Em tempos de pandemia da Covid-19 muitas questões vieram à tona sobre violência contra mulheres e meninas, pobreza menstrual e sobrecarga materna. São temas extremamente importantes e essenciais para a proteção e igualdade de gênero de mulheres e meninas. Mas por que essas questões estão sendo mais discutidas e tendo mais visibilidade só agora? É comum – e temos evidências históricas – que nas crises as desigualdades são escancaradas e aprofundadas. Portanto, a desigualdade de gênero não ficaria de fora nesse processo de omissão da proteção de direitos e de acessos.
Muito tempo para o cuidado de outros, pouco tempo para si
Dados do IBGE de 2019 trazem a média de horas semanais dedicadas aos cuidados de pessoas e/ou afazeres domésticos das pessoas acima de 14 anos:
Fonte: IBGE
A diferença entre homens e mulheres da média das horas semanais dedicadas ao cuidado e/ou aos afazeres é perceptível. Mesmo não sendo mãe, escuto relatos e acompanho a história de diversas mulheres que sentem a sobrecarga e a culpa materna em tudo que fazem. Um estudo muito importante e interessante feito pela Think Olga discute a economia do cuidado, que são os serviços e atividades essenciais de cuidado que não são remunerados ou se são acabam por serem mal pagos.
Na pandemia tivemos que lidar com a vida privada, os afazeres, o cuidado de crianças, de doentes e de pessoas mais velhas, além da nossa relação com a vida profissional. Se a sobrecarga de mulheres já existia antes da pandemia – é só olhar o gráfico que fizemos ali em cima – é nesse momento de caos da saúde pública que a responsabilidade pelo cuidado tomou proporções ainda mais desiguais. E são as mães que mais sofreram nesse período delicado, que ainda não está tão perto de acabar. Segundo o estudo da Think Olga sobre economia do cuidado, a mamada dura entre 15 a 20 minutos e com a necessidade constante do bebê, essa atividade dura longas e exaustivas horas e esta é só uma dentre o rol de atividades de cuidado que as mães exercem diariamente.
Super mães e o “dar conta de tudo”
A série canadense Super Mães já está na quinta temporada e foi criada por Catherine Reitman que interpreta Kate Foster, uma relações públicas que se tornou mãe. Participando de um grupo para mães e com sua grande amiga Anne, Super Mães traz mulheres tão diferentes que refletem a diversidade da maternidade. As mães do seriado ressignificam aquela construção da mulher mãe que é forte, determinada e focada, que tem tudo sob controle.
Essa romantização da maternidade contribui para uma economia do cuidado pautada na precarização e na responsabilização de mulheres por fazer algo que é essencial para o coletivo e para o crescimento pessoal: cuidar. Super mães é uma série engraçada e é indicada para todas e todos que precisam enxergar o trabalho invisível que mães fazem e que mascaram o cuidado de si mesma que é tão importante quanto cuidar dos outros.
Turma do peito e o “culpa por não saber o que fazer”
A série Turma do Peito tem duas temporadas – gostosas e rapidinhas. Além da risada, está garantida a emoção. A série foca na vida de Audrey após o nascimento da sua primeira filha, então, assuntos como rotina do bebê, puerpério e sexo aparecem na narrativa. No primeiro episódio já temos um encontro com os desafios enfrentados por Audrey, já que ela leva a filha para passear de carro à noite com o intuito de fazê-la dormir e acaba parando em um ponto de venda de drogas ilícitas.
Audrey é constantemente confrontada com a culpa materna por não saber o que fazer, não só em situações ligadas à maternidade, mas também à carreira profissional e à sua relação com a mãe. O marido de Audrey não é um companheiro que divide as atividades e de certa forma cobra de Audrey estar disponível e pronta para tudo que acontecer. Audrey está visualmente cansada, o cabelo bagunçado, as roupas confortáveis. A narrativa visual é presente para não nos deixar esquecer o que Audrey carrega em suas costas.
Diferentes realidades
Os dois seriados trazidos aqui focam em mulheres brancas de classe média em países estrangeiros. Não condiz com a realidade brasileira. Mulheres pretas ou pardas dedicam em média duas horas a mais do que mulheres brancas nas atividades de cuidado e domésticas. Aqui no Brasil a maternidade encontra pobreza, racismo e violência. O objetivo em trazer as séries é demonstrar que também no audiovisual é possível assistir a representações de uma maternidade – branca – que não romantiza as tarefas de cuidado.
Já escutou o nosso episódio do podcast Tia Berta sobre representação audiovisual da maternidade? Escuta aqui, ó. Super mães e Turma do Peito estão disponíveis na Netflix.
2 respostas em “Sobrecarga materna: representação e debate em Super Mães e Turma do Peito”
[…] cada início de episódio, mães se reúnem em um grupo pré-escolar (requisito para entrar nas melhores escolas do Canadá). […]
[…] de Evelyn, um homem chinês simpático e gentil. Evelyn, ao contrário do marido e pela própria sobrecarga que se é colocada sobre mulheres, é rápida, focada e quer fazer tudo ao mesmo tempo — talvez […]