa forma, o elenco é composto por 36,84% de mulheres, 57,89% de não brancos, 5,26% LGBTQIA+ e 0% de PcD.

Representação

Mulheres

Presença (Bechdel-Wallace)

As mulheres têm nome? 

Se falam por mais de 60 segundos?

Sobre outro assunto que não seja homens? 

Reprovado.

Temos algumas trocas curtas de frases entre Agnes e outras três personagens: Lisa, Coraline e Lorraine, porém, são frases curtas que ao todo não ultrapassam 60 segundos.

Arco Dramático (Mako-Mori) 

Tem mulher? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?

Reprovado.

Nenhuma mulher no filme tem arco dramático próprio, todas são inseridas como coadjuvantes para dar vazão à narrativa de Monk. A morte de Lisa, por exemplo, serviu para que Monk pudesse cuidar de sua mãe. Coraline é um romance que serve para marcar características de personalidade de Monk. Agnes serve para que ele veja a publicação de My pafology como menos ruim, pois assim terá dinheiro para bancar o cuidado da mãe.

Competência (Tauriel)

Houve mulher(es) com atividade profissional definida? 

Ela é competente na atividade?

Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo  1 – pouco competente e 5 – muito competente) 

Houve reconhecimento dessa competência?

Reprovado. 

Nota: 0

Nenhuma das mulheres com destaque na narrativa tem sua competência profissional validada. A única menção próxima a isso é quando Monk considera o trabalho de médica de Lisa como importante, mas não fala especificamente sobre competência. Sintara é uma autora de um best-seller, mas o filme inteiro, a partir da perspectiva de Monk, questiona a qualidade do trabalho dela.

Qualidade da representação – mulheres

Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 2

A nota atribuída aqui é a partir da análise de que, apesar de termos mulheres interessantes e sem estereótipos, vemos claramente que elas são apenas um acessório na vida de Monk.

Raça

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem não branco? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?

Aprovado.

Monk é o personagem principal e o mais trabalhado e bem construído do filme.

Qualidade da representação – raça

Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

Temos Monk e Cliff como bons personagens negros. Temos também as mulheres negras discutidas no tópico sobre qualidade de representação de gênero.

LGBTQIA+

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem LGBTQIA+? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?

Reprovado. 

Qualidade da representação – LGBTQIA+

Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 2

Cliff, irmão de Monk, é um personagem interessante porque se encontra em um momento da vida em que, finalmente, pode ser quem é. Há, porém, alguns estereótipos esperados de um homem gay. Ainda assim, Cliff é um personagem bacana com algumas questões importantes, como a relação conturbada com o pai e o distanciamento da mãe.

PcD 

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?

Reprovado. 

Não há representação PcD no filme.

Qualidade da representação – PcD

Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação PcD no filme.

Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade

Representação

Estrelas Arte Aberta: 1,5

Por Risla Miranda

Brilha os olhos quando fala de direitos humanos e se vê um dia programando games. Discutir numa mesa de bar acompanhada de uma cerveja bem lupulada é o paraíso. Criatividade vai desde meme a criar estratégias de ação de projetos. Curtindo o rolê de contar histórias através de dados.

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