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Relic: o terror do envelhecimento e da culpa

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Relic

Envelhecer sem interrupções violentas deveria ser um direito de todos. Infelizmente, o direito ao envelhecimento não é permitido e muitas vezes é retirado de forma abrupta e cruel. O Brasil, por exemplo, é o país que mais mata pessoas trans no mundo. A média de vida dessas pessoas é de 35 anos, sendo que no Brasil a média nacional é de 75 anos. As pessoas negras também têm suas vidas interrompidas, fazendo com que a expectativa de longevidade da população negra seja bem menor do que a da população branca.

Portanto, envelhecer não é para todos, principalmente quando falamos de grupos não hegemônicos. Ainda assim, há um terror do envelhecimento envolvido no imaginário, uma vez que uma sociedade capitalista preza tanto a utilidade do ser humano para o mercado, a velhice não se encaixa na produtividade imposta por essa estrutura. Além disso, há uma autonomia que vai se perdendo à medida que envelhecemos, exigindo outros tipos de cuidados que não estamos acostumados.

É o processo de envelhecer e o encontro de três gerações que fundamentam a narrativa de Relic, o filme da diretora Natalie Erika James que estreou este ano. O início da história se dá quando Edna (Robyn Nevin) desaparece sem pistas de sua casa, fazendo com que sua filha Kay (Emily Mortimer) se desloque da capital para acompanhar as investigações. A filha de Kay, Sam (Bella Heathcote), também está na casa da avó, com quem tem uma grande ligação. 

Três gerações de mulheres encontram-se. Com diálogos curtos e imagens sutis dispostas pela casa de Edna, elas precisam entender o que está acontecendo com a avó, ao mesmo tempo que lidam com suas relações distantes. A distância entre Edna e Kay parece se repetir entre Kay e Sam, causando atritos entre o que a mãe quer de sua filha e o que efetivamente a filha quer para a sua vida.  

Relic é um filme de terror que tem a casa como personagem que amedronta, parece, inclusive, que ela envelhece junto com Edna. Além dos clichês de narrativas de horror, o filme consegue contar também a relação que cada uma das mulheres tem com a casa, seja um distanciamento no caso de Kay, seja uma sensação claustrofóbica no caso de Sam. Edna sofre não só com uma paulatina perda de memória causada pela idade, mas também com uma solidão de ver pessoas que ama e que passou a vida inteira ao lado morrerem.

A emocionante história, que é contada e posso até me arriscar a dizer com uma delicadeza que a princípio não combinaria com o gênero terror, é também angustiante. Além do terror do envelhecimento, há um terror da culpa de Sam, mas principalmente de Kay, por não saber como lidar com a velhice e a morte da mãe que se aproxima. Essa culpabilização que recai nas mulheres para cuidar das pessoas mais velhas da família, mais uma vez relega o cuidado com o outro como uma função restrita de mulheres.

A sobrecarga emocional e uma culpa constante de não dar conta de tudo também é um terror marcado na narrativa de Relic. O trabalho doméstico que está implicado neste cuidado é uma atividade não remunerada que consome a vida de muitas mulheres, responsabilizando-as pelo outro, pelo cuidado e pela rotina doméstica, causando um impacto negativo na saúde mental, financeira e social dessas mulheres.

Com temas tão importantes e tão delicados, o terror de Erika James é certeiro, é delicado, é sutil, mas também é amedrontador. Sustos em momentos específicos, uma presença que persegue as mulheres na casa, dentre tantos outros elementos, marcam a narrativa aterrorizante da velhice e da culpa presentes nos corpos e nas vidas de Edna, Kay e Sam.

Relic

Por Risla Miranda

Brilha os olhos quando fala de direitos humanos e se vê um dia programando games. Discutir numa mesa de bar acompanhada de uma cerveja bem lupulada é o paraíso. Criatividade vai desde meme a criar estratégias de ação de projetos. Curtindo o rolê de contar histórias através de dados.

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