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Barbie | Teste Arte Aberta no Oscar 2024

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O filme Barbie, da diretora Greta Gerwig, foi indicado em oito categorias no Oscar 2024: Filme, Ator Coadjuvante (Ryan Gosling), Atriz Coadjuvante (America Ferrera), Roteiro Adaptado (Greta Gerwig e Noah Baumbach), Figurino (Jacqueline Durran), Direção de Arte (Sarah Greenwood e Katie Spencer) e duas indicações para Canção Original (I’m just Ken e What I was made for?).

Apesar das críticas por não ter sido indicada ao prêmio de Direção, Greta Gerwig carrega um feito histórico: os seus três últimos longas-metragens na direção foram indicados ao prêmio de Melhor Filme no Oscar: Lady Bird (2018), Adoráveis Mulheres (2020) e agora Barbie. Dos três, Gerwig foi indicada na categoria de Direção apenas por Lady Bird

Mesmo soando óbvio e desnecessário, afirmo: o filme é sobre a boneca Barbie, criada em 1959 pela empresa Mattel. O filme concorre a Roteiro Adaptado, ou seja, construído a partir de alguma outra obra pré-existente, como livros, peças, e, neste caso, uma boneca e suas características e história criadas por uma empresa. É a partir desse lugar que podemos olhar para o filme sem acreditar que, por um lado, é supérfluo ou, pelo outro extremo, que é uma obra prima do feminismo.

Na verdade, acredito que Greta sabe “brincar” exatamente entre esses conceitos preestabelecidos, tanto do que esperamos de uma narrativa sobre uma boneca que já esbanjou o conceito da perfeição e do padrão (inalcançável e até preconceituoso) de beleza, como o de que essa mesma boneca tenha liberado todas as meninas do poder do patriarcado por ter provado que elas podem ser o que quiserem! 

Barbie

A seguir, analisamos o filme Barbie com o nosso Teste Arte Aberta. Para saber mais sobre o teste, confira o texto introdutório.

Sinopse

De acordo com a percepção do Arte Aberta evitando spoilers

Na Barbielândia, tudo é perfeito, afinal, as Barbies resolveram o problema do machismo do Mundo Real. No mundo das bonecas, Barbies são presidentas, médicas e toda a Suprema Corte. Kens também vivem na Barbielândia, mas não fica claro o que fazem e onde moram. A Barbie Padrão, porém, começa a pensar sobre a morte e seus pés de repente ficam planos – algo tão aterrorizante quanto o pensamento sobre a finitude humana. Assim, Barbie, com os conselhos da Barbie Esquisita (ou Estranha), parte para o Mundo Real para descobrir a criança que estava brincando com ela e ajudá-la a se sentir melhor, consequentemente a deixando novamente “perfeita” – sem pés chatos, pensamentos sobre a morte ou celulites.

Barbielandia

Ótica de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD 

Todo dia é perfeito para as mulheres na Barbielândia. Elas exercem as mais variadas profissões, dominam exclusivamente a política do local, valorizam umas às outras e se encontram para festas do pijama toda noite. Elas carregam a glória de terem salvado as meninas e as mulheres do Mundo Real do machismo e do patriarcado. 

No mundo dos Kens, as masculinidades são postas em questionamento o tempo todo, já que há também essa disparidade distópica entre a Barbielândia, na qual eles vivem a espera da atenção dada pelas Barbies, e o Mundo Real, que revela está praticando – e muito bem – o patriarcado. 

A perfeição plástica do mundo das Barbies traz a brincadeira da imaginação para a tela, na qual tudo é obviamente irreal, sem águas, sem comidas de verdade, sem sujeira alguma; com deslocamentos flutuantes, trocas de roupas mágicas, casas lindas e carros que se transformam em praticamente qualquer coisa. Até que a Barbie Padrão, ou Estereotípica, pensa sobre a morte! Daí, o circuito perfeito de sua vida torna-se dessincronizado. Ela acorda com mau hálito, sua torrada queima, o leite azeda, o banho esfria e, o mais grave de tudo, seus pés ficam planos. Assustada com as imperfeições enfrentadas e seguindo os conselhos das outras Barbies, ela vai visitar a Barbie Esquisita, que mora em uma casa afastada e colorida. 

Barbie com pés planos

A Esquisita, que está sempre fazendo seus espacates, tem cabelos curtos e arrepiados e o rosto pintado de canetinha – tudo isso porque brincaram forte demais com ela no Mundo Real. A Esquisita também abriga, em sua casa, algumas Barbies e Kens descontinuados pela Mattel. Quase uma comunidade de párias, mesmo dentro da perfeição da Barbielândia. 

Como o oráculo, a Esquisita afirma que a Padrão deve seguir para o Mundo Real, encontrar a criança que está brincando com ela para ajustar os seus pensamentos e reverter o processo de “imperfeição” da Barbie, que, agora, começa a apresentar celulites. No final, como no filme Matrix, dois caminhos são colocados para Barbie: um salto alto rosa e uma sandália Birkenstock. A questão é que ela não tem mais escolha. E, assim, segue para o Mundo Real.

Barbie Estranha

Ken a segue nessa aventura! Quando Barbie chega ao Mundo Real, percebe que a glória que carregava de ser responsável por salvar as mulheres do patriarcado é confrontada com uma realidade bem diferente. Enquanto Barbie vai em busca de quem gerou os seus pensamentos e imperfeições, Ken deslumbra-se com o valor dado aos homens e decide implantar o patriarcado na Barbielândia e instaurar o Reinado dos Ken. 

Barbie, juntamente com o conhecimento do impacto da finitude humana, também vai ao encontro de outros sentimentos e sensações, que, mesmo imperfeitos, são encantadores. Ao chorar, ela sente a dor e o alívio juntos. Ao encontrar uma mulher velha, ela vê uma beleza inexplicável. Esse encontro com a humanidade vai transformando a sua beleza em cada vez menos plástica. A boneca modelo deseja ser uma mulher, com todas as possíveis falhas. Esse é o impacto que o filme traz, o encontro com a humanidade dentro de cada uma de nós. Inclusive a música dos créditos finais, What was I made for?, de Billie Eilish, que concorre à categoria de Canção Original no Oscar, descreve essa crise existencial da Barbie (ou de qualquer pessoa que já passou por uma crise existencial). A música fala sobre o encontro com a tristeza e sobre a dúvida se isso é parte de você. E mesmo com esse encontro com a melancolia querer tentar encontrar o contentamento.  

Barbie traz também várias referências culturais e cinematográficas, tornando-se quase um meta filme! A obra começa a contar a história do início da boneca utilizando a narrativa de 2001 – Uma odisseia no espaço. Na saída de carro da Barbielândia ao Mundo Real há um quê de tijolos amarelos de O mágico de Oz. As pílulas azul e vermelha de Matrix são trocadas por um salto rosa e uma sandália. São mostrados tropos narrativos que colocam em questão a representação da mulher e de como personagens femininas são tantas vezes apresentadas como objeto, sem ação, sem arco dramático e sem qualidade na representação. Quando as Barbies estão executando o plano de recuperar a Barbielândia, elas “atuam” para distrair os Kens, como a mulher “feia” que tira o óculos e fica linda, a que não entende nada e pede ajuda do homem, a que é péssima nos esportes etc. Ter Emerald Fennell interpretando uma das bonecas é mais uma dessas referências, uma homenagem às mulheres no cinema. Fennel interpreta Midge, uma boneca grávida. Ela vive  marginalizada na Barbielândia e no filme – por ser esquisito demais uma boneca grávida. Vale lembrar que Emerald Fennell ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original por Bela Vingança e recebeu a estatueta grávida! Sim, mulheres grávidas também trabalham e ganham prêmios – gravidez não é imperfeição e ou doença.

Sobre a representação de raça, temos uma Barbie preta como Presidenta (Issa Rae), além de uma escritora de sucesso (Alexandra Shipp). Também há Kens não brancos como os representados por Simu Liu, Kingsley Ben-Adir e Ncuti Gatwa, todos com participações importantes no filme.Não há personagens abertamente LGBTQIA+, porém, vale o destaque para Allan (Michael Cera), que, no mínimo, é um personagem que foge da heteronormatividade. Ele é um personagem importante tanto no desfecho da história como na representação de pessoas que não se sentem encaixadas ou representadas na heteronormatividade.

Representatividade de gênero, raça e LGBTQIA+/PcD

Direção e Roteiro*

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

A direção é de Greta Gerwig e o roteiro é dela e do seu companheiro Noah Baumbach. Assim, temos uma mulher ocupando dois dos três cargos. Dessa forma, a ficha técnica principal (direção e roteiro) é composta por 0 % por pessoas não-brancas, 66% mulheres, 0% PcD e 0% LGBTQIA+.

Elenco principal*

Créditos iniciais/finais

* Classificação é feita de acordo com a declaração pública e disponível das pessoas LGBTQIA+/PcD e heteroidentificação de raça e gênero

Nos créditos iniciais, aparecem em destaque (apenas um nome na tela), configurando assim o elenco principal com  10 pessoas: Margot Robbie, Ryan Gosling, America Ferrera, Kate McKinnon, Michael Cera, Ariana Greenblatt, Issa Rae, Rhea Perlman, Helen Mirren, Will Ferrell. Dessas pessoas, sete são mulheres, três são mulheres não brancas e uma é uma pessoa abertamente da comunidade LGBTQIA+.

Apesar de não aparecerem no elenco principal que definimos acima, além de Kate McKinnon, que é abertamente lésbica, há outras representatividades LBGTQIA+ que valem a menção: Hari Nef, Alexandra Shipp, Ncuti Gatwa  e Scott Evans.

Sobre a representatividade PcD, também destacamos que não aparecem atores com deficiência no elenco principal, mas existem personagens PcD no filme: Barbie veterinária cadeirante (Grace Harvey) e Barbie biônica (Ashley Young) e também há a candidata presidencial surda (Jennifer Chan).
Contudo, considerando apenas o elenco principal, o filme apresenta a seguinte representatividade: 70% de mulheres, 30% de não brancos, 10% LGBTQIA+ e 0% de PcD.

Representação

Mulheres

Presença (Bechdel-Wallace)

As mulheres têm nome? 

Se falam por mais de 60 segundos?

Sobre outro assunto que não seja homens? 

Aprovado.

Todas as Barbies têm nomes – o mesmo nome, além de Midge e Skipper! Elas conversam o tempo todo umas com as outras. Além disso, no Mundo Real, Barbie encontra Gloria e Sasha, mãe e filha que estão vivendo um processo de afastamento, mas embarcam nessa aventura de salvar uma Barbie em tamanho real – e todo o seu mundo. Então, grande parte do tempo de tela é delas!

Arco Dramático (Mako-Mori) 

Tem mulher? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de gênero?

Aprovado.

A Barbie Padrão, ou Estereotípica, tem uma forte reviravolta em sua narrativa, com um arco dramático bem definido e apoiado em sua própria história. “Quando você pensa em Barbie você pensa em mim”. É assim que a Barbie Padrão se compreende. Ela não é a inteligente ou a aventureira, mas terá que ser tudo isso para salvar a Barbielândia e a si mesmo. A sua transformação é tanta que ela ganha vida (e genitálias) no final do filme, uma concepção dada pela personagem Ruth (Rhea Perlman), que interpreta a criadora da boneca Barbie e fundadora da Mattel, Ruth Handler.

O encontro de Barbie com Ruth acontece quando a boneca está tentando fugir dos executivos (todos homens) da empresa e de repente entra em uma sala na qual Ruth está. Os executivos em um outro momento se referem a ela como o fantasma de Ruth que mora na empresa. 

Além de Barbie, podemos citar também as personagens Gloria e Sasha que passam por uma transformação, principalmente de compreensão uma com a outra, encontrando o carinho perdido ali entre a infância e a adolescência da filha. 

Competência (Tauriel)

Houve mulher(es) com atividade profissional definida? 

Ela é competente na atividade?

Grau da Competência Caso a mulher seja competente, quão competentes elas são em sua atividade profissional (1 a 5 , sendo  1 – pouco competente e 5 – muito competente) 

Houve reconhecimento dessa competência?

Nota: 5

Temos Barbies Presidenta, advogada, diplomata, jornalista vencedora do prêmio Pulitzer, médica (inclusive interpretada por uma atriz trans – Hari Nef), integrante do Supremo Tribunal, vencedora do Nobel de Física e escritora famosa. Competência é o que não falta na Barbielândia. 

Gloria trabalha na Mattel, sabemos que ela é secretária dos grandes executivos e que faz desenhos sombrios, divertidos e mais realistas das Barbies. No final, inclusive, ela sugere ao CEO da empresa que faça uma Barbie comum – o que é aceito depois que o CFO afirma que será lucrativo.

Qualidade da representação – mulheres

Como é a representação das personagens mulheres (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

O filme é delas! Das Barbies, de Ruth, de Gloria e de Sasha. Talvez por isso o filme causou tanta comoção e uma onda rosa de mulheres indo ao cinema – o que obviamente foi prontamente criticado pelos Kens do Mundo Real. Inclusive, Barbie – o filme – arrecadou mais de U$ 1 bilhão de dólares, tornando a sua diretora a primeira mulher com um filme a atingir essa marca.

Raça

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem não branco? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de raça?

Aprovado.

Temos Barbies e Kens não brancos de destaque. Na Presidência do mundo das Barbies, temos uma Barbie preta, interpretada pela maravilhosa Issa Rae. É simbólica a escolha de uma Barbie preta no campo político, tão ausente de mulheres pretas no Mundo Real.

Gloria e Sasha também são mulheres não brancas, interpretadas por America Ferrera e Ariana Greenblatt. Depois de Barbie e Ken, elas são as mais relevantes – duas mulheres latinas em um blockbuster estadunidense. America Ferrera inclusive é indicada à categoria de Atriz Coadjuvante.

Qualidade da representação – raça

Como é a representação dos personagens não brancos (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 3

Como colocado anteriormente, o filme apresenta vários personagens não brancos, com níveis diferentes de representação. O grande destaque é a Barbie Presidenta. Também já apontamos a Barbie Escritora (Alexandra Shipp). Também há Kens não brancos como os representados por Simu Liu, Kingsley Ben-Adir e Ncuti Gatwa, todos com participações importantes no filme. O Ken interpretado por Simu Liu, ator chinês, é, vamos colocar assim, o antagonista do Ken interpretado por Ryan Gosling, tendo bastante destaque, inclusive no balé imaginário quando toca a música I’m just Ken.

LGBTQIA+

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem LGBTQIA+? 

Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de LGBTQIA+?

Reprovado. 

Apesar de ser reprovado na construção de personagens abertamente LGBTQIA+, vale ressaltar a referência de Allan como um personagem queer, em sua compreensão ampla. Allan foge da dicotomia Barbies-Kens. Não apenas por ser o único, mas por expor uma personalidade e aparência diferente da dos Kens. Allan não participa da tomada do patriarcado na Barbielância, muito pelo contrário, ele tenta fugir quando o Reinado dos Kens é instalado. Quando não consegue sair, ele passa a ajudar as Barbies a retomarem a Barbielândia. 

Qualidade da representação – LGBTQIA+

Como é a representação das personagens LGBTQIA+ (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 0

Não há representação – abertamente – LGBTQIA+ no filme.

PcD 

Arco dramático (Mako Mori)

Tem personagem PcD? Tem arco dramático próprio? 

O arco dramático é apoiado essencialmente em estereótipos de PcD?

Reprovado. 

Apesar de termos Barbies com deficiência, elas não têm arco dramático, ou mesmo fala.

Qualidade da representação – PcD

Como é a representação das personagens PcD (escala de -1 a 3)

Sendo -1, estereótipos ofensivos;  

0, não tem; 

1, personagem de apoio ou secundários/principais com muitos estereótipos; 

2, personagens secundários/principais com poucos estereótipos; 

3, personagem principal/secundário muito bem representada, ou personagem principal sem ou com pouquíssimos  estereótipos

Nota: 1

Há a presença de personagens PcD, porém, com pouquíssimo tempo de tela.

Resumo do Teste Arte Aberta

Representatividade

Representação

Estrelas Arte Aberta: 2

Por Lina Távora

É uma cearense que mora em Brasília, jornalista fora da redação, mestre em comunicação/cinema, feminista em construção, mãe com todo o coração e tem no audiovisual uma paixão constante e uma fé no seu impacto para uma mudança positiva na sociedade.

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